quarta-feira, 10 de maio de 2017

carta de um (não) suicida

Tem algo que me preocupa muito na atualidade, que é a questão dos sentimentos verdadeiros. Os dias passam e eu me pergunto sobre a existência real deles. Nessas idas e vindas, eu me deparo tanto com obstáculos à sua aquisição como com formas alternativas de alcançá-los. A começar pelos seus obstáculos, o que figura como o principal deles é o interesse dos humanos por objetos que lhe são alheios e cobiçados por muitos. Por desejarem tais coisas, as pessoas podem acabar transitando pelo mundo social com um modo particular de veleidade, como se não fosse verdade aquilo que procuram mais reconditamente. O amor verdadeiro pelas pessoas ao entorno, em um sentido específico, não se mostra em sua for mais pura; e podemos instrumentalizar as pessoas que nos são próximas para a aquisição daqueles bens que despertam interesse em muitos. Nesse sentido, o obstáculo é o egoísmo, e o amor verdadeiro é um sentimento marcado por um recolhimento dos impulsos individualistas e por uma vivência da vida em sua forma mais abnegada. Se passarmos para as formas alternativas de encontrá-lo, podemos encontrar um envolvimento talvez mais profundo com a vida mesma. Para lá de pensarmos o mundo em sua forma ideal, para lá de pensarmos no absenteísmo do desejo e do interesse volitivo, a procura pelo amor verdadeiro pode passar pela forma como lidamos com essa dinâmica específico de desejo e alcance dos bens que são desejados por todos. Todo aquele que percebe a veleidade do outro diante das suas propriedades deveria permitir, diante desse mundo povoado por culpa e pela dificuldade de dizer a que veio, que ele o possuísse em suas mãos, sem questionar a verdade sentimental daquele que se estaria dissimulando a aproximação.

É claro que semelhante fórmula deveria valer para todos. Os sentimentos verdadeiros deveriam permitir que as pessoas pudessem compreender-se de maneira igual nesse jogo estranho que é o mundo da aquisição de bens desejados por meios condenáveis do ponto de vista puritano do amor verdadeiro. Inclusive aqueles atrasados, que batalhavam, outrora, seja pela resolução das injustiças econômics, seja por meio da educação rigorosa, seja por meio de práticas religiosas ascéticas. O retorno à vida real, a busca pelo amor na verdade do mundo é um processo que envolve uma forma de pensamento total, que dê uma volta completa nos cosmos e retorne para o ponto que interessa, sem que se volte a uma consideração retórica e sofística das incoerências das posições anteriores.

E talvez devamos, ainda, batalhar para que a abnegação não necessite mais existir, e que essa dança de pessoas sociais na busca do desejo possa não representar mais também nem a manipulação nem a instrumentalização do outro. Deve haver uma batalha para que o mínimo justo comum garanta a todos uma igualdade de propriedades, ao menos para que possamos sobreviver fisiologicamente, para que a dança se dê por bens que sejam apenas supérfluos. Para o bem de todos.

(Não seriam, contudo, os bens supérfluos aqueles que um olhar mais ingênuo deseja? Todo ser humano que procura o amor verdadeiro em uma transcendência da inveja ou do ser invejado estará sendo um mentiroso. Encontro-me em uma ciranda, que me faz amar e odiar o amor ao próximo, nas suas múltiplas formas realistas e idealistas. O silêncio perpétuo ofusca entre o sim e o não.)