terça-feira, 16 de setembro de 2025

a nova e única arte

Se quisermos pensar em termos de continuidade, teremos de supor que o neoconcretismo e o conceitualismo de Moscou constituem suplementos um do outro, mas suplementos em um sentido linear e não em sentido substitutivo. Quero dizer, primeiro, então, que a noção de suplemento deve ser entendida como ela foi dicionarizada, não como ela foi apropriada no discurso da chamada "teoria francesa" da filosofia contemporânea. As descobertas do neoconcretismo, sobretudo aquelas feitas por Hélio Oiticica em suas investigações da cosmicidade da expressão, devem ser compreendidas como um "momento vital" da expansão progressiva da duração. Mais ainda, elas devem ser entendidas como "matéria complexificada", elementos de entendimento complexo da vida, na sua interface com o cosmos exterior. Os aspectos extasiantes que a vivência transporta para a arte devem servir de complemento, na verdade, à noção totalizante do conhecimento de que são legatários os conceitualistas de Moscou, como herdeiros da tradição construtivista e suprematista, malevichiana -- que, no fundo, são consequências do futurismo cosmista russo. Esse futurismo cosmista russo, então, é o esboço arquitetônico de um edifício, que sera preenchido pelas vivências, pelas durações, que são as expressões presentificadas das vidas, que, na prática, demonstram as necessidades das individualidades para que a experiência da imortalidade imanente seja de fato uma "experiência delirante extasiante". Se supusermos que o imortalismo corpóreo é uma possibilidade factível, ele deverá ter de ser um imortalismo corpóreo perpetuamente desejante e realizador, tornando a vida imortal imanente algo além de um tédio da eternidade. É por isso que argumento que a alienação e a vivência, como Hélio Oiticica compreendeu esse conceito, são fases, momentos da descoberta do si coletivamente. A própria dinâmica do capitalismo, da criação das necessidades, segue essa espécie de "dilema ético", ao produzir, pela apropriação do trabalho transistórico, as potencialidades de gozo exponencializados em verticalidade mortal. O desenvolvimento das forças produtivas talvez seja mesmo esse momento histórico da descoberta da potência, mas que seria sustado, uma vez que as forças produtivas todas fossem redirecionadas para uma produção condicionada por um outro regime ético de produção. Então o contato das individualidades com o cosmo, como é a intenção de Oiticica, poderia ocorrer de forma super-supra-sensorial. E nesse novo momento da produção caberá uma superação da forma trágica que se atribui à arte. Em um novo regime ético de produção, talvez se chegue a uma nova necessidade, que é a da superção da mortalidade, mas que não pode deixar de ter inscrita em sua intenção enquanto projeto coletivo a dimensão da vivência como condição de uma eternidade imanente vivente. É que supor uma vida imortal sem a possibilidade de uma criatividade infinita, de uma invencionalidade desfrutante, é indesejável; e, na verdade, se essas duas dimensões, a cosmista e a neoconcreta, não se fundirem, elas tornam-se mutuamente excludentes e, ainda, tornam-se ambas frustradas. A cosmista por seu tédio e por sua inviabilidade, que obrigaria o sujeito a optar por uma vivência oiticiciana, como último refúgio da arte. E a neoconcreta tornar-se-ia frustrada, porque a vivência seria recorrentemente apropriada pelo dinheiro, transferindo o seu gozo aos acumuladores de equivalente geral.

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