sexta-feira, 31 de outubro de 2025

A crítica do instante, o instante crítico e o elogio do divertimento agudo: a ópera como duração finita total

 A dicotomia entre o instante e o eterno na história do cosmos surpreende inexoravelmente todo sujeito que se põe a pensar sobre si, sobre tudo e sobre o que é que é -- e sobre o que é o que é. Ainda assim, na nossa ingênua percepção vivente, somos capazes de distinguir essas duas dimensões da essência das coisas, das suas duas paradoxalidades: o paradoxo do finito dentro do infinito e o do infinito dentro do finito. De toda forma, ainda que ambas as linhas de apreensão do possível sejam verdadeiras e ao mesmo tempo mutuamente e não mutuamente excludentes, o horizonte da morte nos condiciona a realizar uma escolha de como considerar o mundo: a velha escolha entre Sócrates e Sófocles, entre Atenas e o pessimismo trágico. Certamente, a escolha pelo instante é probabilisticamente mais interessante do ponto de vista racional, ainda que o seu prazer implique uma aceitação da dor como limite intransponível do caos. Já uma escolha pelo eterno, do ponto de vista existencial, que fique claro, implica uma outra dor, que pode parecer dupla, que é a dor do que Nietzsche chama de abnegação. O instantanismo puro, mesmo que pareça mais racional, se realizado em sua radicalidade, implica em uma possível disparidade progressiva de aproveitamentos vitais, que tem como consequência a desobrigação do outro pelo outro, reinstaurando um regime de liberdade nociva, motivo por que é muitas vezes elogiado como atributo da moral aristocrática, de matriz barbárica. A solução possível, portanto, seria a crítica do instante para se instaurar um instante crítico -- uma subversão do prazer pelo instante que demonstrasse no instante a sua dimensão horrenda, a criticasse e a sublasse em direção a uma criticidade renovada a cada novo evento de instante: como um exercício crítico. O grande peso dessa tarefa seria o mesmo peso atribuído a ela pelo grande filósofo alemão, Friedrich Nietzsche: o peso da ascese e da abnegação. O que eu proponho, todavia, é uma contrapartida pela crítica do instante na forma de um gozo do instante crítico. O que eu proponho, pois, é a possibilidade de um divertimento agudo na crítica do instante, na sua passagem pelo horror e pelo abjeto, identificados no gozo puro do instante. Do ponto de vista de um projeto total, mater-se-iam ambas as qualidades das duas considerações sobre o mundo: o gozo do instante e a perspectiva de um futuro eterno. Essa operação, que se esclareça bem, compreenderia uma espécie de esticamento do instante, na sua repetibilidade sempre reinstaurada, de forma a criar-se um percurso da crítica. O instante, assim, seria traduzido como duração mínima e decupado em micro operisticidades totais, em que a crítica do instante passaria por seus atos, até que se elevasse à crítica divertida do instante, instaurando-se o gozo pelo divertimento agudo: a inclusão do abjeto na dimensão do gozo seria esse duplo sopro, esse duplo soco do eterno sobre o instante, funcionando como um desafogamento aliviante da vitalidade cultivada -- e retesada -- pelo exercício da abnegação. O gozo do abjeto, esse divertimento agudo e crítico, como uma prática reiterada e constante, eventual e repetida, a todo instante, reinauguraria o instante como duração finita, evento por evento, traduzindo a instantaneidade em sua dimensão operística -- mas inaugurando, agora, também, um novo paradoxo: o paradoxo a duração alongada do instante, na perspectiva, na intenção da elaboração de um trabalho constante, orientado para um futuro em que a eternidade pudesse ser gozada materialmente, pois o instante seria assim ressignificado somente com a intenção de se desfrutar dos resultados positivos da sua crítica perpétua -- ou perpétua até que se supere a morte de tudo. E assim, somente assim, teria fim a macro ópera da duração total, circularizando o infinito em um finitude cósmica do possivelmente possível.

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