sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Soneto da última chance

Quero que fiques à vontade comigo,
de estar ao meu lado, não tenha medo;
não restem dúvidas do meu sincero zelo.
Saibas que, em mim, tens mais que um verdadeiro amigo.

É que seus gestos, brincando... não me convenço!
Envergonho-me de confessar-me-te tanto,
no teu vem-e-não vem, eu me acabo em pranto,
Retraio-me em cólera, no mais vil desprezo.

Liberta-te, meu homem! Faz-me teu: amante!
Eu te desejo muito, neste exato instante!

Mas, se não vens, eu me vou -- e te deixarei aí.
Fatídico dissabor, para ver-te ruir!

Sejas meu, ou te consideres meu rival:
Paixão e ódio: gêmeos do mundo sensorial.

A crítica do instante, o instante crítico e o elogio do divertimento agudo: a ópera como duração finita total

 A dicotomia entre o instante e o eterno na história do cosmos surpreende inexoravelmente todo sujeito que se põe a pensar sobre si, sobre tudo e sobre o que é que é -- e sobre o que é o que é. Ainda assim, na nossa ingênua percepção vivente, somos capazes de distinguir essas duas dimensões da essência das coisas, das suas duas paradoxalidades: o paradoxo do finito dentro do infinito e o do infinito dentro do finito. De toda forma, ainda que ambas as linhas de apreensão do possível sejam verdadeiras e ao mesmo tempo mutuamente e não mutuamente excludentes, o horizonte da morte nos condiciona a realizar uma escolha de como considerar o mundo: a velha escolha entre Sócrates e Sófocles, entre Atenas e o pessimismo trágico. Certamente, a escolha pelo instante é probabilisticamente mais interessante do ponto de vista racional, ainda que o seu prazer implique uma aceitação da dor como limite intransponível do caos. Já uma escolha pelo eterno, do ponto de vista existencial, que fique claro, implica uma outra dor, que pode parecer dupla, que é a dor do que Nietzsche chama de abnegação. O instantanismo puro, mesmo que pareça mais racional, se realizado em sua radicalidade, implica em uma possível disparidade progressiva de aproveitamentos vitais, que tem como consequência a desobrigação do outro pelo outro, reinstaurando um regime de liberdade nociva, motivo por que é muitas vezes elogiado como atributo da moral aristocrática, de matriz barbárica. A solução possível, portanto, seria a crítica do instante para se instaurar um instante crítico -- uma subversão do prazer pelo instante que demonstrasse no instante a sua dimensão horrenda, a criticasse e a sublasse em direção a uma criticidade renovada a cada novo evento de instante: como um exercício crítico. O grande peso dessa tarefa seria o mesmo peso atribuído a ela pelo grande filósofo alemão, Friedrich Nietzsche: o peso da ascese e da abnegação. O que eu proponho, todavia, é uma contrapartida pela crítica do instante na forma de um gozo do instante crítico. O que eu proponho, pois, é a possibilidade de um divertimento agudo na crítica do instante, na sua passagem pelo horror e pelo abjeto, identificados no gozo puro do instante. Do ponto de vista de um projeto total, mater-se-iam ambas as qualidades das duas considerações sobre o mundo: o gozo do instante e a perspectiva de um futuro eterno. Essa operação, que se esclareça bem, compreenderia uma espécie de esticamento do instante, na sua repetibilidade sempre reinstaurada, de forma a criar-se um percurso da crítica. O instante, assim, seria traduzido como duração mínima e decupado em micro operisticidades totais, em que a crítica do instante passaria por seus atos, até que se elevasse à crítica divertida do instante, instaurando-se o gozo pelo divertimento agudo: a inclusão do abjeto na dimensão do gozo seria esse duplo sopro, esse duplo soco do eterno sobre o instante, funcionando como um desafogamento aliviante da vitalidade cultivada -- e retesada -- pelo exercício da abnegação. O gozo do abjeto, esse divertimento agudo e crítico, como uma prática reiterada e constante, eventual e repetida, a todo instante, reinauguraria o instante como duração finita, evento por evento, traduzindo a instantaneidade em sua dimensão operística -- mas inaugurando, agora, também, um novo paradoxo: o paradoxo a duração alongada do instante, na perspectiva, na intenção da elaboração de um trabalho constante, orientado para um futuro em que a eternidade pudesse ser gozada materialmente, pois o instante seria assim ressignificado somente com a intenção de se desfrutar dos resultados positivos da sua crítica perpétua -- ou perpétua até que se supere a morte de tudo. E assim, somente assim, teria fim a macro ópera da duração total, circularizando o infinito em um finitude cósmica do possivelmente possível.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

A equiparação do prazer e do alívio

- Fisiologia e medicina são exemplos de produção ingênua de informação material vital agregada. 
- É preciso pensar como a vivência pode ser cooptada. 
- O abjeto deve ser entendido como um divertimento agudo (exercício radical de liberdade). 
- Assumir o abjeto como divertimento é o impensado -- assim como o cosmismo é o impensado da tropicalia e vice-versa.

Hélio Oiticica de cabeça pra baixo

O que vem movendo o meu ímpeto artístico é a ideia de que eu viraria a obra do Hélio Oiticica de cabeça pra baixo. Antes, parecia-me suficiente simplesmente afirmar que "eu não era o Hélio Oiticica", em uma referência a Magritte. NOT OITICICA. Mas o desdobramento das minhas investigações chegaram ao ponto de transformar essa afirmação em uma reesculturação mental do trabalho do Hélio, que se concretizou na minha "Ópera da Redenção da Geometria", o meu "programa irônico", a minha crítica às Cosmococas -- o meu suplemento, complemento, alienado, desalienado. Botar o Hélio de cabeça pra baixo requereria, então, que eu questionasse, ou, ao menos,  elaborasse o seu conceito de "invenção", como capacidade e mandamento universais de expressão individual igualmente distribuídos entre todos. Mas o seu conceito de invenção pressupunha, era lógico, um domínio do inalcançável pela práxis crítica, que era o conceito de "vivência". A sua proposta de invenção como desdobramento do seu expressionismo cósmico trágico, se eu fosse botar o Hélio Oiticica de cabeça pra baixo, deveria ser, no mínimo, complexificada, uma vez que meu entendimento do Neo-concretismo e do Neo-expressionismo era de que se tratava de "momentos vitais" do descobrimento do ser material. Um momento da ontologia final e única que tinha na sua conclusão absurdo-factível o melhor dos mundo possíveis pós-leibniziano -- o meu  melhor dos mundos possíveis, aquele do cosmismo abrasileirado, do cosmismo do excesso, da Trop Arte (essa arte do excesso tropical, momento elevado da alienação pela vivência, como disponibilização de material mensagístico para incorporação no edifício cósmico a ser posteriormente refuncionalizado). A função da vivência oiticiciana era dupla: era gozo e entrega, era prazer e tragédia, era vida e cooptação. Virando Hélio Oiticica de cabeça pra baixo, eu deveria seguir um caminho diferente, embora não totalmente distinto. Se a vivência era um momento ingênuo da produção do gozo eterno, eu deveria representar o seu momento crítico. O excesso trágico deveria ser trabalhado para preencher de excesso positivo a vivência socrática, mas, para chegar lá, o momento crítico deveria produzir o seu duplo. E o duplo do gozo trágico, eu imaginei, é a crítica abjeta, é a representação crítica da alienação do gozo, da cooptação -- é uma investigação intelectual radical dos motivos fundacionais dos descontentamentos, é a denúncia livre e incensurada do horror como uma batalha cósmica da vida contra a morte em todo sujeito vivente. É um cuspe. Se cada instante deve ser uma obra de arte para tornar-se eterno, como Hélio vislumbra que se seja a sua invencionalidade expressiva, a sua ode ao instante do cosmo, esse mesmo instante, para tornar-se eterno, deve inscrever-se como uma totalidade desejante, libertando-se do seu negativo por meio da expressão abjeta, deve ser uma Obra de Arte Total, com todos os seus momentos até o final do seu progress, na redenção. Speak-out, Revolução Cultural, Bota-fora: como quiserem chamar, o circuito ascendente da expressão abjeta até o seu delírio findo é a contra-parte da invenção enquanto expressionismo encantado. Se a invenção e a criação vivente são apropriadas constantemente pelo dinheiro que tudo compra, a revanche da exploração é a expressão abjeta -- mas, para que ela se torne o veículo de uma futura "vivência socrática", ela deve ser conceitualizada pela práxis hermenêutica, e tornar-se um abjetismo conceitual. Ou então continuaremos a vivência ingênua e ignoraremos os males advindos dessa percepção que, justamente, ignora -- e cultua o trágico. Ou então acreditaremos no "programa irônico do duplo abjeto-vivente" em sua proposicionalidade delirante de gritos e gozos espiralantes e apologéticos e recalcitrantes e desesperados -- porém o único melhor possível e libertado do fati nietzscheano.