terça-feira, 11 de novembro de 2025

Do Conceitualismo Hiper-estético e epistemológico do Rio

      O passo dado para fora do pictórico pelos neoconcretos, mais do que um desdobramento de matriz pós-impressionista, teve, na verdade, importância para o desenvolvimento do "resíduo expressionista da arte". A descoberta do relevo da cor, as experimentações na geografia dos sentimentos, o elogio da invenção individual descobrem mais os efeitos do mundo sobre os sujeitos, pelo seu gesto artístico de exteriorização do sentimento, do que o contrário, no sentido clássico da fenomenologia, que mormente acaba atendo-se ao criticismo estrutural da percepção. O passo neoconcreto situa-se, assim, no desenvolvimento da expressão, em oposição à impressão, contribuindo, ao seguir certo etapismo modernista, para a compreensão desse "resíduo", que a matriz expressionista representa.
   Na arte moderna, podemos dizer que existiram duas vertentes principais: a legatária do Impressionismo e a do Expressionismo. A primeira todos conhecemos bem: foi dar no cubismo e, mesmo, no suprematismo, no minimalismo e até no concretismo tradicional. A operação matemática análoga ao cubismo foi o seu instrumento. Como em toda operação de divisão (se pudermos chamar a decupação cubista de divisão), houve um resto -- que, na aritmética, é permanentemente redividido por artifícios diversos: o Expressionismo, de certa maneira, foi sempre considerado esse resto do pós-Impressionismo. Identificado, muitas vezes, como a comprovação da falência do modernismo, o resto Expressionista, segundo textos de  enciclopédias e dicionários, retorna amiúde em momentos de crise na humanidade, como mímese da indicibilidade e, a cada novo evento de sua manifestação, convida-nos a refletir sobre ele.
        Herdeiro, ainda que insólito, da tradição lírica, o Expressionismo, contudo, desde o advento da arte moderna, refez-se nessas aparições recorrentes e não pode mais ser considerado mero resto. Ao contrário, se nos atentarmos bem, desde sua primeira epifenomenalidade, o Expressionismo retornou, a cada vez, refundamentado. Das primeiras obras Expressionistas clássicas, essa tendência teve mais dois momentos cruciais, o Expressionismo Abstrato e o Neo-Expressionismo, que trouxeram a manifestação das emoções de novo à baila da meditação artística. De forma eventualmente mais refletida, racionalizada, essa recorrência do Expressionismo nas lacunas da história da arte moderna segue o mesmo movimento evolutivo da fenomenologia "ótica" da vertente pós-impressionista; está cada vez mais claro, apresenta-se mais como um desenvolvimento próprio de uma gnosiologia da expressão do que como um "resto". 
        Assim, Hélio comenta, em seus diários, que, desde o Expressionismo Abstrato, a pintura já buscava sair do quadro. Pelos relevos da pintura de Pollock, por exemplo, e por sua gestualidade processual, já vemos os sinais desse etapismo moderno por que também passou o resto expressivo da arte. Aliás, quando Hélio fez esse comentário, parece-me que ele está argumentando algo para a sua própria justificativa artística: trata-se do reconhecimento, por parte de um neoconcreto, de que o escape do pictórico, a conquista da linha orgânica, tem suas raízes na história da arte e vincula-se ao braço expressionista da divisão da arte moderna: ao braço mais inefável e lírico.
      É aí que sinto haver a diferença fundamental do neoconcretismo em relação aos seus algo-rivais paulistas: na sua relação com a herança cubista do construtivismo. É que a saída do pictórico dos neoconcretos diferencia-se da dos construtivistas, embora esses dois escapes se encontrem, depois, de alguma forma, nas investigações sobre as influências do espaço nas emoções. É bem verdade que a "radicalidade cubista dos suprematistas e dos construtivistas", ao invadir a vida como projeto de sua arte, não abordou a geografia de forma analítica, como fariam os neoconcretos; atacou-a -- esta talvez seja a melhor palavra -- de forma prática, ativa. Na Rússia, deu-se um processo de retificação geográfica do ser external, na busca de certo equilíbrio da vontade, em uma espécie de anestesia inaugural para um novo momento da relação dos humanos com o meio e com os seus sentimentos. O caso neoconcreto, por sua impotência comparativa em relação ao estatista modernismo russo, teve mais tímidas investidas sobre a exterioridade do ser, descobrindo a importância da geografia para os sentimentos. Como os russos também fizeram, certamente, mas, no seu movimento paulatino, o neoconcretismo reproduziu a redescoberta gradual e parcial do ser, típica dos povos-novos da América do Sul. Conforme avançava a colonização, esses povos-novos deculturavam-se e aculturavam-se intermitentemente e descobriam o ser nos interstícios desse movimento que, paradoxalmente, ao mesmo tempo os libertava. Nesse movimento, descobriram a geografia concreta dos sentimentos de forma passiva, à diferença dos russos, que descobriram uma geografia abstrata, pois desertificaram o ser na sua retificação ativa, total e explícita do relevo externo e, portanto, do interno, ao empreenderem sua espécie de "revolução cultural", que se seguiu ao outubro de 1917.
       Embora não seja muito comum enquadrar os neoconcretos na tradição expressionista, considero que se deve observar melhor esse vínculo. O retorno ao pictórico empreendido pelo Neo-Expressionismo diz muito sobre esse significado materialista da expressão, inaugurado pela percepção neoconcreta da geografia epistêmica dos sentimentos, realizada na sua investigação artística além do quadro. O que Hélio defendia, afinal, era uma pintura depois do quadro. Se é verdade que muito se condenou o Neo-Expressionismo pela morte das vanguardas, há, contudo, um refinamento do pensamento modernista nesse retorno ao pictórico por parte dos alemães, que requalifica as descobertas dos referidos artistas cariocas. Os Novos Selvagens... O que eles realizaram, talvez sem o conhecimento específico do que se vinha fazendo no Brasil, deve muito -- é possível que tenham encontrado tal conhecimento nos arquivos ontológicos da natureza -- a essa descoberta da geografia concreta dos sentimentos, realizada no Rio de Janeiro. A conclusão pela materialidade, ainda que complexa, das emoções, defendida por Georg Baselitz no retorno da sentimentalidade ao quadro pelos materiais da pintura, consta em seus escritos ao justificar por que virava os quadros de cabeça para baixo. Na motivação desse gesto, estava o desejo de que a expressão, transposta no quadro por uma miríade de meios materiais, fosse vista dessa forma mesmo: como materialidade exposta à meditação. E esse movimento, de retorno material explícito ao pictórico, só poderia ser feito se, na saída do pictórico, se realizasse uma análise fundacional da substancialidade dos sentimentos -- e de tudo: passo dado pelos russos e pelos brasileiros, porém, mais detalhadamente pelos brasileiros. É como se nossos conterrâneos, por seu reconhecimento passivo do terreno dos sentimentos, experimentassem-no em sua negatividade perene, que apenas lhes mostrava as concavidades inumeráveis desse relevo rugoso que é a subjetividade de um sujeito quase-inerte, enquanto a Rússia estava em plena atividade positiva do si.
    Seguindo essa linha de desdobramentos que culmina da possibilidade da exegese objetiva dos sentimentos, proponho que se realize, agora, um investimento em uma Nova Expressão Hermenêutica. Ao fazer isso, procuro estabelecer um vínculo com a mencionada tradição expressionista, conferindo-lhe, retrospectivamente, um sentido histórico-hermenêutico. Além disso, busco ainda estabelecer bases mínimas para o entendimento epistemológico e ontológico dos sentimentos, graças à meditação sentimental que essas correntes passadas proporcionaram e revelaram. A Nova Expressão Hermenêutica, assim, como uma espécie de novo conceitualismo substantivo-ontológico carioca, procura estabelecer novos universais para o entendimento (tido aqui como substantivo intransitivo), mesmo das coisas mais complexas e indizíveis e supostamente inefáveis, como os sentimentos. 
     Adicionalmente, como objetivo mais ambicioso, pretendo, na tradição cosmista de Hélio e dos russos, estabelecer o bedrock para uma investigação cosmológica a partir do sujeito – a materialidade do si. Por meio da análise dos sentimentos com uma noção básica de substância -- a materialidade do ser --, a Nova Expressão Hermenêutica, essa Arte Hiper-Estética Conceitual-Ontológica, tem, por fim último, a compreensão do todo a partir de uma exegese dos sentimentos, realizada pelo eu sobre o eu como anteparo, cristalização possível, do todo. E isso só se consegue a partir de um entendimento primordial e constituinte: a materialidade da substância e da vontade.

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Eu: o anti-heidegger heideggeriano

O objetivo da aula é tentar pensar em um "páthos eidético" e na sua consecução.
Esse procedimento implica um olhar projetivo sobre o conceito de páthos; a ideia é tentar entender o seu direcionamento.
O que seria, então, o "espanto" filosófico? Só compreendemos ele por sua característica prática. Qual práxis, portanto, o "espanto" gerou? Pela sua afecção nos "sujeitos de filosofia" é que veremos onde ele vai dar na história.
Ao olharmos para trás, identificaremos o seu caminho. Identificando o seu caminho, identificamos aquilo que intenciona. Se o "espanrtno" afeta o sujeito enquanto "páthos", disposição, devemos procurar nessa disposição o caminho que ela tem de seguir. Esse caminho é que nos levará à certeza do que lea é. E por que precisamos saber o que ela é com certeza? Porque é essa disposição que enuncia sua busca, por meio de nós; e descobri-la é nosso ímpeto, para domá-la, conhecê-la e nos realizarmos plenamente.
Assim, se o espanto inicial causa iniquamente o páthos em diferentes sujeitos filosóficos, na sua conclusão, apenas as disposições ficarão lado a lado, e o relevo do ser nos será indiferente. Mas, para o relevo do ser apresentar-se-nos indiferente, ele deve ser neutralizado pela nossa disposição. Nossa disposição é, desse modo, uma pulsão que se bate contra o ser geográfico do espanto.
Nesse desejo de controle do ser, o páthos vai tateando e tateando-se. Chega a si mesmo, ao certitudo cartesiano. Lá encontrou o seu bedrock. Primeira certeza possível. O cogito não precisa ser o que Descartes entendeu por ele, apenas o ponto de partida.
Mas o ser emana outras certezas que não são autoevidentes, mas que são demonstráveis. Separando o joio do trigo, chegamos a elas pela demonstração e pela intersubjetividade. Elas são as ciências empíricas, que se nos dão a conhecer pela prática.
É somento de modo ativo que nos capacitamos a testar nossas hipóteses e afirmá-las. Embora seja apenas com o experimento que acedemos à certeza, ela nos aparece clara já pela razoabilidade e, às vezes, pela matemática.
Com a economia, é assim, mesmo que ela atue diretamente sobre a esfera protegida do cogito.
Podemos então demonstrar a forma como se opera a economia capitalista pelo modelo marxista de análise, e assim demonstrar a exploração. Mas estaremos capazes de fazer os indivíduos perceberem, por si mesmos, na forma como Descartes propõe o seu método, a situação de exploração? Ainda: perceber a exploração e tentar libertar-se dela, será isso o contato com ser, de que Heidegger fala?
A ideia de uma economia como direcionando o interesse das pessoas por meio do dinheiro pode ser um bom caminho para mostrar como o dinheiro significa a vontade das pessoas de forma alienada. O dinheiro é a objetificação das suas vontades, e os salários são as suas parcelas de vontade possíveis de serem alcançadas, no tempo que lhes restar de vida. 
O dinheiro, assim, é o trabalho social acumulado, ele é a sua imagem, e a sua quantidade é o máximo de realização possível contingentemente pelo trabalho.
A superação do dinheiro exporia, então, a humanidade às suas possibilidades objetivas, no nível do indeterminado.
Se o objetivo for, portanto, a conquista da certeza cartesiana de um ponto de vista materialista, deveremos ter de superar o dinheiro por meio do nosso próprio trabalho.
Se demonstramos a verdade da economia marxista, devemos, então, agir conforme ela para torná-la uma percepção subjetiva, vendo nos seus resultados a sua atuação completa.
O valor-trabalho é o que garante ao produtor a conquista da mais-valia. Mais-valia nada mais é do que o mais valor adicionado na operação de venda de mercadoria por dinheiro. D-M-D'.
O trabalho, essa dimensão ativa da vida humana, é a forma por meio da qual realizamos o aumento da riqueza.
Se pudermos trabalhar para nós mesmos... talvez possamos descobrir criticamente a existência da matéria. Reconhecer no trabalho a execução daquilo de que nos alienamos: isso é retornar à certitudo materialista cartesiana. 
Isso é fazer retornar a vontade à homeostase eidética -- é fazer alcançar a homeostase eidética que imaginamos ter existido em um Estado de Natureza.