O passo dado para fora do pictórico pelos neoconcretos, mais do que um desdobramento de matriz pós-impressionista, teve, na verdade, importância para o desenvolvimento do "resíduo expressionista da arte". A descoberta do relevo da cor, as experimentações na geografia dos sentimentos, o elogio da invenção individual descobrem mais os efeitos do mundo sobre os sujeitos, pelo seu gesto artístico de exteriorização do sentimento, do que o contrário, no sentido clássico da fenomenologia, que mormente acaba atendo-se ao criticismo estrutural da percepção. O passo neoconcreto situa-se, assim, no desenvolvimento da expressão, em oposição à impressão, contribuindo, ao seguir certo etapismo modernista, para a compreensão desse "resíduo", que a matriz expressionista representa.
Na arte moderna, podemos dizer que existiram duas vertentes principais: a legatária do Impressionismo e a do Expressionismo. A primeira todos conhecemos bem: foi dar no cubismo e, mesmo, no suprematismo, no minimalismo e até no concretismo tradicional. A operação matemática análoga ao cubismo foi o seu instrumento. Como em toda operação de divisão (se pudermos chamar a decupação cubista de divisão), houve um resto -- que, na aritmética, é permanentemente redividido por artifícios diversos: o Expressionismo, de certa maneira, foi sempre considerado esse resto do pós-Impressionismo. Identificado, muitas vezes, como a comprovação da falência do modernismo, o resto Expressionista, segundo textos de enciclopédias e dicionários, retorna amiúde em momentos de crise na humanidade, como mímese da indicibilidade e, a cada novo evento de sua manifestação, convida-nos a refletir sobre ele.
Herdeiro, ainda que insólito, da tradição lírica, o Expressionismo, contudo, desde o advento da arte moderna, refez-se nessas aparições recorrentes e não pode mais ser considerado mero resto. Ao contrário, se nos atentarmos bem, desde sua primeira epifenomenalidade, o Expressionismo retornou, a cada vez, refundamentado. Das primeiras obras Expressionistas clássicas, essa tendência teve mais dois momentos cruciais, o Expressionismo Abstrato e o Neo-Expressionismo, que trouxeram a manifestação das emoções de novo à baila da meditação artística. De forma eventualmente mais refletida, racionalizada, essa recorrência do Expressionismo nas lacunas da história da arte moderna segue o mesmo movimento evolutivo da fenomenologia "ótica" da vertente pós-impressionista; está cada vez mais claro, apresenta-se mais como um desenvolvimento próprio de uma gnosiologia da expressão do que como um "resto".
Assim, Hélio comenta, em seus diários, que, desde o Expressionismo Abstrato, a pintura já buscava sair do quadro. Pelos relevos da pintura de Pollock, por exemplo, e por sua gestualidade processual, já vemos os sinais desse etapismo moderno por que também passou o resto expressivo da arte. Aliás, quando Hélio fez esse comentário, parece-me que ele está argumentando algo para a sua própria justificativa artística: trata-se do reconhecimento, por parte de um neoconcreto, de que o escape do pictórico, a conquista da linha orgânica, tem suas raízes na história da arte e vincula-se ao braço expressionista da divisão da arte moderna: ao braço mais inefável e lírico.
É aí que sinto haver a diferença fundamental do neoconcretismo em relação aos seus algo-rivais paulistas: na sua relação com a herança cubista do construtivismo. É que a saída do pictórico dos neoconcretos diferencia-se da dos construtivistas, embora esses dois escapes se encontrem, depois, de alguma forma, nas investigações sobre as influências do espaço nas emoções. É bem verdade que a "radicalidade cubista dos suprematistas e dos construtivistas", ao invadir a vida como projeto de sua arte, não abordou a geografia de forma analítica, como fariam os neoconcretos; atacou-a -- esta talvez seja a melhor palavra -- de forma prática, ativa. Na Rússia, deu-se um processo de retificação geográfica do ser external, na busca de certo equilíbrio da vontade, em uma espécie de anestesia inaugural para um novo momento da relação dos humanos com o meio e com os seus sentimentos. O caso neoconcreto, por sua impotência comparativa em relação ao estatista modernismo russo, teve mais tímidas investidas sobre a exterioridade do ser, descobrindo a importância da geografia para os sentimentos. Como os russos também fizeram, certamente, mas, no seu movimento paulatino, o neoconcretismo reproduziu a redescoberta gradual e parcial do ser, típica dos povos-novos da América do Sul. Conforme avançava a colonização, esses povos-novos deculturavam-se e aculturavam-se intermitentemente e descobriam o ser nos interstícios desse movimento que, paradoxalmente, ao mesmo tempo os libertava. Nesse movimento, descobriram a geografia concreta dos sentimentos de forma passiva, à diferença dos russos, que descobriram uma geografia abstrata, pois desertificaram o ser na sua retificação ativa, total e explícita do relevo externo e, portanto, do interno, ao empreenderem sua espécie de "revolução cultural", que se seguiu ao outubro de 1917.
Embora não seja muito comum enquadrar os neoconcretos na tradição expressionista, considero que se deve observar melhor esse vínculo. O retorno ao pictórico empreendido pelo Neo-Expressionismo diz muito sobre esse significado materialista da expressão, inaugurado pela percepção neoconcreta da geografia epistêmica dos sentimentos, realizada na sua investigação artística além do quadro. O que Hélio defendia, afinal, era uma pintura depois do quadro. Se é verdade que muito se condenou o Neo-Expressionismo pela morte das vanguardas, há, contudo, um refinamento do pensamento modernista nesse retorno ao pictórico por parte dos alemães, que requalifica as descobertas dos referidos artistas cariocas. Os Novos Selvagens... O que eles realizaram, talvez sem o conhecimento específico do que se vinha fazendo no Brasil, deve muito -- é possível que tenham encontrado tal conhecimento nos arquivos ontológicos da natureza -- a essa descoberta da geografia concreta dos sentimentos, realizada no Rio de Janeiro. A conclusão pela materialidade, ainda que complexa, das emoções, defendida por Georg Baselitz no retorno da sentimentalidade ao quadro pelos materiais da pintura, consta em seus escritos ao justificar por que virava os quadros de cabeça para baixo. Na motivação desse gesto, estava o desejo de que a expressão, transposta no quadro por uma miríade de meios materiais, fosse vista dessa forma mesmo: como materialidade exposta à meditação. E esse movimento, de retorno material explícito ao pictórico, só poderia ser feito se, na saída do pictórico, se realizasse uma análise fundacional da substancialidade dos sentimentos -- e de tudo: passo dado pelos russos e pelos brasileiros, porém, mais detalhadamente pelos brasileiros. É como se nossos conterrâneos, por seu reconhecimento passivo do terreno dos sentimentos, experimentassem-no em sua negatividade perene, que apenas lhes mostrava as concavidades inumeráveis desse relevo rugoso que é a subjetividade de um sujeito quase-inerte, enquanto a Rússia estava em plena atividade positiva do si.
Seguindo essa linha de desdobramentos que culmina da possibilidade da exegese objetiva dos sentimentos, proponho que se realize, agora, um investimento em uma Nova Expressão Hermenêutica. Ao fazer isso, procuro estabelecer um vínculo com a mencionada tradição expressionista, conferindo-lhe, retrospectivamente, um sentido histórico-hermenêutico. Além disso, busco ainda estabelecer bases mínimas para o entendimento epistemológico e ontológico dos sentimentos, graças à meditação sentimental que essas correntes passadas proporcionaram e revelaram. A Nova Expressão Hermenêutica, assim, como uma espécie de novo conceitualismo substantivo-ontológico carioca, procura estabelecer novos universais para o entendimento (tido aqui como substantivo intransitivo), mesmo das coisas mais complexas e indizíveis e supostamente inefáveis, como os sentimentos.
Adicionalmente, como objetivo mais ambicioso, pretendo, na tradição cosmista de Hélio e dos russos, estabelecer o bedrock para uma investigação cosmológica a partir do sujeito – a materialidade do si. Por meio da análise dos sentimentos com uma noção básica de substância -- a materialidade do ser --, a Nova Expressão Hermenêutica, essa Arte Hiper-Estética Conceitual-Ontológica, tem, por fim último, a compreensão do todo a partir de uma exegese dos sentimentos, realizada pelo eu sobre o eu como anteparo, cristalização possível, do todo. E isso só se consegue a partir de um entendimento primordial e constituinte: a materialidade da substância e da vontade.

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