segunda-feira, 24 de agosto de 2020

terça-feira, 23 de junho de 2020

quinto experimento do escrever livre

Um estranho compromisso com a automutilação, com o autoempobrecimento,
um enaltecimento da falta de cálculo, até mesmo nas questões puramente econômicas,
como as finanças pessoais.
Com uma valorização pronta da auto-honorificação, o desfrute do dinheiro torna-se um agora,
como se não o fosse ver nunca mais.
Existe uma incapacidade de poupar em quem odeia o capitalismo,
e eu não sei dizer quem vem primeiro, o ovo ou a galinha.
A verdade é que, paralelamente à tendência da pauperização e da desapropriação constante,
se manifesta um estranho impulso imediatista da vida, de autoemulação,
que não consegue controlar-se e domesticar-se;
e essa pauperização, como uma profecia autorrealizável,
apenas se cofirma.
Logicamente, a única forma possível de superar tal situação é um planejamento total, disso eu tenho certeza.
Não se podem culpar os astros e os homens por seus movimentos involuntários...
Um imprevidente de classe média que transfere seu ódio de classe aos seus filhos, por imprevidência financeira, apenas confirma as teses mais ortodoxas e sofre e inveja: um pai.
Um ex senhor de algum lugar, algum ex notável de algum rincão, deixa seus filhos desapropriados e adentra o mundo da urbanização apenas com a sua honra, sustentado por uma religiosidade nova, moderna: um bisavô.
Somos herdeiros de uma mistura: de um mito, por um lado, de que constituir família é uma condição natural, com a deserança, por outro lado, da impáfia de um progenitor sequioso de gozo, que desfrutou em seu e nosso malefício: somos, por isso, ensinados a desgostar do mundo, que nos empobrece, empobrecendo-nos; e isso, uma vez realizado o vaticínio, é mesmo a nossa única verdade a perseguir, o fatalismo --
a menos que queiramos desistir e aceitar o fim da vida sem frutos a colher,
ou que queiramos reverter o destino de uma obrigação valente - a luta -, carregando um ressentimento com o pai errado, com a família errada, com a não escolha de ter nascido.

sábado, 2 de maio de 2020

o Brasil como cultura e como política

As sucessivas retomadas da prática da Revolução de Avis, como Faoro classificou o processo de renovações pontuais e recorrentes do estamento burocrático em Portugal e, depois, no Brasil, acabaram impondo, ao longo da história, um sentido específico ao tipo de educação cívica que os candidatos à governança deveriam perseguir. A sempre renovada defesa do poder reinol, em seu pacto sucessivo com classes mais abaixo daquelas que o rei havia feito ascender na última "retomada de Avis", transfigurava-se, por assim dizer, progressivamente, para uma lapidação mais profunda dos ideais de boa-governança, se quisermos, aristotélica. Em aparência, o governo de Lisboa, do Rei, aprimorava o seu cuidado com o terceiro estado, até mesmo recrutando-o para o estamento, e criava um ideal de letramento de bacharelismo do tipo, digamos, "puro" -- um bacharelismo de elaboração da função do Estado propriamente dita. Na prática, esse novo ideal servia como uma capa que envolvia os súditos mais uma vez sob custódia do rei, calando-os, silenciando-os -- cada vez menos pela força, de cujo uso não se abria mão, e cada vez mais pela retórica nacional e popular, que tornava indizíveis determinadas críticas de cunho mais regionalista, centrifugista, das nobrezas da terra. Essa força do centro e do cetro era tão forte, e suas estruturas administrativas e políticas eram tão bem construídas, que, mesmo as chamadas forças centrífugas da composição do mando acabavam tendo de se virar ao centro para conseguirem o que necessitassem. E, como, para virar-se para o centro, uma mudança de oratória tinha de ser operacionalizada, a prática "separatista", o liberalismo radical, ou mesmo os anseios autonomistas tiveram de ser tresvalorados ao longo da história, até que se chegassem as suas necessidades políticas ao nível do legitimável do ponto de vista do centro -- um ponto de vista terceiro estadista, bonapartista, bragantino.

Estratégia de setores das elites autonomistas, o bacharelismo liberal do império, como transição para o republicanismo, que desembocará no aliancismo liberal, foi ainda um artifício emoliente de uma engrenagem que buscava hibridizar a própria cultura nacional, que já se desenhava, com os mandos e desmandos do nosso bragança particular e moderador, maquinagem que acabava fortalecendo o Estado burocrático centralizado e a unidade do território. A partir da proclamação da república, essa própria engrenagem passaria a se retroalimentar melhor, e mesmo as lideranças regionais passaram a articular esse ideal de governança, forjado, lá atrás, pelos desígnios dos Reis portugueses, para se legitimarem enquanto classe político-burocrática. De um centrufugismo regionalista, esboçou-se uma reação de caráter centralizador democrático, justamente para que se pudesse levar a cabo o bonapartista caráter do pacto Rei-terceiro estado, herança dos Avis, prática dos Bragança. Porque já se havia consolidado o bem-comum brasileiro no corpus da burocracia, ou melhor, porque o argumento do bem comum já havia penetrado o repertório filosófico da legitimação política, ao longo das gerações, mesmo que falseado por sofística, encharcando a cultura cívica e política brasileira dessa imagem bonômica de "suseranagem" do povo, surgiu esse estranho movimento varguista, de um pacto que carregava, paradoxalmente, o liberalismo em seu nome (a Aliança Liberal da Revolução de 30). E só assim se poderiam, à Bourdieu, distinguir, ambivalentemente, agora eles também, esses ex-federalistas, enquanto governantes: por um pacto in abstracto (o de sempre), com o sempre existente terceiro estado.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

a maldição de uma nobreza explorada, caída e traída, e a consequência disso para o seu destino de classe social

Imagine-se um nobre que tenha sido destituído de suas possessões por alguma invasão ou domínio estrangeiro ou guerra, mas que ainda possui sua linhagem e sua ascendência sobre os outros. A tendência, caso não consiga reconverter-se novamente em nobre, seria a sua proletarização - uma triste tendência para um coração nobre. Este mesmo coração, entretanto, formatado em uma ética nobilitadora, reconhecerá os momentos em que deverá reagir contra a domínio, arrebanhar seus futuros súditos, e reconquistar seu antigo posto material, suas terras, suas rendas (pois o simbólico só se esvai com mais tempo...)

Quando os portugueses do nordeste do Brasil perderam as suas terras para o usurpador protestante, esse fantasma que nos põe de joelhos desde tantos séculos na história, sendo os tratados desiguais talvez apenas uma faceta desse mesmo mecanismo, restaram, empobrecidos, à espera de poderem retomar a honra que lhes havia sido subtraída. A perfeita ocasião da ascenção de uma nova dinastia em Portugal, a dos Bragança, foi vista não mais que como uma bela oportunidade de demonstração de serviência. O Rei havia de conceder-lhes as mercês, afinal tinham batalhado ao lado do bem português, anoitecido pelo jugo dos espanhóis, trazendo ao seu lado os mais fiéis portugueses da América, prontos para serem reconhecidos por tal abnegação e transvaloração cultural.

Mas como não obtiveram o seu "coroamento" como pessoas de boa estirpe, ressentiram-se, na primeira das muitas vezes que o Nordeste viria a se ressentir com a realeza. E como tinham feito dos seus proto-súditos os seus aliados em honra, por meio do sentimento de pauperização que vinham vivendo, eles transformaram-se. Um nobreza ressentida, aliada aos súditos, tem o poder de transfigurar o sentido de um bom comportamento de Estado. O ideal de nobreza tresvalora-se em defesa dos interesses dos súditos, como forma de arrebanhá-los. A renovação de um pacto colonial sucessivamente desfavorável impingirá um sentido diferente para a nobreza brasileira mais antiga, aquela de origem no Nordeste do país, então conhecido como o Norte. A engrenagem que dará resultado no abrasileiramento da cultura, naquilo que as elites modernistas defenderão, como ideais populares, tem início, talvez, aquim na expulsão dos holandeses e na criação de uma memória honrada para um passado brasileiro empobrecido e nobilitado pelo bemm nacional in germen.




sexta-feira, 10 de abril de 2020

Propostas para o ultra bem estar social

A engenharia contábil do projeto do ultra bem estar social deve contemplar o seguinte: investimentos do estado em saúde, educação, em tratamento psicológico, odontológico, educação física, ensino superior e pós graduação, saneamento básico, moradia, lazer, infraestrutura urbana, infraestrutura econômica, regulação do estado no planejamento econômico, produção e consumo dos bens necessários e desejados pela população, além dos desejados como bens de base e de infraestrutura geral. Trabalho pelo busca da felicidade da população e alocação empregatícia com satisfação do empregado. Salário mínimo bem acima do minimo necessário estabelecido para a nossa paridade de comprar nacional. Renda básica universal de 3 salário mínimos. Águas despoluídas, mananciais todos, pra que se possa fazer uso das áreas banhadas por água pra o lazer. Em infraestrutura urbana e nacional entendam-se modais de transporte de alta velocidade e de alta capacidade. Pesquisa em inovação tecnológica, principalmente na área de saúde e de educação e cultura. Planejamento absoluto talvez seja prerrogativa.

quinta-feira, 26 de março de 2020

tempo novo

mais uma pedra,
não posso contar para ninguém,
porque há tragédias
que não abrem espaços
para os outros.
e eu sigo.

inauguro sozinho
esse mundo péssimo,
de que hei de tirar algum proveito
(ao menos,
espero não morrer tão cedo).
eu, sozinho,
em um caminho todo novo,
todo meu
-- só e infelizmente meu.

é segredo o porque sofri muito
e me transformei.

apenas
meus gestos,
carregados,
sublimarão o remorso e a dor do meu mistério,
fazendo deles a massa
da minha polidez:
de quem se abriu
para um mundo cheio
de problemas e outros
a padecerem
também.

o evento:
pela força do cosmo,
um raio, lançado em mim,
em um dia de final de verão,
abriu um buraco negro aonde tropecei e caí,
para um outono que apenas começava,
bem lá na calçada, na pedra portuguesa escrachada,
da rua leopoldo miguez.