terça-feira, 30 de junho de 2009

ser

"Seja, por favor seja!" é como se fosse um pedido. Ao dedilhar sua arpa, Apolo aconselha, para os que dão-lhe ouvidos em tempos tão surdos de deuses: ele indica a suavidade do ser sem grandes voltas e revoltas perdidas orbitando o corpo, sem muitas dúvidas, sem extensões tamanhas que escapem à mão, desfeitas. Mas... A cidade, a minha vista da janela, os sistemas que funcionam sozinhos; é tudo um sinal de que há em tudo sua opção - e aqui as órbitas tecem suas teias. Um conselho divino, portanto, de que é necessário ser, e sentir-se pleno de sua capacidade, de sua vocação para o mundo, de seu ser único definitivo, respinga na minha vontade um azul tão cinza... É preciso, em meio a profusões de trens saídos com horas marcadas e de estradas que não param de passar carros, que desconcentram para o que pode ser, para o que se pode ser, ouvir o som da essência de si, caso queira ser alguém, caso a vida seja uma procura por sentido. Fotos e máscaras e sua disposição para tudo, para o sexo, para deixar tudo e voltar-se para o limite quadrado da janela do quarto: tudo parece ser progressivamente muito mais que isso, é isso em seus arredores, e nos arredores desses arredores, e assim sucessivamente; é como se eu beirasse a beira (da beira da beira da beira...) de me beirar em mim, é como se tudo beirasse a beira (da beira da beira da beira...) do que se era pra ser. Busco, nessa acústica mal-preparada, atrapalhado pelo ruído dos ônibus e dos carros, encontrar um espaço para me atentar ao som do conselho, que melodia ele toca; abrir braços e juntar tudo, todas os arredores expansivos, com a força das mãos, numa bola, e poder ver-me e mover-me de todos os modos... Eu te ouvi, Apolo... e então busco, amarrotando o lençol da cama quando me preparo para levantar do sonho... Busco em cada fim de tragada que falta, em cada fome ou foda que acaba... Busco além das fotos... É como se o tal conselho da busca fosse o sopro que me acendeu a vida, ele é o tudo que é antes que é sempre. Ele é o motor primeiro da minha percepção incerta do meu ser, eu busco quem sou e se abrem as possibilidades, como janelas que se abrem atrás de janelas que se abrem atrás de janelas que se abrem, sucessivamente... Numa diáspora, à procura da língua que eu falo, à procura do vale em que planto, do canto que eu pranto, assolado pela ideia de tentar abraçar tudo o que posso ser (essa espécie de campo de mim que me envolve e se expande), à procura da palavra que penso ouvir de um deus, eu danço.

eu, de lá, intocável

que é isso?
aquilo que trata de um lado
do outro
é uma imposição
retratar
um lado
do outro
do espelho é quem sou eu
na medida do que posso ver
e me virar de costas pro espelho
e o que vejo é a parede
e atrás de mim acontece
o corpo delineado
a nuca refletida
mas deles eu não posso dizer nada
como se a arte estivesse prescrita:
é preciso vê-la
é preciso ver-se
como se a arte estivesse interditada:
não é possível tocá-la
não é possível vivê-la
ela está lá e não sai por aí
ela é do espelho
ela depende do mundo para aparecer
ela está presa avessa
e só se pode querê-la
enfrentá-la
incólume em corpo, à distânica
malgrado em mente, refletido
(sem o tato do objeto, sem sê-lo)
Ah, e também pode-se ignorá-la:
vire as costas, pois a arte é como
medusa...
acordo de manhã
e já é tarde
no relógio
no meu projeto
na minha história

os meus livros
empilhados
são a minha contemplação
daquilo que latente em mim
é pura vontade
de afirmação - inconcluso.

a vida é mais do que se escrever
os livros são mais do que só lê-los

domingo, 28 de junho de 2009

especulações sobre o natural

Se eu for pensar em instituir o que é natural, na aparência das coisas é onde mais me parece que esteja tal categoria. A aparência é a matéria-prima de toda reflexão. Negando, afirmando, desconsiderando ou valorizando; a aparência das coisas é sempre a primeira impressão que se tem de tudo, é aquilo que naturalmente se apresenta para nós, é a instância em que ainda não desenvolvemos mecanismos e razões de ser. As coisas como elas se mostram de primeira e as sensações que essas primeiras impressões - inadvertidas das possíveis explicações a respeito de sua existência - transmitem são aquilo que semanticamente, pra mim, se aproxima de natural, se tomarmos o pressuposto daquilo que é virgem, intocado, tal qual era originariamente, aquilo que é antes de especularmos o que seja: a aparência é aquilo que se sente e se procura negar ou afirmar, é sentido, perceber o que aparece: sobre as aparências é que se começa a divagar sempre, são o motor inicial da comunicação; as aparências são os sinais, os indícios, o início de todo o material intelectual humano (material esse produzido, ironicamente, para discutir a respeito da natureza das coisas). É a primeira impressão de tudo, é o que se reporta como aparência: "tal coisa me parece ser dessa forma"; é aquilo menos pompado das artificialidades da investigação humana, é mais natural que isso, é o que é possível comunicar expressando subjetivismos que podem ou não ser compreendidos, depende da proximidade/intimidade do ouvinte. A aparência, o inicial: os primeiros indícios para o desenvolvimento de uma lógica que os costure; a sua inerente despretensão epistemológica.

sábado, 27 de junho de 2009

sobre o que se deve fazer para que se possa haver: ouvir?

Pediram silêncio
para que eu respeitasse a aula que davam
mas eu não queria
calar-me
e esperar pra dizer somente quando fosse posto à prova
quando fossem corrigir-me
o que dizer
ou como.
O que expuseram
está exposto
e seu conteúdo
não limita
a minha forma
nem
a minha intensidade:
suas profecias
suas ironias
suas com-tradições
não saciam o ímpeto
que a cada explicação dada que justifique a aceitação do "não" proferido
eu acumulo
e acumulo
e acumulo
fechado
até expressar minha (in)digestão dessa profusão de impressões empurradas goela abaixo
sobre e sob formas, métodos e subjetivismo corretos, trabalhados, fundamentados.

Todo homem nasce novo
e só se sacia quando representa o que quer
quando sua vontade busca
e não quando aprisionado por limites
porque não se deve mais falar
porque a linguagem já está morta
ou obsoleta
porque o mundo não procura mais interessar-se pelo relato, pela arte, pela [ciência
e então ninguém mais ouve
e então todos se calam
afrontados;
mas eu vou dizer
enunciar, dissertar, defender, sublimar
porque não posso aceitar que não devo;
pra quem quiser
ver
ouvir
e sentir junto comigo,
pra quem desconsidera o poder de uma moral sobre os desejos.
Eu faço por mim e mostro pra você.
Você quer ver?
Você tem vontade?
Você tem a minha vontade?
É tudo a minha e a sua vontade
A arte é a sua e a minha vontade de arte
Você quer ver?
Dividir ser?
Dividir crer?
Dividir ver?

quinta-feira, 25 de junho de 2009

como eu ia dizendo...

Eu fico indignado com como o fato de sermos uns: empestados conscientes disso; desiludidos com o futuro mais-ou-menos certo; desde sempre comprometidos com nossas condições, já que contados delas; tudo isso, como eu ia dizendo, nos parece uma imposição fúnebre de silêncio, como se saber que sabem, que se sabe, que as coisas são 'assim', fosse a imposição moral máxima, dominadora. Saber mais-ou-menos de tudo - e de que tudo é nada e nada é tudo - seria, portanto, o suficiente para que aceitássemos passivamente que nada mais pudesse ser contemplado e contemporizado. Não admito que eu não deva falar sobre mais nada, só porque tudo já foi dito por alguém, porque provavelmente não haverá mais nada nunca de totalmente original, ou até mesmo porque dizer alguma coisa possa encerrar o sentido, a beleza e a intensidade de tudo, ou seja, mentir. Não admito tudo isso porque eu falo mais alto. Eu quero e preciso dizer, reportar, e nada do que eu fizer pode ser ensacado como se fosse apenas uma mera consideração-apêndice sobre o que já foi dito, ou mais uma mentira secular; tudo é assim e nada é assim, não há por que me calar. Não vou deixar que façam isso comigo: eu vou mostrar para todos - eu espero - que não há por que excluir qualquer nuance explicitada, Deus está no particular é que me vem reverberando a sensibilidade. A erudição e a autoridade da ciência e do niilismo (falácias não-formais mais-que-formalizadas) não vão impor sobre mim essa dominação moral subjetiva e subliminar, invisível, como se todos soubessem que sabem menos que os deuses, que não sabem o suficiente para poder falar. Temos que nos desprender desse Complexo de Torre de Babel. Com licença, eu dou um chute na porta e vou falar e vou saber do mundo do meu jeito, e vou contar, sim, para todos, e, por favor, todos falem, porque, sim, eu percebo, percebemos - percebamos! - que é isso, Deus está no particular! À diáspora!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

erudição, ou a busca do sonho

vejo a procura em todos
a procura
não pelo mundo, não pelo fundo
mas para si.
emsimesmados.
matéria pura, conhecimento impuro
encorpecido
envaidecido
famigerado.
A lisonja moral
a hierarquia, a autoridade
reconhecido, individ(u)ado.
saber para ser poder,
poder ser
homerizado.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

andar é perder e ganhar equilíbrio

exercer minha vontade de poder
beirar beirando pelas beiradas
controlar qualquer impulso ao perder
beirar beirando pelas beiradas
lapidar com sangue a memória bruta
beirar beirando pelas beiradas
esboçar cantando o fim da história-luta
beirar beirando pelas beiradas
criticar-se ao ponto de mudar-se em tudo
beirar beirando pelas beiradas
ouvi-la falando e reconhecer-se mudo
beirar beirando pelas beiradas
fechar o mundo em um só aspecto
beirar beirando pelas beiradas

domingo, 21 de junho de 2009

um conceito possível para 'palavra' e as implicações dessa hipótese

começar
é parar

sofrer
é silêncio

descrever,
documento

bordar
calado

revelar
um relevo

desmistificar
um medo

respirar
de graça

escrever
cimento

atuar
agir

te contar
mentir

ação
redenção

mentir
redenção

refletir
diabo

escrever
sumir

esperar
sentir

a causa das intempéries da vida, o princípio do prazer

andar nas ruas
me perdi

estalava o chinelo
a minha sola do pé
eu olhava pra baixo
e via correr pedras portuguesas
com todo o seu conteúdo material
e sujo.
um mendigo sentado numa soleira
de uma loja fechada
domingo
às nove horas sujas da noite

eu tinha saído de casa
pra depois voltar.
eu atravessei o túnel
barata ribeiro para a raul pompéia
mendigos
aquelas luzes amarelas crepitavam
o som dos carros
dos ônibus!
o estalar do chinelo
a sola do pé
a pior parte do caminho, o túnel dos mendigos sujos, não acabava.
Na volta, eu não voltei pelo túnel.

Chegar aonde chegaria, e cheguei, para sentir a luz da tv
muder de cor
mudar de take
e o reflexo disso
nos meus olhos,
nos olhos deles,
que falavam, citavam, sorriam
eu que me deixava entender
pelos medos ridos
pelas mãos imóveis
pela voz latente
ou mesmo pelo silêncio e pela imobilidade.

Voltei por onde voltei quando tive que voltar para não ver o túnel,
não queria que houvesse o pior para terminar.
Lá, depois do túnel, para onde saí de casa pra voltar,
não poderia dizer que era um bom motivo de velhos hábitos e velhos amigos
não poderia dizer que pudera o tempo escorrendo seus imperativos,
a vida e todos os seus paliativos, a selva e todos os seus caminhos...

É quando é preciso voltar
pela Nossa Senhora de Copacabana
ruim
suja
como o túnel era na ida
como a raul pompéia não fora em seguida
porque o efeito do pior é o bom.

Eu saí de casa, do pior
para o bom e voltei,
quando foi pior,
para o bom que seria ao voltar.
Não importariam as luzes iluminando os mendigos
nem a matéria das pedras portuguesas além de somente seus nomes
o estalo do chinelo
o desconforto do espelho
a mão no bolso acusando no tato o você que eu sou
nem a morte
e o sujo
e o imundo
e o mundo
e o fundo...
para que se possa sentir o melhor vir do por-vir.

O princípio do prazer é sentir
que tudo é melhor
do que poderia ser,
buscar o mais inexistente da vida,
o além de comer e dormir;
o olhar que nós damos
do bom e do ruim
dentro do normal de sempre
para que haja a guerra dos opostos
movimentados
para que se forje um telos
um fruto
uma vontade
por meio do relativizar.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

considerações sobre o atual estado daquilo que costumava-se denominar por repressão

Você acha legal isso que você formou com a sua vida? Dois filhos, família, casa, emprego, sossego... parece tentador mesmo. Mas e se isso não te traz sossego, pra que lutar para continuar tudo, pra que ter práticas conservadoras? Conservar era o que vocês achavam ruim, mas eu não vou vos embrulhar nessa retórica, porque conservar ou revolucionar não embutem em si próprios juízos de valor. Eu não concordo com esse conservadorismo familiar, sustentado por pilares fortes: uma conta conjunta, assim como o apartamento pertence aos dois, cada filho com um quarto, o máximo de conforto conseguido, a compreensão, a democratidade pós-queda-do-muro, o cooperativismo familiar, o socialialização das nossas vidas, a identidade comum que vocês dois, pais, sempre procuraram sustentar: essa família que se ama, fechados em nós. Às vezes tenho medo de não me sentir junto de tudo isso que funciona nessa família, sei lá, não que hajam normas que determinem, em erratas, o que se deve ou não fazer. Eu sei que o diálogo é possível, e sei também que talvez eu nem saiba direito o que eu vislumbro em mudança, se vislumbro mudança ou se é só uma questão de posicionamento ideológico: vejo na família a chave de todas as injustiças, as estrutras de dominação, de hierarquização e, por mais que vocês sejam leigos, ateus e analisados, é algo a priori, é algo que vocês não têm como modificar: é, quem sabe?, aí que esteja a fronteira entre o que muda e o que não muda. Família não muda e é isso que me incomoda. Por mais que atendam às demandas possíveis, por mais que vocês sejam flexíveis, compreensíveis, pós-fordistas, vocês são a dominação, vocês são o topo e eu preciso destruir essa imagem, construir a minha própria abstração de família - não pretendo ter uma, mas pretendo ter a minha árvore, com meus ramos - e, vocês sendo como são, cheios de amor comigo e vontade de mudar me enlaçam mais, me confundem mais, me tiram os argumentos; não é isso que vai fazer me prender a vocês. Ironicamente, são as contradições do capitalismo, caros amigos de setenta e poucos... O que eu preciso é quebrar essa corrente que me torna filho dos meus pais, e quanto mais vocês buscarem entender, fazerem parte de mim, não adianta, já é tarde e inevitável, eu quero ser eu. Talvez isso que seja difícil, perceber que o conservar será sempre combatido, seja ele bom ou ruim, e aqui me permito considerar que bom e ruim são idealizações. O que acontece não é certo nem errado, o que acontece é que o tempo avança e o que conserva precisa ser deposto. O novo que surge, o filho, quer seu próprio modelo de organização, e nele imprimirá suas convicções e repugnará todas as coisas que simbolizem o que o conservava como filho, como um braço a mais do seu corpo incompleto, tão incompleto quanto o meu é, quanto é o de qualquer humano. Eu peço desculpas por várias coisas que eu tenha dito, por tristezas e sensações de tapete puxado. Mas eu peço também que pensem um pouco, que sonhem mais - como sinto falta dos seus sonhos, a vida não acabou em nós, a história não tem um fim - e me vejam como um filho crescido, não mais um membro do corpo que vocês tão ufanistamente denominaram família. E não se enganem, eu amo vocês demais.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

recado mundano

não existe
saber sorrir
saber chorar
saber viver
só existe
saber que sorriu
saber que chorou
saber que viveu
somos todos
viventes
somos todos
passíveis
de mundo
e ele nos vem
e nós o ouvimos
e o que dizemos
é o que ouvimos
do que ele diz:
Comunico
Comunicas
Comunicamos
todos
tudo
de algo,
algo
de tudo;
eu juro
que juntos
aos poucos
um pouco
do muro
do teto
e do furo
do fundo
vamos discernir
(sempre de novo)
vamos concluir
(sempre de novo)
vamos discutir
(sempre de novo)
para sempre
saber melhor até
onde
ir
(ou ficar).

O que é ciência?

A erudição acadêmica me irrita: é como se fosse necessário escrever tudo entre aspas, palavra por palavra, cada uma delas, entre grandes e gordas aspas algumas, as outras entre aspas menores e mais adequadas; para que não haja brecha para a má interpretação! Parece que não se importam em procurar entender, como se a ciência fossem somente as ideias totalmente claras e distintas. E desde quando o estatuto de coisas claras e distintas é eterno? Quanto mais nas ditas humanidades... A concepção de racionalista, da ideia pura, verdadeira, salvadora já não salva mais ninguém. A catarse, no meu entender, seria a forma pela qual o entendimento científico devesse se pautar: é preciso compreender a ciência como se ela fosse uma palavra criada, estimulada por algum evento externo, que incita a necessidade de atribuir uma referência que represente o sentido. A ciência, no meu entendimento, se aproxima de qualquer criação. Deve-se procurar entender o sentido de qualquer criação, não há criação sem intenção útil. É preciso se prestar a ouvir uma possibilidade; que pode ser tão real quanto qualquer idéia clara e distinta que venha a ser derrubada anos mais tarde por um novo paradigma; que pode nos alarmar sobre uma evidência desapercebida, algo que pudesse representar perigo, como o se-fosse-uma-cobra-me-mordia. Não há criação que surja do nada: todas dizem respeito à realidade, que é justamente o meio comum a todos no qual a ciência trabalha. Todos são capazes de entender qualquer coisa que diga respeito à realidade, já que é desse meio que fala a linguagem, a ciência, a arte: a criação. Todo e qualquer enunciado é um enunciado sobre a realidade, o meio comum a todos, porque enunciado é comunicação e comunicação presume capacidade de compreensão. Faça-se o trabalho de arqueólogos, busque-se compreender o sentido dos rastros que foram deixados por todo e qualquer ser que expresse algo procurando ouvidos. Enunciado é verdade, todos os enunciados. Sempre se é alguém e nunca ninguém. Chega de falácias de autoridade, sem dizer não ao conhecimento. Não há má interpretação, há, sim, extensão do conhecimento quando outro escuta, que não se deve deixar de expressar.

terça-feira, 16 de junho de 2009

não deixa de ser eu

Reduzido,
me dei conta hoje no metrô,
a somente um ser de sentir sabido,
de vastos vazios e profusões
profundas
já todas reconhecidas e mapeadas.
Agora EU já sei,
ninguém mais me ensina
o que sinto,
eu mesmo me respondo;
e me calo, compreendido
por mim, silenciado
por cognições e sinapses
positivadas.
É bem como se eu sentisse minha emoções mais arrasadoras
engarrafadas
dentro de poliedros de cristal, como enfeites,
bibelôs através da fina camada transparente de vidro;
objetos
agora
apenas,
inofensivos, meros corpos fechados, enjaulados,
expostos para contemplação,
abertos para visitação - pipoqueiro na porta -,
emoldurados para que eu possa vê-los,
enxergá-los, trabalhá-los,
mas não, não posso
invocar mais nada,
nenhum deles:
minhas sensações se tornaram
espectros
montados para o espetáculo da especulação:
posso analisar de todos os lados, por todas as faces,
enuncio tudo;
sou um naturalista desenhando espécimes.
Não sou mais embriagado por tudo,
apenas vejo, reparo e digo.
Sentir,
sentir mesmo, não sinto mais nada.
E a pergunta da vez:
agora
trago fumaça para que
deus,
então?

domingo, 14 de junho de 2009

povorrebanho

Abriam-se as portas do vagão do metrô e eu, que ainda terminava de ler a última estrofe, acabei ficando para trás. Todos os passageiros saíam para uma mesma direção: era assim formada a fila da escada rolante, uma massa de indivíduos que arrebanhavam-se para seus fins. Todos seguiam seus caminhos e não precisavam falar; tudo em suas vidas já estava certo, sozinhos. Suas histórias, para eles, só se entrecruzavam ali, virtualmente, no metrô, nos fluxos que juntos acabariam por criar, naquele único momento em que o mundo deixava escapar essa nuance pastoril das suas vidas - fora de suas possessões, de seus apartamentos, de suas famílias, no pêndulo, como máquina, no caminho... Eu, que ficava para trás, talvez visse melhor do que ninguém. O primeiro do rebanho, por sua vez, talvez fosse o que não quisesse mais ver-se como gado e só tinha olhos para sua privacidade. Mas importante mesmo, contudo, era que todos viam sentido naquilo; e isso era-me tão opressor... Todos ali eram atores deliberados de suas vontades, ir trabalhar e retornar às posses, à paz do quarto, com mais um passo a frente no trabalho para o ócio. Todos ali rumavam para seus futuros, para suas vidas, para suas casas, para suas rotinas; e ruminavam... Era tudo tão cheio de verdade, de utilidade, era mais uma ponte tão perfeita que tudo no mundo moderno brilhava como instrumento das realizações. Nada naquilo parecia errado, ninguém podia dizer que não era livre. Ninguém queria dizer nada. Ninguém pensava em dizer nada. Ninguém queria pensar em dizer nada, porque ninguém aceitava dizer nada. Ninguém aceitava ouvir nada. Eu, lá atrás, olhando o nada. Eu, lá atrás, querendo dizer o nada. Eu, lá atrás, querendo ouvir o nada. Eu, lá atrás, cantando: "ê ô ô, vida de gado; povo marcado, ê, povo feliz"! E nada.

domingo, 7 de junho de 2009

O que é a arte na era da legitimação da relatividade cognitiva pela democracia?

Assolado por relfexões a respeito da ética na arte, especulando se seria ou não válido artisticamente tentar imprimir pregações, propostas de vida, intencionalidades, digamos, meio platonistas de sua cidade ideal, acabei caindo num buraco que parece que vive se metendo na frente qualquer reflexão dualista na contemporaneidade: seria possível analisar obras de arte sob esse olhar científico, que determinaria que para um lado vai a intencionalidade e do outro vai a catarse? Em virtude disso, qual seria então o motivo que desenvolveu na sociedade a necessidade de defender posturas antagônicas, como se a obra de um poeta pudesse ser classificada somente como posicionamento diante do mundo, ou catártico, ou moral?

A catarse, porém, não deixa de ter sua ética. E, pelo menos do ponto de vista platônico, a ética tem repercussões fundamentalmente políticas, e não consigo ver razões para discordar disso, visto que a catarse em si repercute, faz pensar, intenciona, na sua medida, na sua ética artística. Todavia também não posso deixar de ver na arte platônica sua dose catártica. À medida que exprime uma impressão, uma vontade da realidade, mesmo que se diga a verdadeira, a ideal, muito embora, do ponto de vista aristótélico agora, não seja, a arte platônica revela sua expressão e sua impressão do mundo, sua vontade. Mas, se não consegui ainda definir o que seria a verdadeira arte, a catártica ou a platônica, nem mesmo se haveria uma catarse amoral, e muito pelo contrário, acabei construindo que na arte não se pode excluir nem seu teor catártico nem seu teor intencional, como seria portanto possível discernir o que seria arte do que não seria?

Quanto a isso, fico mais para o Aristóteles, que valorizava o saber pelos sentidos. Creio que cabe à sensibilidade discernir a arte, e, tendo isso como pressuposto, vai do grau de sensibilidade de cada um definir seu conceito de arte. A arte seria, assim, relativa. E isso talvez explique o motivo de explosão da indústria cultural de massa. Conforme a democracia se estabelecia e se expandiam plenamente direitos constitucionais a todos, se configurava uma cultura voltada para o popular. O regime das maiorias, que é a democracia, passou a valorizar os modos de expressão artística reconhecidos pela vontade da maioria população - cidadã, consumidora, eleitora: a nação - como arte. Tanto para vender, quanto porque o povo representava eleitorado; era necessário que ele sentisse sua nação como sua, com a sua cultura, a sua vontade, a vontade da nação valorizada.

Mas a indústria não se consolidaria como arte para todos os setores de uma nação. O tradicionalismo, por exemplo, através das imposições das minorias permitidas pela democracia, se fez perpetuar em seu projeto de arte verdadeira assegurada pelo intelectualismo. Com o respaldo de uma cultura da educação e da sofisticação da sensibilidade e, aristotelicamente, do saber, a tradição quanto a uma espécie de nobreza artística de críticos e entidades mais sensíveis se perpetua em seus conceitos de supersensibilidade, através de colunas em jornais de opinião pública e, principalmente, através de instituições tais como academias e museus, instrumentos para contemplação dessa superiorização sensível e intelectual que intenciona-se manter no discurso do artístico verdadeiro, mais refinado em percepções, em detrimento dos 'produtos' da indústria cultural de massas.

A democracia, enquanto sistema capaz de conciliar interesses de um grupo reunido, permite essa relativização da arte. Seria possível, com esse sistema, que diferentes vertentes de concepção da arte possam apreciar produtos que respeitem suas vontades de representação artística. E quando me refiro ao popular, não pretendo colocar todo o povo num mesmo saco. Digo, sim, que todos os segmentos da população de uma nação, minimamente representativos, têm acesso a produtos de sua arte e recebem confirmação oficial por parte dos representantes de suas vontades que agora se legitimam nesse regime da igualdade de direitos. A perspectiva aristotélica sobre esse tema, portanto, seria um instrumento, de certa forma, de reiteração da existência de uma camada superior em percepção de mundo, a camada mais educada, mais refinada, mais sofisticada em seus sentido, mais capaz de pareciar nuances mais profundas e mais complexas e de propor os melhores projetos e reflexões.

Talvez, justamente por eu intencionar fazer parte dessa arte mais verdadeira, eu valorize o ponto de vista catártico aristotélico, de valorização da evolução gradativa dos sentidos e do saber, através da educação, posto que primo pelos estudos para adquirir experiência em sensibilidade, em saber artístico, inevitavelmente uma geração de sentido cheia de intencionalidades políticas...

O que talvez os segmentos que se pretendem 'nobres', verdadeiros conceituadores da arte, queiram atingir é uma mudança de nomes. Arte passaria a ser somente a iconização cultural dos segmentos que se instrumentam de academias e museus que os reconhecem. As iconizações culturais dos outros setores, que não dispõem desse instrumento de validação, seriam tidas como sub-artes, ou identificações populares com produtos baratos. O nome 'arte' seria dado, portanto, aos produtos caros de identificação humana, os mais elaborados, os mais complexos em sentidos e intenções, apreciados por quem pode apreciar: uma espécie de elite intelectual. A arte, portanto, não nasce na pessoa; o artista contemporâneo, aquele que procura sucesso nesse setor que determina o que é artístico, deve erudir-se e não basear-se somente no dom, como crente num destino manifesto. A arte, tal como vinhos com "selos" de qualidade caríssimos, é uma arte intelectualizada antes de tudo. E para o a intelectualidade, só há o caminho dos grandes, dos mais reconhecidos, dos melhores colégios, universidades, institutos. Isso é arte, uma identificação cultural da intelectualidade.

Hermenêutica

muito bom pra fazer críticas
e bem na intenção metalinguagem
de falar sobre o ato de falar sobre dos que falaram sobre,
do que se falou sobre, para quem se falou sobre...

acertando contas com o passado

"olhei pra luz e chorei
olhei pra luz e chorei
olhei pra luz e chorei"

- E o grande dia, Platão?
E o grande dia? -
Quem intimidava o velho era um homem forte,
de casaco de couro e óculos escuros
para disfarçar o choro, que deixava pista:
lágrima enxugada, nas maçãs do rosto e nas bochechas.
Sua gangue atrás,
Calças Jeans,
mal-encarados.
Pareciam querer por um fim de vez
nessa palhaçada racionalista.
Não podiam deixar a caverna para trás,
muito embora realmente quisessem,
como Platão os ensinara.
Amargurados com a furada do messianismo platônico:
assolados por suas limitações
culturais,
parentais,
animais,
não puderam compreender a luz
olhavam para ela e lembravam-se
das suas condições
diante da
verdadeira
eternidade
da ideia.
Queriam o aconchego
da caverna, que
dominavam.
Como era penosa
a luz!
Ludibriados por uma ilusão
do real.
Incapacitados de agir
no ideal.
Aquele velho crápula não podia sair impune!

quinta-feira, 4 de junho de 2009

rapidinha de Brasil

Não quero me prolongar muito, mas tenho uma reflexão um tanto profunda para expor. Portanto, vou apenas deixá-la aqui, indicada, para um possível desenvolvimento posterior. Mas a questão é que o Brasil tem um serio problema de referencial do bom. O fato de acreditarmos num ponto melhor, seja por impulso da condição moderna, seja pelo que for, eu acho que o Brasil, nunca sabe o objetivo que quer alcançar. Por sermos um país que sustentou a sua nacionalidade no novo (somos indiscutivelmente o reflexo da semana de arte moderna de 22), justamente por não ter referenciais tradicionais contundentes, vivemos a crise da modernidade na nossa crise de nacionalidade: a cada vez que escolhemos um paradigma pelo qual seguir, nós mesmos, acho que é cultural, nos boicotamos, lançamos um melhor. O Brasil, talvez como boa parte dos países ex-colônias, sempre se atenta ao que há de melhor e mais novo no mundo para passar a valorizar. Resultado: não temos fortes raízes nacionais; não temos instituições bem sedimentadas em seus propósitos; nossa constituição viajou de um Estado de de Bem Estar a um Neoliberalismo, através de emendas; nós sempre oscilamos de regimes de governo e de ideologias para regimes de governos; nunca acreditamos piamente naquilo que somos, somos sempre mais ou menos. Somos malandros, talvez, pelo mesmo caminho, no sentido de permear pelo bom mais atualizado sempre, temos de certa forma essa liberdade conceitual. Eu poderia dizar que o jeitinho brasileiro é justamente subverter por enxergar que a lei pode ser obsoleta e é possível propor um novo jetio, melhor.

Mas há algo ainda a mais em nós, que nos diferencia dos EUA, que também eram de certa forma filhos do novo. A diferença é que eles foram pioneiros e o seu modelo é que foi copiado. Eles ganharam confiança inclusive na própria capacidade de inovar, havia sucesso latente na auto-estima dessa nação que se solidificava. O Brasil não, o Brasil veio depois, o Brasil manteve um Império, o Brasil errou muito mais em suas inovações sempre falhas, de valores sempre discutidos, porque somos filhos do novo que começaram depois, copiamos sempre algo que talvez não se nos adequasse. O Brasil nunca acertou, nunca subiu na vida. O Brasil é o país do constante renovar-se, ideológico, paradigmático, institucional, cultural, comportamental, da tradição na descrença na tradição. Somos um grande dilema, porque não chegamos a ser um país da África, que sofre de nem ter nacionalidade, nem somos uma Europa, ou EUA, com estatutos culturais bem-sucedidos. Por isso o nosso messianismo: alguém virá com o novo melhor! Somos isso aqui que somos, que todos queremos mudar, ajeitar do nosso jeito o quanto podemos, do mudar tudo toda hora de lugar, oscilar entre PT e PSDB (pelo menos imageticamente representam pólos distintos na política, e efetivamente nunca se aliaram), ou até mesmo oscilar entre monarquia, ditadura e república.

E o que vai ser de agora, do futuro do meu Brasil brasileiro?

ocidente (in)feliz

sócrates e platão
avante!
cristão
certo
alma
avante!
todos
moderno
novo
avante!
nação
patrão
classes
padrão
avante!
novo
globo
avante!
novo
globo
avante!
novo
globo
avante!
novo
globo
avante!
novo
globo
avante!

acordar vazio

que a vida
triste
do quarto de manhã,
do dia
em que não faço nada
passe;
que o mundo
se preencha aqui
como ao vivo e a cores
como ganhos ganhados
pra viver
a emoção de ter
um dia cheio
um mundo inteiro
em mim.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Apollo, por favor!

É a luz!
A luz!
É o dia
que permite figurar
criar
pra viver...
O dia:
momento de
representar
vontades
porque
não é treva
e você
pode ver
o que faz.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

resguardado no silêncio do incognocível ou Socratismo de massa

me sinto obrigado
por todos
a calar-me
como se o mundo
me impusesse um silêncio
das inconsistências da voz
do desinteresse de todos nós
e assim eu precisasse saber
descobrir
destrinchar os motivos
de tal
moral.
então falei
do sentido da loucura
e do nome dos bois
da história dos homens
e da cultura e da super-estrutura de massas;
e mesmo
assim continuei
num túnel com outros:
sozinho no meu quarto
na minha cidade
sozinho na América
no túnel de todos juntos
Ah, voz inconsistente!
Ah, o nosso desinteresse!
passa boi, passa boiada
silêncio, emplastro
rumo
à saída.
Passa boi, passa boiada.

Quem não sabe o que fala...