Quando nos obrigamos a aceitar que os fatos são inamovíveis, estamos submetendo-nos. Por que devemos crer que o mundo opera de maneira a provar a sua existência como superior à nossa vontade? Em última instância, por mais que não queiramos, estamos reconhecendo que, nesse império do mundo, existem coisas impossíveis, que regulam a nossa capacidade de transformação da realidade a nosso favor. Por pensarmos na fatalidade inerente, sob a constatação inequívoca da nossa falta de poder, entendemos que as coisas impossíveis constituem uma organização do mundo, uma metafísica. O trauma, a dor, a tragédia, o amor fati: como conceitos, ainda que a posteriori, retratam a inexistência de uma especulação metafísica em aberto. Só há a metafísica do fato, um império. O realismo nietzscheano e existencialista, ou ateu, mesmo que se diga afirmador da vida, entende uma existência metafísica do real: o possível e o impossível. Ora, mas não seria a plasticidade do mundo infinita? Para os dessa corrente, parece que não. Sem nem perceber, defendemos -- nós, reles mortais, e eles, grandes filósofos -- a existência de um romantismo realista (e há que se querer o contrário: um realismo romântico)): é uma explicação irracionalizável que sustenta a superioridade do fato, seja pela alegação da experiência do trágico, seja pela sua argumentação intersubjetiva indizível, incomprovável -- desesperada; pois não se trata aqui de comprovar, mas, talvez, no máximo, de demonstrar: em pasmo -- mostro-lhes minhas cartas, e vocês me mostram as suas. E me digam: se não é isto um fato? Talvez essa seja a primeira metafísica irracional, por isso tenha sido também chamada de filosofia da vida. Por quê, mesmo, se ela afirma a morte, assim, como um fato?... Os alemães não conseguiram explicar muito bem.
quinta-feira, 23 de maio de 2024
segunda-feira, 29 de abril de 2024
domingo, 28 de abril de 2024
materialismo abraâmico
Mas, então, aprendemos. "Finalmente!" Ah, sim! É isso o que fazemos, aprendemos -- e não é? Mas e por que aprendemos? Porque -- queremos. Queremos, portanto. Então aprendemos, finalmente aprendemos que aprendemos e o fazemos porque queremos. De tal maneira isso se dá que, talvez, seja irrelevante o que aprendemos, uma vez que o objeto de nossa apreensão é condicionado pela nossa vontade. Nosso animal faminto come tudo em linha reta, para nutrir-se bem! Ad infinitum! E, se é assim, o céu é o limite! O céu, aquele céu, que toda a nossa tradição religiosa identificou como a origem do absoluto, acaba retornando às nossas divagações epistemológicas de modo reverso: pela força do nosso estômago, transformamos a necessidade no infinito. E fizemos isso por causa da nossa necessidade de infinito. Toco um objeto e percebo seu limite e me submeto a ele, mas lhe desejo diferente, então o transformo -- até que a morte nos separe. Então toco a morte... e a ultrapasso: logo... desfaz-se o objeto, na sua acepção... necessária? A morte, então, é o símbolo da metafísica da permanência, da metafísica como estrutura. E a vida? A vida deverá significar uma outra -- metafísica: esta, abraâmica, que toma de empréstimo a possibilidade plástica do voluntarismo de deus. Deus, este, que está morto, mas que, ao morrer, deixou, para nós, sua nova visão de mundo. Contra a metafísica do impossível, herdamos uma metafísica abraâmica, porém aplicada ao realismo. E, assim, fez-se revelar, pela obsevação interessada, o novo materialismo, contraposto ao materialismo da necessidade: o materialismo abraâmico.
segunda-feira, 8 de abril de 2024
o sentido fisiológico da geografia
Pensar a geografia como um condicionante do comportamento, da maneira que fizeram Braudel e os seus antecessores da Escola dos Anais, continua sendo necessário. Parece inegável que, no transcurso do tempo, os povos se vejam tolhidos ou estimulados, por esse ou aquele impedimento natural, ou facilitador. As contingências que a natureza local exibe despertam nos sujeitos as suas reações de ganho, de acomodação. Mas o que se passa, dentro deles, para que tal ou tal impedimento signifique a sua ação? É nesse sentido que se torna necessário observar a geografia pelo prisma fisiológico: para entender o despertar, no sujeito, das reações a ela associadas. Subsidiariamente, esse desvelamento será útil para a compreensão do que constituiria, em fundamento, a cultura para os povos -- porque, assim, perceberemos que a cultura funciona geograficamente para a fisiologia.
segunda-feira, 1 de abril de 2024
significante servil
segunda-feira, 24 de agosto de 2020
terça-feira, 23 de junho de 2020
quinto experimento do escrever livre
um enaltecimento da falta de cálculo, até mesmo nas questões puramente econômicas,
como as finanças pessoais.
Com uma valorização pronta da auto-honorificação, o desfrute do dinheiro torna-se um agora,
como se não o fosse ver nunca mais.
Existe uma incapacidade de poupar em quem odeia o capitalismo,
e eu não sei dizer quem vem primeiro, o ovo ou a galinha.
A verdade é que, paralelamente à tendência da pauperização e da desapropriação constante,
se manifesta um estranho impulso imediatista da vida, de autoemulação,
que não consegue controlar-se e domesticar-se;
e essa pauperização, como uma profecia autorrealizável,
apenas se cofirma.
Logicamente, a única forma possível de superar tal situação é um planejamento total, disso eu tenho certeza.
Não se podem culpar os astros e os homens por seus movimentos involuntários...
Um imprevidente de classe média que transfere seu ódio de classe aos seus filhos, por imprevidência financeira, apenas confirma as teses mais ortodoxas e sofre e inveja: um pai.
Um ex senhor de algum lugar, algum ex notável de algum rincão, deixa seus filhos desapropriados e adentra o mundo da urbanização apenas com a sua honra, sustentado por uma religiosidade nova, moderna: um bisavô.
Somos herdeiros de uma mistura: de um mito, por um lado, de que constituir família é uma condição natural, com a deserança, por outro lado, da impáfia de um progenitor sequioso de gozo, que desfrutou em seu e nosso malefício: somos, por isso, ensinados a desgostar do mundo, que nos empobrece, empobrecendo-nos; e isso, uma vez realizado o vaticínio, é mesmo a nossa única verdade a perseguir, o fatalismo --
a menos que queiramos desistir e aceitar o fim da vida sem frutos a colher,
ou que queiramos reverter o destino de uma obrigação valente - a luta -, carregando um ressentimento com o pai errado, com a família errada, com a não escolha de ter nascido.