terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Dezembro

Querer o suicídio não cala os meus maiores problemas. A verdade do marxismo se confunde com um desejo estranho de não compactuar com ele. Sou movido por uma vontade forte de reconhecer os problemas em tudo, inclusive na verdade justa de Marx. Se se pudesse ter completado o objetivo ulterior que Stálin se empenhou em completar, eu talvez não estivesse aqui tendo essa reflexão. Se o imperialismo não tivesse criado essa espécie de necessidade de aceitação dos seus termos... Sou gritado por um sentimento irrestrito de injustiçamento, e meu psicanalista caçoa de mim. Como tenho vontade de dizer que sou poeta, acabo escrevendo, muito para fugir da tarefa de dizer o material e certo e de ter que entrar em conflito com o impossível de ser derrotado. O capitalismo é horrível, eu vejo, eu sinto; assim como também sinto que transformá-lo, superá-lo é uma tarefa possível do ponto de vista matemático-científico. A distribuição dos bens igualmente, a socialização dos meios de produção: todos os homens possuem as mesmas estruturas subconscientes que apenas precisam ser estimuladas de modo a não se ter que agir levianamente com os outros para que se obtenha o gozo individual. Imediatamente salto para a sociedade perfeita e penso com alegria nos verdadeiros sentimentos que poderiam vir a surgir, mas logo tenho um certo medo de que a beleza pura ainda me fará sentir inveja. Escondo-me de novo num pensamentinho burguês, num desejo lírico entristecido, como se me bastasse voltar sete casas no jogo e não ver essa jaula de ferro que nos oprime a continuar trabalhando para os outros, a continuar nos massacrando, furtando-nos a juventude e o ócio sem nem nos oferecer a vida eterna. Todo homem nasce bom, a sociedade que corrompe; mas também toda vida nasce imortal, e a natureza que prova o contrário. Eu observo, mortal, a casa mais luxuosa dos outros, os movimentos espúrios inacreditáveis dos materialistas imorais, a inevitabilidade da vontade de poder humana, resultando em que todos se acham em uma corrida nociva rumo ao topo da hierarquia de prestígio. Eu permaneço um pouco atônito, com certa desconfiança portanto, procurando olhar no fundo dos olhos de uns poucos e poder crer na verdadeira amizade. Eu também me vejo, um tanto comigo frustrado, preso num estranho mecanismo: sugado para cima pelo desejo e para baixo pela culpa; deixo um vácuo atrás de mim, conforme avanço, e busco comer frutos mais gostosos ali acima, querendo-me crer justo e merecedor de conquistas. Se eu tivessee um lago onde remar um pouco no frio, e se essa ação me acalmasse o espírito a ponto de não pensar mais na sucessão infindável dos progenitores por suas proles, no tempo avançando sobre o meu organismo e na sujeira verdadeira de uma cidade grande no hemisfério sul... Eu tenho uma amiga que é muito azul, da cor de seus próprios olhos, e sua tristeza, embora sofrida, me chama atenção pelo som tranquilo de sua poesia; mas permanecemos um tanto distantes, mesmo quando nos vemos, por tamanha verdade que o nosso encontro promove, embora silenciemos, juntos, as sociologias que nos impedem de termos um lirismo conservador: porque estranha ou infelizmente (para o destino do mundo) conseguimos tê-lo. Eu e ela, que buscamos ainda a poesia, permanecemos maquinizados pela eterna iminência do apocalipse moderno, sem que isso nos impeça de reconhecer o amor e o sentimento que só o azul salvou em tempos de melancólicas noites neometálicas.