Mostrando postagens com marcador economia e imortalidade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador economia e imortalidade. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 31 de julho de 2018

segunda-feira, 30 de julho de 2018

sobre a natureza da sociologia e a circunstância do sociólogo

Se perguntado sobre a natureza da sociologia, um sociólogo talvez não seja quem poderá responder da melhor maneira a eventual dúvida. Como figura vivente do processo político próprio que a sociologia evoca, o sociólogo, ao descrever a ontologia segundo a qual se apropria do mundo, de onde está, provavelmente conferirá ao seu conteúdo discursivo considerável teor de enviesamento: um envisesmento marcado por denúncia e anseio de transformação política. Seu ponto de vista marcado pelo déficit vital aplica luta e sacrifício à renovação programática dos intentos da entidade supra-individual a que desfere suas críticas. Talvez seja preciso buscar a resposta sobre a natureza da sociologia em alguma instância transistórica e extra-social, que possa oferecer uma resposta mais teleológica e funcionalista do papel mezzo quixotesco desse prenunciador de novas eras morais e produtivas. É preciso que se analise o fenômeno do nascimento da sociologia como uma realidade metassocial, que se desenha a partir dos aspectos condicionais da natureza da vida, e que se autoexpressa em uma forma discursiva motivada por impulsos aguilhados pelo horror baixo, desonroso dos sintomas da escassez vital relativa. É próprio do ciclo universal do movimento de reprodução da vida essa criação do indivíduo rejeito, do excedente, que enseja a formação de novos núcleos, que operarão da mesma maneira a ejetar, naturalmente, o que sobra, e assim sucessivamente. E talvez seja próprio também da matéria -- o desprendimento e o vórtex negativo, que centrifuga o "algo" e permite que o "nada" seja repreenchido, como consequência de alguma força metafísica que reclama a ocupação do vazio. O sociólogo gritará para o vento na medida em que for alijado daquilo que constituía, para ele, os elementos da sua expectativa de saúde honorífica. Quando o núcleo de parentesco não oferece mais reciprocidades positivas, o sociólogo, esse primo pobre, se vê desumanizado de tal maneira que procura introduzir novas formas e novos conteúdos para a sociedade de que é membro. Seu apelo à moral conclama os outros desafortunados a comporem o grito da insolência e da demanda reestruturadora: novas formas de organização social -- e produtiva; novos conteúdos, conceitos, para lidar com a concepção circunstancialmente imoral de entendimento da abrangência da dignificação social. Se não pode fugir pela floresta, juntar os seus próximos e fundar uma nação, que reproduziria o ciclo de parentesco primitivisticamente sustentável, o sociólogo, esse quixote do futuro, argumentará -- aparentemente em vão e com a histeria dos visionários -- pelas modificações concretas da dinâmica das recompensas vitais, na sociedade em que está inserido, funcionando como agente da complexificação: demandando mais humanidade. É por causa da sociologia que a demanda dos desprovidos é atendida; é graças à sociologia que história se movimenta para realizar transformações produtivas que possam alterar a capacidade de suporte metassocial para expansões demográficas, para expansões da renda, para expansões dos limites da experiência do gozo. É a sociologia essa força da natureza que surge das incapacidades das condições presentes de atendimento das demandas individuais, e que obriga, pela esfera discursiva, a transformação socialmente beneficiadora dos significantes dessa teia sociobiológica que paira sobre a vida orgânica, progressivamente para um sentido mais universalizante: como se a constituição da vida tivesse um dispositivo latente, um fato tendencial, uma "praga do bem-comum", que obriga a sociedade a ceder e a expandir-se: talvez seja melhor chamar a sociologia, por um olhar transistórico, de anti-praga, pois retira as ervas daninhas e permite ao corpo vital reproduzir-se e ampliar-se, tornando-o um só e maior.

domingo, 22 de julho de 2018

a teoria do primo pobre

Visualizar o crescimento de um núcleo de parentesco é prerrogativa para compreender a "teoria do primo pobre". O alargamento de uma família, conforme vai se reproduzindo um tipo familiar, acaba por gerar o distanciamento do elemento que confere vitalidade aos membros do grupo familiar. Nas franjas do núcleo de parentesco estarão os netos e os sobrinhos, que deixarão de desfrutar, naturalmente, das comodidades da reciprocidade positiva. Isto é um fato tendencial. Destituídos do reconhecimento como membros mais efetivos do grupo primordial, aqueles primos que não se encaixarem nas dinâmicas de aproximação interpessoal genuína, aqueles primos cujas afinidades se distanciarão daquelas do núcleo original, viverão a experiência de primos pobres. Ora, a própria noção de falta de afinidade é um reflexo dessa estrutura parental que suporta apenas uma operacionalidade limite de combinações relacionais, e a afinidade, ou a falta dela, é a expressão fenomenológica de uma predisposição concreta. Na própria lógica da reprodução biológica, os elementos que conferem eficácia simbólica individual são escassos; e o insulamento dos relativamente marginalizados é uma espécie de regra. O tácito desprezo pelo primo pobre gera-lhe dada confusão, e a expressão incoerente, de aparente engano e dificuldade expressiva, é sintoma desse funcionamento metassocial de desenvolvimento biológico orquestrado pela natureza. O reforço desse insulamento como consequência da expressão indgnada e parcialmente incompreensível, crítica e odiosa, e o correspondente reconhecimento da demanda recalcada, finalmente expressa, por parte de outros aparentados, fazem esse primo pobre, esse cavaleiro quixotesco, esse sociólogo avant la lettre iniciar um movimento de preparo para a ação que renderá os benefícios necessários para o reordenamento dessa eficácia simbólica, os seus benefícios de saúde auto-honorífica, aquilo que atenderá às suas demandas vitais. Quanto mais simples a sociedade, mais minimalista, menor é o custo de oportunidade de partir em diáspora e buscar amigos e aliados para formar sua própria nação. Quanto mais complexa, maior é esse custo de oportunidade, e a batalha travada passa a ser no interior da sociedade, o que implica em pressões, pela via moral, para a transformação da estrutura social-produtiva e distributiva. 

terça-feira, 19 de junho de 2018

a contradição constitutiva da mudança social

Uma revolta do baronato perante um rei déspota não configura uma profunda inovação de paradigma estatutário, mas não deixa de representar alguma. Na medida em que os poderes do déspota se concentram e é perdida determinada liberdade, seja por aumentos fiscais, seja por perda de poder político de fato, o círculo nobre imediatamente inferior ao déspota passa por um processo de empobrecimento. Ainda que o objetivo final de dada revolta não seja propriamente a revolução, a provável lista de demandas desse grupo destituído de determinados interesses vitais acaba por promover um alargamento do poder, na medida em que torna possível a exigência de benefícios em uma perspectiva classista. O ressentimento, que os motiva, é o que dá o gosto amargo às suas comidas, é o que os torna mais próximos dos plebeus. Não será incomum ver a união de segmentos marginalizados e elites ressentidas em torno de demandas gerais da sociedade -- assim como não será incomum ver a progressão do conceito de universalismo a partir de sucessivos ressentimentos que marginalizam relativamente setores que antes faziam parte do núcleo. 

domingo, 3 de junho de 2018

complexo jus naturalis

As árvores tinham uma folhagem às vezes grossa, às vezes fina, mas a mata, de todo, era volumosa e densa, e bastava um olhar para um lado e para outro que qualquer um já podia perder-se, caso quisesse continuar o caminho. A mãe estava lá, com seus filhos, amamentando um, em uma pequena clareira que abriu com algum trabalho. Não que estivesse a todo momento alerta contra predadores, mas o estava de todo modo. Era preciso que eles crescessem logo para que dispensassem finalmente a sua ajuda e fossem buscar suas vidas sozinhos, cada um por si, sem olhar para trás. Uma vez saídos dos braços da mãe, correriam para dentro da floresta em busca de parceiros sexuais, de alimentos, e se esqueceriam para sempre dos seus progenitores. Esqueciam até mesmo suas feições, sua espécie, e todos na floresta, no futuro de todos os sujeitos, são seus potenciais inimigos, parceiros e alimentos, em um anonimato noturno e cricrilante que sucede o desenvolvimento biológico de todos. A mesma lambida que retirou a placenta comendo-a para o bem mútuo é a mordida da alimentação faminta, do cerco da caça, o começo e o fim. Um dos filhos partia, outro nascia, outra tinha suas crias.

Ranure já se encontrava a se perder pelas folhagens densas da floresta, enquanto abria espaço sozinho por entre a galhada para movimentar-se em direção a algum norte vital. Farejava, certamente, andava, escutava, seguia. Talvez se esquecesse recorrentemente, mas se lembrava vagamente de um vínculo afetivo quebrado pela lei da natureza, quando teve que partir por força maior de seu clã matriarcal por ter, provavelmente, tornado-se excedente. Crescera e podia partir, naturalmente, na medida em que novos iguais nasciam da mesma mãe. Fora em busca da continuidade para fora do que podia sua mãe e encontrara por aí seres como ele mesmo, sozinhos e viventes, a entrar na água de um rio e a se alimentar do seu.

Um pequeno bando com uns filhotes era presa fácil, e quanto mais cedo se pudesse torná-los fortes o suficiente para irem, menos danosa se tornava a caminhada a esmo dos clãs matriarcais. Quanto mais fortes se tornavam os filhotes, eles também exigiam mais e, certa hora, rebelavam-se e partiam com um rancor que alimentava perpetuamente o seu egoísmo como um mecanismo fisiológico. Iam arrastando-se pelas folhagens, a grunhir de ódio e lágrimas, até passarem a primeira noite sozinhos, e a segunda, e a terceira, indefinidamente, até que se esqueciam: e apenas haviam tornado-se ótimos. Todos os seres que passavam por eles eram o mesmo, e nenhum vínculo se estabelecia nos moldes do amor parental presente apenas na pequena infância.

O olhar pelo plano divino via esses seres ali caminhando como átomos em movimento por um espaço de território restrito, indivíduos de um mesmo tipo, a procurar e procurar, em círculos. A mãe de um não era mais nada dele no médio prazo, podendo-se observar uma porção de mães que já haviam se alimentado de seus filhos adultos, e adultos que já se haviam alimentado da continuidade das famílias que foram forçados a abandonar. Ranure mesmo agora limpava as patas de sangue da fácil presa, que era uma mãe com seus filhotes, que saboreava especialmente, embora sentisse algo sobre-animal que se assemelhava a um mal-estar provocado por um fantasma de memória que poderia fazê-lo querer constituir um abrigo mais duradouro, porque aquela caça tinha sido consequência de alguns dias de fome grave; e até hoje achava injusto ter tido que ser expulso por ter sido excedente, consequência dessa mesma fome, que era fruto da falta, que fora imposta, a todas os seres da floresta, sob a forma empírica e existencial da restrição -- ou da interdição -- materna.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

o objeto para o materialismo histórico crítico

Se se pretender realizar uma teoria do objeto nos termos do meu proposto materialismo histórico crítico, será indispensável que se passe pela acepção psicanalítica do termo objeto. É a dimensão vital-fisiológica que determina o viés pelo qual o sujeito lerá a condição do mundo. São, portanto, as suas estruturas reguladoras de vitalidade contemplada que definirão o comportamento do sujeito com relação às formas do mundo. O interesse vital de cada sujeito, por sua vez, deve ser entendido como a forma libidinal que emana do sujeito, que a entidade desejo assume. É esse funcionamento vital-fisiológico que desperta tanto a luta de classes quanto o fetiche que a mercadoria exala -- na inveja, na ganância. Se levarmos em conta a historicidade e a trans-historicidade desse fenômeno, perceberemos que o objeto de desejo é transmitido e transfigurado, superado, pelo desdobrar-se dos conflitos geracionais inter e intra familiares. As entidades genético-biológicas, que são os indivíduos, disputam espaços de contemplação dos seus interesses vitais para si mesmos, o que repercute no esforço pela manutenção das suas entidades genéticas, da maneira mais exaltada possível. Por isso, inconscientemente, disputamos libidinalmente: porque a sexualidade é a forma pela qual os sujeitos enxergam o mundo em última instância, com ganas de buscarem realização e prazer na insígnia do status vital, ou auto-sócio-prestígio, algo que é herdado pelas conquistas e acúmulos das disputas geracionais do passado e limitado pela condição física do mundo.

sábado, 5 de maio de 2018

propensão marginal a gozar

O conhecimento é fruto do ressentimento, como algo que funciona porque, no sujeito, é provocada dor, e se a quer aliviada. O ressentimento, por sua vez, é a maneira natural de expressão da luta de classes, o que leva a crer que a própria luta de classes provoca, pelo ressentimento, sua feição vital-fisiológica, as motivações de sua superação; porque se é vida, organismo. A luta de classes provoca conhecimento, e o conhecimento é sempre produto do desejo de superação deontológica da dor, indefinidamente na História, sem que a dor, enquanto sensação relativa, jamais desapareça totalmente -- assim como infinitas são as possibilidades econômicas da humanidade e a propensão marginal dos humanos a gozar.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

por uma visão kantiana do fetichismo de mercadoria

Entendemos que a realidade produtiva funciona como base de toda sociedade. Devemos agora compreender como ocorre o fetichismo da mercadoria pela visão subjetiva do processo. Já se entende que os homens produzem e consomem, resultando na importância que se dá ao sistema produtivo. O dever agora é explicar o que as mercadorias despertam nos sujeitos, isto é, que motivações individuais os seres humanos, biológicos, encontram na mercadoria para que possam querer apropriar-se dela, a fim de se enaltecerem. Para isso, é preciso pensar no poder simbólico emanado pela mercadoria, que se apodera dos seres humanos: um poder simbólico que os enaltece, que estimula e dá combustível ao seu instinto vital. Por meio da mercadoria, os homens desfrutam, exibem-se e estruturam as suas vidas e as das suas proles. O resultado biológico do fetichismo de mercadoria é que deve ser compreendido agora.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

economias instintivas

Existe no triunfo uma dimensão que é econômica, mas não de uma maneira trivial, respaldada em alguma vaga noção comum de materialismo. Não é todo triunfante que, de imediato, adquire a recompensa monetária pelo que fez de bom. A dimensão simbólica, essa que não é obrigatoriamente monetária, segue, no entanto, uma lógica econômica específica, que não deixa de ser material. Os benefícios conseguidos pelo triunfo simbólico, ainda que não sejam necessariamente monetários, possuem uma lógica materialista específica. Além da cooperação com o triunfante em virtude do reconhecimento do feito, que acarreta em si benefícios como "casa, comida e roupa lavada", o triunfo garante um benefício à sobrevivência do tipo individual por uma via transgeracional. Protegidos os seus herdeiros pela história da sua família e pelos capitais simbólicos de toda ordem adquiridos, como até mesmo a beleza, e, ironicamente, a amabilidade e o savoir-vivre, o gen individual alcança o benefício máximo, instintivo, que é distinto do ganho monetário - podendo também somar-se a ele. A sensação de satisfação quando alcançado o triunfo de qualquer ordem simbólica, aí incluídos também o dinheiro, a união com os belos e os bons e os benefícios honoríficos de toda ordem, é a prova cabal de que o benefício da aquisição do poderio simbólico segue uma lógica econômica que visa algo maior, de mais longo prazo, de um comportamento residual: a imortalidade do seu tipo. Nenhum invejoso é invejoso apenas do dinheiro. Nenhuma vitória é somente monetária. Nenhum amor correspondido é resultado de um cálculo tão realista...  Mas seguem uma lógica de preservação biológica, que implica em uma economia relacional, que necessita também de desenvolvimento econômico-produtivo, mas em uma segunda instância. O desenvolvimento econômico-produtivo apenas permite a perpetuação no longo prazo das batalhas simbólicas -- e por isso é tão importante, mesmo que não seja a economia monetária propriamente dita o seu motor principal. O que acontece é que o indíviduo biológico responde a muitos estímulos instintivos. Procurar, portanto, primeiro nas motivações econômico-produtivas as disputas dos seres humanos por benefícios materiais sociobiológicos é insuficiente. Chegar-se-á a elas, mas partindo de um outro ponto de vista. É preciso analisar a motivação materialista do ponto de vista individual subjetivo, mas comum a todos os indivíduos, tão evidente quanto imperceptível: os indivíduos da espécie humana seguem os seus instintos reprodutivos, por exemplo, o nutricional,  assim como muitos outros, que são facetas de um mesmo instinto geral pulverizado, que é o instinto vital, o impulso vital, a força do gen, que orienta a motivação econômica biológica das relações humanas de facto: nos vínculos criados pelos afetos, pelo amor, pelas amizades, pelas associações, etc -- e pelas peleias também. Em outras palavras, instintivamente, os indivíduos balanceiam, de acordo com suas percepções simbólicas acerca da capitalização simbólica dos outros, aquilo que lhes será, segundo a percepção deles, subjetiva, da realidade objetiva das suas próprias vidas, benéfico. Os indivíduos buscam se associar a valores que permitirão a perpetuação do seu próprio tipo transgeracionalmente, por meio dos seus sentimentos: tudo isso é instintivo, inevitável e imperceptível a nós mesmos; e justamente por ser inevitável e imperceptível é que é instintivo. As brigas, os conflitos, a inveja, o amor, o apego, a amizade, são fruto disso, dessa economia biológica simbólica em disputa, que tem na economia produtiva o seu substrato, o seu meio de execução, mas uma economia produtiva que "alimenta" de bens os indivíduos imersos em batalhas simbólicas instintivas, que seguem a lógica individualista-subjetiva materialista biológica -- em outras palavras, que seguem o materialismo histórico apurado, kantiano, fenomenológico -- ou, o que vale dizer, o materialismo crítico.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

a força do impulso vital

O desejo de perpetuação do próprio gen individual de cada ser humano (impulso vital) não é dotado de todo o domínio da verdade. Ela esconde-se atrás de um illusio que determina por onde o gen deve atacar. Se o legado e a vida após a morte representavam o illusio do gen de antes da modernidade, a própria força do gen, pela lógica do erro e do acerto, ampliou a acumulação do conhecimento conforme a sociedade foi crescendo de tamanho e atualizou a noção contemporânea de verdade: o aumento de uma comunidade impulsiona a capacidade que a humanidade tem de percepção da realidade, e a verdade se torna progressivamente mais clara, quanto maiores são as bibliotecas; para que mais gens se perpetuem, a ciência se desenvolve mais, chegando o conhecimento humano a um ponto em que o ateísmo e o medo da morte encerram a vida além-mundo, a ideia de legado e até a importância instintiva da transgeracionalidade genética. Nasce o desejo instintivo pela imortalidade na Terra, e ocorre o desenvolvimento do conflito entre duas razões básicas, que inauguram o mundo pós-deus: a razão para a imortalidade terrena e a razão para a vida única. O instinto humano de preservação da vida, observando-se a sociedade como um todo, se percebe mais facilmente - e com força dominante -, tendo a expectativa média de vida apenas se alongado com o progresso técnico e científico. Essa parece ser a tendência da humanidade em seu conjunto, perseguir a razão instintiva, da imortalidade. Mas os artistas decadentistas, por outro lado, talvez dos poucos que experimentaram a razão da vida única, mostram a latência dessa razão, cada vez mais percebida no drama "microscópico" da vida cotidiana, e que parece ser mais racional, sabendo-se da improbabilidade de se alcançar a imortalidade no prazo de uma vida atual. Esse me parece ser o embate ideológico estruturante desde que a humanidade passou pelos séculos das luzes e das dores: filisteísmo, longevidade e imortalidade de um lado e decadentismo, hedonismo e tragédia da vida de outro.

sábado, 12 de agosto de 2017

imortalismo e materialismo histórico: a questão do poder simbólico

Como terá a humanidade chegado a tal ponto que os indivíduos pensam em si, em se enaltecer e em buscar o máximo de vida? A humanidade sempre funcionou sob esse mesmo princípio individualista, que era antes apenas velado por variáveis não atéias. Na atualidade, ele se manifesta baixo o clamor pelo gozo e pela imortalidade, como direitos universais. Para que ele chegasse até esse ponto, existiu um desenvolvimento demográfico que precisou ser ponto em prática, a fim de que o trabalho social produzisse mais, para que o desenvolvimento das sabedorias humanas pudesse ser expandido, e a consciência se aperfeiçoasse. E essa expansão demográfica ocorre por meio de um fenômeno auto-induzido pelo tipo humano, latente desde suas estruturas individuais, que é uma economia natural pelo auto-enaltecimento, ou economia instintiva. Resta, então explicar como esse fenômeno, digamos, teleológico, para ser direto, dispara a partir da dita estrutura individual que possui a sua latência.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

história econômica da imortalidade

O impulso vital me parece ser o grande motivador das existências dos homens, uma vez que aqueles que protegem as vidas de cada indivíduo são alçados a posições de liderança. Mas também é o impulso vital que coloca esses mesmos líderes em tal posição de superioridade. A razão disso é que provavelmente o impulso reprodutivo, "a força do gen", fala mais alto, resultando em que o mais forte ceda a vida aos outros, em troca do seu prestígio de homem bom, insígnia que garantirá aos seus herdeiros o prolongamento de sua linhagem. Dito de outra maneira, os organismos vivos, de uma maneira geral, se esforçam por estabelecerem-se na terra o máximo de tempo possível,  a dita força biológica refletindo no desejo pela vida e pela reprodução, anteriores, que convencem os humanos mais fracos a aceitarem a dominação, e os mais fortes a cederem parte de sua força. O que acontece é que a pulsão incontrolável pela existência - e pela imortalidade, que se desdobra na criação de legados - é uma regra geral, que perpassa desde os escravos aos senhores, dos plebeus aos nobres, dos proletários aos burgueses -- dos maus aos bons artistas... Como é importante para o senhor ceder aos seus súditos cada vez mais vida, para que ele se enobreça mais e perpetue seu legado, também é irremediável que, conforme cresça a plebe e os subalternos, também se estenda a eles o desejo pela imortalidade, pela continuidade de seu legado. Conforme a plebe aumenta, aumenta o contingente de demandantes por perpetuação de sua linhagem, ampliando-se, assim, o quanto de si os líderes terão que dar ao povo -- o desenvolvimento desse processo de expansão da demanda de prolongamento da linhagem só se torna possível se a produção material for capaz de dar conta de abastecer mais pessoas. Essa dinâmica política chegaria a um nível tal em dados momentos históricos que a necessidade de revoluções social-produtivas impor-se-ia, de modo a atender o impulso vital que busca expandir-se. Maior o legado de alguém quanto maior for a capacidade material e objetiva da sociedade que suplanta o prolongamento do seu gen. O ganho que o século da modernidade garantiu ao pensamento teológico -- ou ateológico --, como desenvolvimento dos esforços tecnológicos alimentícios e militares, foi a ciência e o niilismo metafísico. O Romantismo, exacerbação máxima do indivíduo e da vida íntima, tem como forte característica o abandono da noção de transcedentalidade, e até de transgeracionalidade! Não é por acaso que historicamente ele se localize como a espuma das Revoluções Industriais, surfando no crescimento vegetativo europeu... A partir do Romantismo, o impulso instintivo humano de perpetuação do seu tipo, que cada indivíduo comporta, foi intelectualizado; e então se percebeu o quão irracional poderia ser a busca pelo legado ou pela vida após a morte. E como o instinto não se pode controlar, o desejo do gen encontrou na ciência uma muleta -- e procurou na sua exponencialidade de geração de conhecimento a solução para o seu impulso instintivo: o homem, pela ciência, pela medicina, amplia sua capacidade de conservar e enaltecer a vida. Inconscientemente, ele continua procurando a vida eterna: agora a sua, individual, corporal, uma vez atingido determinado patamar de desenvolvimento das forças produtivas. Talvez não seja demais dizer que a luta pela imortalidade nas três dimensões configura-se o sinal atual do que seria o telos que o impulso vital impõe à vida, que se expressava mais simplesmente no passado na disputa material e econômica dos povos ao longo dos séculos pela perpetuação do seu legado étnico-cultural. O fenômeno do Romantismo corrobora esta ideia pela seguinte razão: uma vez eliminadas, ao menos em abstrato, as ideias de nobreza e legado -- assim como eliminados os entraves produtivos à acumulação e à abundância econômica -- o homem dá-se conta da sua individualidade, da sua morte e da tragédia que ela representa em vida, já que não se admite mais a ideia de que um legado ou de que uma vida após a morte possa perpetuar a existência, agora desencantada, habitando um organismo vivo individual, um corpo, e não mais uma entidade transcendental ou transgeracional. Nasce, então, o Realismo. A noção da corporidade da alma, e de sua finitude,  jamais abandonou o pensamento ocidental com a força do ateísmo desde as Revoluções Liberais e Industriais, talvez infelizmente -- mas ela fez um filho interessante, e um neto da maior importância: do Realismo, forma de arte anuncia a sociedade que já assume corporidade da alma com a dureza da consciência plena de um fato, nasceu o Futurismo (filho), que deu a luz à Revolução Bolchevique (neto), inspirada pelo cientificismo absoluto, apoiada por interessantíssimos futuristas russos, pais do Programa Espacial Soviético, amantes do Imortalismo moderno materialista, como Nikolai Fiodorov, alimentadores das esperanças -- econômicas -- da humanidade .

quarta-feira, 29 de março de 2017

a gênese do golpe de 64

Torna-se fundamental, então, explicar as raízes econômicas do sucedido desde a formação do Estado Novo até a criação da UDN e a realização do golpe civil-militar de 64. Não se esqueça o nome de Revolução dado pelos seus idealizadores, muito menos a sua origem política. Por que seriam eles revolucionários? Muito bem: como bons sociólogos, ingenuamente reivindicavam para si o poder político com interesse de redistribuir para os setores médios um dado poder econômico que desses setores teria sido furtado. Mas não teria sido o mesmo motivo aquele que inspirou a Revolução de 30? Eu diria que sim: sublimada a inveja para o nome de "bem-comum brasileiro", as elites dissidentes que teriam se organizado em volta de Vargas buscariam a redistribuição de um excedente gerado pelo café paulista. Não digo que elas se tratassem de setores pobres, mas de setores empobrecidos, em decadência. Talvez não seja muito indigno dizer que as elites que fundaram a moderna tradição brasileira invejassem a crescente burguesia paulista. A maturação desse sentimento, por experimentarem a decadência de seu patrimônio diante de atividades econômicas já pouco lucrativas ao longo de toda a Primeira República (talvez desde 1808...), se converteu em um ideário de bem comum brasileiro -- e em pura cultura brasileira. Pois bem: redistribuir-se-ia o excedente paulista por toda extensão do território brasileiro; e ainda se criaria uma classe média urbana, brasileira, até então ínfima e pouco expressiva politicamente. Pronto: esse setor médio, ele também invejoso ao fim do primeiro Varguismo, se organizaria em torno dos líderes dissidentes do próprio regime de Vargas (Dutra e Góis Monteiro), para realizar a nova Revolução Brasileira. Surgiu no sentimento de inveja das classes médias brasileiras em relação às elites oligárquicas que se beneficiaram do Varguismo o apoio político -- e no revanchismo paulista o embasamento econômico. A Revolução de 30 capitalizou-se dos setores médios com apoio econômico das elites dissidentes. 1964 seria um movimento análogo, de capitalização políticas nos setores médios ressentidos com o isolamento do poder na era Vargas, mas com apoio econômico da elite paulista: e, assim, criou-se uma nova cultura brasileira. Fiat Lux -- e faça-se a Rede Globo. Resta ainda saber melhor as raízes do ressentimento médio com o politburo varguista, e para isso será preciso analisar melhor a constituição da classe média brasileiro no sentido da genealogia demográfica: método que provavelmente reconhecerá nos setores médios urbanos os primos pobres das oligarquias dissidentes de 30. E como conseguiriam as classes médias, apoiadas pela burguesia paulista agora -- portanto impedidas de expropriá-la --, o poder econômico de que teriam sido furtadas? Poupança externa, importação alta, às custas imediatistas e "existencialistas" da nossa frágil balança comercial. A Guerra-Fria teve um papel de roupagem ideológica fundamental para esse processo, tendo os interesses dessa classe social assumido o discurso da necessidade americana de maneira instintiva, fisiológica: foi-lhes garantida a História que queriam, e alguma vingança.

terça-feira, 14 de março de 2017

dialetica do historiador e do sociólogo

Ora, como não poderá o olhar individual atrapalhar a análise dos fenômenos sociais pelo sociólogo? Posso, aqui, demonstrar a maneira mais recorrente de "deturpação sociológica do universalismo verdadeiro": o sociólogo frequentemente assume como sentimento de verdade um injustiçamento que tenha vivido. O seu olhar de uma única vida, que não pôde observar o todo do desenvolvimento da humanidade, nem para o passado, nem para o futuro, eclipsa a verdade total contida na epistemologia da eternidade e da longa duração. Existencialmente, o sociólogo estará em seu direito ao dizer a seguinte verdade: a de que interessar-lhe-á mais a verdade da circunscrição do seu olhar e do seu tempo do que a eterna, porque a morte lhe furtará, incondicionalmente, a manipulação do conhecimento para o seu proveito. Nisso consiste a percepção de um injustiçamento, até. Mas a questão toda é que o alvoroço sociológico em si tem que estar  incluído no olhar de longo termo, nos processos ininterruptos de resolução dos conflitos econômicos -- e está: o individualismo da morte existencial, embora eclipse a verdade total, não a esconde totalmente, sendo a sociologia um evento particular e, por vezes, paradoxal e incompreendido, mas inevitável para o desenvolvimento pleno da sociedade em direção ao seu aprimoramento. Então, se o sociólogo, a um primeiro olhar, pode parecer conservador ou impreciso ao observar a sociedade do seu ponto de vista de inspiração injustiçada ingenuamente egoísta, estará servindo de matéria-prima para uma análise mais aprofundada, calcada em uma epistemologia eternalista, por estar agindo como propulsionador dos conflitos que vão mettre à jour o paradigma da análise. O caso da emergência do poder simbólico contra o economicismo me vem como um bom exemplo dessa dicotomia suscitada pela sociologia, na história do desenvolvimento ideológico da disciplina. O poder simbólico como argumento sociológico contra o economicismo, sustentado pelos marxistas, pelos braudelianos. A formação do Grupos de Trabalho de Pensamento Social Brasileiro na Anpocs, de crítica sociológica aos intelectuais brasileiros do modernismo, consiste em outro exemplo. Embora possam ser lidos como à direita, igualmente não estarão à esquerda aqueles novos analistas da sociedade que não reconhecerem a capitalização que geraram às suas famílias, que poderão desse capital se beneficiar para obter recursos, numa nova configuração do capitalismo brasileiro. A fundação da UDN, convocando as classes médias urbanas e setores ressentidos do interior do governo Vargas, é outro exemplo desse tipo de olhar sociológico: mesmo que tenha desembocado no golpe militar de 64, a crítica do (res)sentimento urbano deverá ser percebida como reflexo das transformações das estruturas produtiva e distributiva brasileiras. O sociólogo produz conteúdo sofisticado que cabe ao historiador analisar dialeticamente -- onde, fatalmente, encontrará um substrato econômico.

sexta-feira, 10 de março de 2017

os sentimentos animais, que nos proporcionam químicas, podem ser chamados por nomes diferentes dos que seriam os seus verdadeiros. alguém pode ficar chateado e dizer que não ficou diante de um grupo, de um amigo ou até mesmo do psicanalista - que há de pescar a tristeza do chateado. Imagino que comunidades inteiras possam denominar sentimentos eclipsando-os com outros significados, como chateado, que quer dizer na verdade triste. Por que haveria ele de ser chateado?...