Agora, se compreendermos de fato que, no fundo da disputa entre Oiticica e Malevich, jaz um mesmo problema, que opõe as duas "soluções cósmicas", então teremos que uma nova e única arte é um "programa irônico". E, nesse sentido, haveremos de sucumbir praticamente: isto é, aceitaremos ambas as potencialidades negativas das opções actantes -- assim como louvaremos suas "identidades programáticas" -- e cairemos no erro permanente da vida como afirmação da morte. As soluções cósmicas propostas, portanto, são, igualmente, ou mutuamente excludentes ou suplementares-complementares e apenas justificam-se enquanto afirmação absurdo-factível: afirmam-se como proposição única e lógica, até mesmo ética, do problema cósmico fundamental, que é a afirmação da vida. O que defendo, assim, é que a ironia implícita no absurdo da demonstração finalíssima da solução cósmica única, nova e conclusiva pressupõe um niilismo de base, a que corresponde a nova acepção do "melhor dos mundos possíveis". Nesse novo "programa absurdo finalizante" (que seria in progress meramente circunstancialmente), o "melhor dos mundos possíveis" é o único horizonte ético que se vislumbra, ainda que sua execução pareça impossível, e que a escolha entre as duas "soluções cósmicas" figure como uma necessidade. A transposição dessa impossibilidade como vislumbre -- "transposição como vislumbre" --, no limite, é o paradigma a que nos temos de agarrar, do contrário é niilismo puro e ironia. Ou é mesmo niilismo puro e ironia, e aí teremos de haver-nos com a face dura da relação entre ontologia e epistemologia, que nos convida a entender o contrário, pois, ao que se supõe provável do real nas atuais compreensões de realidade, a ontologia e a epistemologia encontram-se na verdade da matéria, ainda que se a expanda em sua complexidade telúrica, instantânea e mesmo infinita e eterna.
terça-feira, 23 de setembro de 2025
terça-feira, 16 de setembro de 2025
a nova e única arte
Se quisermos pensar em termos de continuidade, teremos de supor que o neoconcretismo e o conceitualismo de Moscou constituem suplementos um do outro, mas suplementos em um sentido linear e não em sentido substitutivo. Quero dizer, primeiro, então, que a noção de suplemento deve ser entendida como ela foi dicionarizada, não como ela foi apropriada no discurso da chamada "teoria francesa" da filosofia contemporânea. As descobertas do neoconcretismo, sobretudo aquelas feitas por Hélio Oiticica em suas investigações da cosmicidade da expressão, devem ser compreendidas como um "momento vital" da expansão progressiva da duração. Mais ainda, elas devem ser entendidas como "matéria complexificada", elementos de entendimento complexo da vida, na sua interface com o cosmos exterior. Os aspectos extasiantes que a vivência transporta para a arte devem servir de complemento, na verdade, à noção totalizante do conhecimento de que são legatários os conceitualistas de Moscou, como herdeiros da tradição construtivista e suprematista, malevichiana -- que, no fundo, são consequências do futurismo cosmista russo. Esse futurismo cosmista russo, então, é o esboço arquitetônico de um edifício, que sera preenchido pelas vivências, pelas durações, que são as expressões presentificadas das vidas, que, na prática, demonstram as necessidades das individualidades para que a experiência da imortalidade imanente seja de fato uma "experiência delirante extasiante". Se supusermos que o imortalismo corpóreo é uma possibilidade factível, ele deverá ter de ser um imortalismo corpóreo perpetuamente desejante e realizador, tornando a vida imortal imanente algo além de um tédio da eternidade. É por isso que argumento que a alienação e a vivência, como Hélio Oiticica compreendeu esse conceito, são fases, momentos da descoberta do si coletivamente. A própria dinâmica do capitalismo, da criação das necessidades, segue essa espécie de "dilema ético", ao produzir, pela apropriação do trabalho transistórico, as potencialidades de gozo exponencializados em verticalidade mortal. O desenvolvimento das forças produtivas talvez seja mesmo esse momento histórico da descoberta da potência, mas que seria sustado, uma vez que as forças produtivas todas fossem redirecionadas para uma produção condicionada por um outro regime ético de produção. Então o contato das individualidades com o cosmo, como é a intenção de Oiticica, poderia ocorrer de forma super-supra-sensorial. E nesse novo momento da produção caberá uma superação da forma trágica que se atribui à arte. Em um novo regime ético de produção, talvez se chegue a uma nova necessidade, que é a da superção da mortalidade, mas que não pode deixar de ter inscrita em sua intenção enquanto projeto coletivo a dimensão da vivência como condição de uma eternidade imanente vivente. É que supor uma vida imortal sem a possibilidade de uma criatividade infinita, de uma invencionalidade desfrutante, é indesejável; e, na verdade, se essas duas dimensões, a cosmista e a neoconcreta, não se fundirem, elas tornam-se mutuamente excludentes e, ainda, tornam-se ambas frustradas. A cosmista por seu tédio e por sua inviabilidade, que obrigaria o sujeito a optar por uma vivência oiticiciana, como último refúgio da arte. E a neoconcreta tornar-se-ia frustrada, porque a vivência seria recorrentemente apropriada pelo dinheiro, transferindo o seu gozo aos acumuladores de equivalente geral.
segunda-feira, 8 de setembro de 2025
vivência e alienação
Pensando-se na totalidade do trabalho produzido
historicamente, o usufruto do seu resultado pelos detentores do maior estoque
de equivalente geral de troca (dinheiro) é uma função invertida da expropriação
vital. A falta abstrata, que a despossessão de dinheiro representa, é a emulação da sua feição positiva, sendo a
vivência expropriada uma necessidade econômica da geração material do seu
produto-epítome: o gozo do dinheiro. Em sentido semelhante, o desenvolvimento geo-histórico das necessidades de vivência resulta em mensagens
informacionais que acabam por ser resgatadas pela capacidade produtiva como possibilidade
de realização de gozo, em abstrato. Como
a estrutura de acumulação é piramidal e orientada para o futuro, aquilo de que o topo da pirâmide
desfruta é o agregado socio-histórico das vivências circunstanciais tornadas mensagens de troca econômica.
As possibilidades de vivência são expelidas de maneira passiva, ou
melhor, são drenadas tacitamente pela dinâmica própria de expropriação vital
que o regime de trocas pelo dinheiro produz. As subjetividades produzidas sob
esse sistema de recompensas desbalanceado estão, a todo o tempo, argumentando silenciosa e inconscientemente pelo seu próprio desejo, sobretudo por causa da constatação da morte, âncora absoluta da materialidade vital. O ponto de vista subjetivo emerge
como perceptor sensível do
desbalanceio, assumindo os sentimentos uma dimensão eminente na sintomatologia do déficit vital. A forma abstrata da geração de valor que o sistema
de trocas por um equivalente geral cria permite uma palpitação delirante das “necessidades
de gozo”, como uma "volubilidade crítica" que pode ser identificada e retrabalhada por qualquer dispositivo
exterior que se proponha a cooptá-la. A vivência, em seu sentido
trágico, portanto, é um “momento vital”, uma expressão do seu posterior desdobramento
desalienado, que seria a vivência-constância, a vivência em seu “sentido
socrático”.
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