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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Tunico é mau

O problema do Tunico começava em que ele fingia muito gostar das coisas, das pessoas, e, por trás, expunha a verdade de todos os seus gostos. Seu ressentimento saía nas suas babas empolgadíssimas de quando ele encontrava os seus verdadeiros seus, aqueles que provavelmente eram tão burgueses mas não tão deslumbrados assim. É difícil ser burguês e não ter nicho burguês - mais difícil ainda é encontrar algum burguês no Rio que não esteja nessa onda alternativa feliz de um ufanismo escamoteado. Tunico não gostava de nenhuma bandinha que começava a surgir, conhecia algumas delas, era amigo de alguns integrantes, mas tinham tantas e tão ruinzinhas que eram como os bares caretinhas da nova lapa da copa e da olimpíada: pretensiosas e ordinárias. Palavra de Tunico.

Aconteceu foi de Tunico ter ido num show de uma bandinha de uns amigos seus. E acontecia desses seus amigos, assim como Tunico, terem um sonho tão latente quanto infantil de se tornarem grandes artistas pensadores do seu tempo, como se ainda houvesse chance para qualquer juventude ter razão e fama como outrora. O nó era que ninguém fazia o devido esforço, o correto esforço - ninguém estudava muito, ninguém refletia muito, eram românticos dandys da zona sul, pessimistas ou otimistas -- e festeiros... e queriam fama por falarem de coisas que pensavam de primeira. Muita besteira, rima forçada e palavra difícil. Tunico era igualzinho, só não tinha uma banda, e isso o fazia sentir-se um passo atrás na corrida. Tunico também não era DJ, nem dava festas, o que devia agradecer a seu pai, por por-lhe no eixo; e todas essas coisas que ele não tinha, acumuladas, lhe faziam repugnar imensamente toda essa nova onda empolgada que as taxas de crescimento econômico do governo Lula refletiam na esperança desses jovens (pseudo ou proto?)-artistas. Tunico temia fortemente que fossem proto e ele ainda nada.

Tunico estava com tanta raiva que tudo lhe parecia uma grande piada. Viu o show do amigo, como manda o figurino, e saiu, despedindo-se, rapidamente, mas com toda a banca, como se nada tivesse de errado. Sua inveja era tanta que as melhorias na Lapa, os arcos pintados, as ruas fechadas para carros, as fachadas reformadas, o brilho do Rio pré-olimpíada... ah! tudo era uma grande mentira que contavam pros brasileiros e que os cariocas compravam rindo! Burros! Onde já se viu? Um povo mestiço. E as bandas eram de brancos da Zona Sul. As festas também, e quando não eram, a Gávea se coçava inteira quando estava lá - o Leblon nem à Lapa vai. A Lapa tinha sido tomada! Ou tentavam. Tunico, Tunico... O show, nos olhos aguçadíssimos de Tunico, não estava cheio, não tinha representatividade além de Botafogo - e o que era a Lapa, para esses dandys, senão uma extensão da boemia nova das escolas novas burguesas, cujos filhos fundaram o novo Botafogo? Sua mente, em rompantes pecaminosos-culpados, maldizia seus amiguinhos e repetia que a Lapa tinha sido roubada, rou-ba-da, que a malandragem não existia, não existia mais, que a arte estava sendo imposta naquele bairro tão cheio de passado heróico do Rio de Janeiro... Tunico só conseguia ver Madame Satã se revirar no túmulo com a pintura dos arcos e aquele bando de PMs.

O Circo e a Fundição eram ocupação estrangeira por lá, de causar inveja a qualquer catador de lata que, apesar de tudo, se aproveitava das latas. "Pobre catador de latas" infelizmente não era o que ele pensava, embora quisesse muito ter tal nível de compaixão naquele momento, para que pudesse xingar esses artistinhas seus amigos com o coração limpo, filiado a um ideal melhor. Ah, era tanta inveja que coçava Tunico - não se sabia do catador, se sentia o mesmo - e ele não podia se dar ao luxo de bradar o socialismo para o Brasil - seu pai era tão socialista e tão frustrado (e tão invejoso!) que o seu ego acabava falando mais alto, mesmo quando sem argumentos racionais e com muita paixão invejosa: socialista não! Mas e então, como se resolve a inveja na modernidade sem socialismo? E se entregava ao prazer que começava a sentir em desdenhar, diminuir, ridicularizar o sonho musical artístico revolucionário inovador moderninho dos seus amigos - e também o seu! Tunico começava a sentir um prazer imenso em ser mau.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

hipocrisia

depois de mais uma noite reflexiva, um cigarro na porta da boate, antes de ir embora, e eu ignoro que possam me julgar mal.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

vergonha e medo

a idéia de chorar em um ombro amado me emudece
tudo o que eu deveria partilhar me torna frígido
temo que o meu tipo de amor seja muito
tenho vergonha de não poder oferecer

começo a tentar explicar
me dou conta, quieto
não sei se há alguém que queira sentir tanto
porque tenho medo também, como podem ter!

uma troca de fluidos de amor pode mesmo mudar tudo o que eu penso da vida
me fazer sair de casa
para ser um amante?

retiraria meu coração de dentro do peito, é o que penso,
e segurá-lo-ia ao alto, como quem segura uma tocha importante
desfilaria com ele assim vulnerável
de nariz tapado
eu, pronto para contar as coisas
e me deixar cortar sem pai nem mãe

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

ainda por novas forças, ou o esboço de um verdadeiro nascimento

dar o bote é qualidade daquele que está assentado
e reina.
Depois do banquete cru e voraz,
senta
e fuma
e bebe

fazer pouco é privilégio dos que tiveram sorte de nascer certo.


semear é o primeiro passo de quem vem vindo por fora
ver florescer é a vitória!
o trabalho,
o cuidado,
o amor,
o afresco -
não a espera à toa! -
estão ali no meio

desfrute

a risada maior é dos últimos!
é que caçar é a força é dos... filhos da puta!

domingo, 24 de outubro de 2010

vem tam bém

eu vou, eu vou
num novo, novíssimo
humanismo
eu vou, eu vou
atravesso outro istmo
salto de outro abismo
eu vou, eu vou
olhando o meu caminho
andando mesmo
eu voo passarinho
eu vou, eu vou
detalhe por detalhe na mudança
novos meios, novos fins,
nova balança
eu vou, eu vou
sem escapismo
olhando à minha volta
deixo as estrelas-do-nunca-ver às traças
eu vou, eu vou
cantando o que pra mim dá forças
pra viver mais uma vez tudo
pra viver mais uma vez bem
vem!
vem comigo também!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

sintomas da idiotice

Para parecerem melhores, algumas pessoas podem se esforçar muito tentando apagar da memória fatos e eliminar da consciência tabus: fingem que não conhecem pessoas, não tocam em determinados assuntos que consideram delicados ou inapropriados, e acabam se congelando em uma casca que, conforme se iludem, estaria vazia, a espera do melhor tipo de recheio: aquele que ainda não veio, aquele mais belo, aquele mais. Entre desencontros forçados de olhares e um medo de falar, desvendam, para quem é capaz de discernir, o caráter egoísta mais profundo de si mesmos. O seu desespero por felicidade ideal expõe toda a sua capacidade de ser injusto com a memória, com o passado, com a verdade - e com os outros! Ignorar - e todo sentimento que há daquilo que você faz questão de fingir que não viu? Toda a verdade que você partilhou com outras pessoas e tudo vira pó, porque você cruzou um olhar no supermercado. Na esperança de se lançarem (pra onde...), passam longe do que lhes garante identidade, tranquilidade, aquele conforto animal espontâneo, sem lucro. Se arriscam em perigos que lhes angustiam tanto, porque lhes falta certeza; a memória é subestimada, e a consciência da realidade de si mesmos é quase nula: projetam-na, em maior parte - sem nenhuma acuidade. Esses coitados... talvez não tenham percebido ainda que a angústia e a ansiedade são os piores dos males de espírito e, não encontrando a raiz do problema, começam a tentar se curar cada vez mais longe do ponto de onde deveriam começar, indo além e além na sua busca ignorante - eles têm preguiça de si mesmos e gula, muita gula com a vida.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Alguma descrição, alguma justificativa

Olá, eu sou uma salamandra e meu nome é Salamandra. Sei que esse não é o melhor jeito de começar qualquer coisa escrita, mas é que eu não costumo fazer essas coisas. Aliás, poucas vezes acreditei realmente que fosse capaz de escrever alguma coisa sobre alguém, sobre mim, sobre o mundo. Sempre que penso em escrever, me sinto ou muito afobado, botando as carroças nas frentes dos bois e dizendo uma grande mentira, ou então muito cuidadoso, ao ponto de elucidar tantas nuances adversas que meu pensamento se anularia. Mas há alguém, uma figura, uma pessoa que freqüenta um mesmo bar (poderia chamar de boate?) em Botafogo que eu. Na verdade, há tempos que não o via por lá; e esse livro (se é que chegará a seu cabo, do jeito que sou...) só surgiu em razão deste sumiço. Seu desaparecimento mexeu comigo. Sua imagem, confesso que um pouco chata e desgastada, de tão espalhafatoso e recorrente que ele era nesse lugar que eu frequento, era algo como que típico, original, de certa forma até fascinante. falava alto, por estar sempre bêbado, gesticulava muito e, se não estava rindo de alguém, estava rindo tão anti-cristãmente que parecia muito estar rindo alguém mesmo. Do jeito que sou salamandra, de espécie e de nome, já paranoiei inúmeras vezes com sua risada - e não duvido nada que ele já tenha rido de mim. Ele em geral vivia meio suado, era gordinho e seus trejeitos, suas risadas, mesmo que rodeado de amigos dos mais variados, não escondiam, pelo menos para mim: ele era homossexual. Já fiquei na dúvida, mas ele não queria saber de nada e às vezes aparecia com algum affair. Tunico Ribeiro (esse era seu nome), como era de se esperar, já fez muitos de seus amigos passarem vergonha e já constrangeu muitos outros semi-conhecidos. Quando você achava que ele já não podia mostrar mais nenhuma chatice, inconveniência, ele vinha com mais uma neurose sua, com mais um comentário ofensivo, ele parecia um enorme buraco por onde saíam pontos de exclamação às profusões! Ah, o Tunico Ribeiro era ótimo, na verdade, uma grande figura, e eu não pude ficar parado frente ao seu desaparecimento. Havia naquele sujeito uma sujeira, uma indiscrição e ao mesmo tempo uma pertinência que só diz respeito a almas de artistas! Mas ele era tão poeta que sua poesia era ele mesmo, com sua rispidez, com sua risada, com seus eventuais perdigotos esbravejados com seus amigos e meros conhecidos, com suas idiossincrasias (já vi Tunico Ribeiro chorar! sempre gritando e xingando e chocando, é claro!). Ah, Tunico, você era de uma existência tão sarcástica e tão típica que seu sumiço não podia sumir com a sua figura! Como filmes que fazem sobre célebres mortos, resolvi escrever sobre Tunico Ribeiro, homem que nunca mais surgirá igual, foi uma última gota de um esgoto a céu aberto canalizado! Tunico, você que nunca cumprimentei, exceto uma vez que me apontaste do outro lado da rua e eu te levantei meu chapéu, irritado, envergonhado; Tunico, você vai se tornar obra de arte, embora fosse muito mais enquanto cuspido e escarrado! Você sumiu e é preciso fazer essa denúncia, explanar essa tragédia, mostrar a todos o que aconteceu com você!

segunda-feira, 22 de março de 2010

Bota-Abaixo

vem vindo um vento
frio
qualquer boca que esbraveja muito
vai falar mansinho, mansinho... Tagarela!
vem vindo ese tal de amor ao respeito:
o medo
e ninguém mais poderá rolar a manhã quente toda na cama umidecida
porque o suor vai secar em gelo
é frio

o cigarro aceso agora será o cansado
de quem trablha e ainda precisa muito delirar, delirar, delirar!
é frio
é frio
é frio!
linhas retas
arquiteturas certas
fechando em fluxo
o que era caos

morre hoje o avô errado que gastou toda a fortuna do bisavô
morre hoje o cais sujeira dos perigos daonde eu for
eu falei, veio o medo
e eu vou ter que endireitar