sexta-feira, 28 de setembro de 2018

do déficit vital

No mínimo ingênuo será aquele que disser que a felicidade é uma condição cujos motivos são inelencáveis; aquele que diz que a felicidade é algo inefável. Um sujeito feliz será aquele que pode experimentar em sua vida o máximo daquilo que sua constituição como pessoa gerou espontaneamente de desejos. O déficit vital é justamente o estado de frustração contingente desses desejos pessoais. Isso quer dizer que a felicidade é alcançável quase do ponto de vista newtoniano: com determinada facilidade de desvendar os desejos humanos, a aquisição dessas experiências que completariam em uma razão suficiente a demanda volitiva de dado sujeito torna-se viável. "Deve ser por isso que alguns Estados ditos mais avançados já começam a pesquisar meios para o alcance da felicidade dos seus cidadãos". É exatamente isso: sendo o Estado o instrumento à mão dos sujeitos para reivindicarem os seus direitos, a resolução da pobreza interpõe novos paradigmas de direitos a serem perseguidos, leia-se a felicidade geral, a felicidade de todos e de cada um. E é também extamente por possuírem tal déficit vital irresolvível nas dinâmicas interpessoais à moda do laissez faire que os sujeitos conclamam tal instituição conhecida como o Estado para intermediarem a rearticularem a dinâmica de distribuição dos bens vitais. 

terça-feira, 31 de julho de 2018

segunda-feira, 30 de julho de 2018

sobre a natureza da sociologia e a circunstância do sociólogo

Se perguntado sobre a natureza da sociologia, um sociólogo talvez não seja quem poderá responder da melhor maneira a eventual dúvida. Como figura vivente do processo político próprio que a sociologia evoca, o sociólogo, ao descrever a ontologia segundo a qual se apropria do mundo, de onde está, provavelmente conferirá ao seu conteúdo discursivo considerável teor de enviesamento: um envisesmento marcado por denúncia e anseio de transformação política. Seu ponto de vista marcado pelo déficit vital aplica luta e sacrifício à renovação programática dos intentos da entidade supra-individual a que desfere suas críticas. Talvez seja preciso buscar a resposta sobre a natureza da sociologia em alguma instância transistórica e extra-social, que possa oferecer uma resposta mais teleológica e funcionalista do papel mezzo quixotesco desse prenunciador de novas eras morais e produtivas. É preciso que se analise o fenômeno do nascimento da sociologia como uma realidade metassocial, que se desenha a partir dos aspectos condicionais da natureza da vida, e que se autoexpressa em uma forma discursiva motivada por impulsos aguilhados pelo horror baixo, desonroso dos sintomas da escassez vital relativa. É próprio do ciclo universal do movimento de reprodução da vida essa criação do indivíduo rejeito, do excedente, que enseja a formação de novos núcleos, que operarão da mesma maneira a ejetar, naturalmente, o que sobra, e assim sucessivamente. E talvez seja próprio também da matéria -- o desprendimento e o vórtex negativo, que centrifuga o "algo" e permite que o "nada" seja repreenchido, como consequência de alguma força metafísica que reclama a ocupação do vazio. O sociólogo gritará para o vento na medida em que for alijado daquilo que constituía, para ele, os elementos da sua expectativa de saúde honorífica. Quando o núcleo de parentesco não oferece mais reciprocidades positivas, o sociólogo, esse primo pobre, se vê desumanizado de tal maneira que procura introduzir novas formas e novos conteúdos para a sociedade de que é membro. Seu apelo à moral conclama os outros desafortunados a comporem o grito da insolência e da demanda reestruturadora: novas formas de organização social -- e produtiva; novos conteúdos, conceitos, para lidar com a concepção circunstancialmente imoral de entendimento da abrangência da dignificação social. Se não pode fugir pela floresta, juntar os seus próximos e fundar uma nação, que reproduziria o ciclo de parentesco primitivisticamente sustentável, o sociólogo, esse quixote do futuro, argumentará -- aparentemente em vão e com a histeria dos visionários -- pelas modificações concretas da dinâmica das recompensas vitais, na sociedade em que está inserido, funcionando como agente da complexificação: demandando mais humanidade. É por causa da sociologia que a demanda dos desprovidos é atendida; é graças à sociologia que história se movimenta para realizar transformações produtivas que possam alterar a capacidade de suporte metassocial para expansões demográficas, para expansões da renda, para expansões dos limites da experiência do gozo. É a sociologia essa força da natureza que surge das incapacidades das condições presentes de atendimento das demandas individuais, e que obriga, pela esfera discursiva, a transformação socialmente beneficiadora dos significantes dessa teia sociobiológica que paira sobre a vida orgânica, progressivamente para um sentido mais universalizante: como se a constituição da vida tivesse um dispositivo latente, um fato tendencial, uma "praga do bem-comum", que obriga a sociedade a ceder e a expandir-se: talvez seja melhor chamar a sociologia, por um olhar transistórico, de anti-praga, pois retira as ervas daninhas e permite ao corpo vital reproduzir-se e ampliar-se, tornando-o um só e maior.

domingo, 22 de julho de 2018

a teoria do primo pobre

Visualizar o crescimento de um núcleo de parentesco é prerrogativa para compreender a "teoria do primo pobre". O alargamento de uma família, conforme vai se reproduzindo um tipo familiar, acaba por gerar o distanciamento do elemento que confere vitalidade aos membros do grupo familiar. Nas franjas do núcleo de parentesco estarão os netos e os sobrinhos, que deixarão de desfrutar, naturalmente, das comodidades da reciprocidade positiva. Isto é um fato tendencial. Destituídos do reconhecimento como membros mais efetivos do grupo primordial, aqueles primos que não se encaixarem nas dinâmicas de aproximação interpessoal genuína, aqueles primos cujas afinidades se distanciarão daquelas do núcleo original, viverão a experiência de primos pobres. Ora, a própria noção de falta de afinidade é um reflexo dessa estrutura parental que suporta apenas uma operacionalidade limite de combinações relacionais, e a afinidade, ou a falta dela, é a expressão fenomenológica de uma predisposição concreta. Na própria lógica da reprodução biológica, os elementos que conferem eficácia simbólica individual são escassos; e o insulamento dos relativamente marginalizados é uma espécie de regra. O tácito desprezo pelo primo pobre gera-lhe dada confusão, e a expressão incoerente, de aparente engano e dificuldade expressiva, é sintoma desse funcionamento metassocial de desenvolvimento biológico orquestrado pela natureza. O reforço desse insulamento como consequência da expressão indgnada e parcialmente incompreensível, crítica e odiosa, e o correspondente reconhecimento da demanda recalcada, finalmente expressa, por parte de outros aparentados, fazem esse primo pobre, esse cavaleiro quixotesco, esse sociólogo avant la lettre iniciar um movimento de preparo para a ação que renderá os benefícios necessários para o reordenamento dessa eficácia simbólica, os seus benefícios de saúde auto-honorífica, aquilo que atenderá às suas demandas vitais. Quanto mais simples a sociedade, mais minimalista, menor é o custo de oportunidade de partir em diáspora e buscar amigos e aliados para formar sua própria nação. Quanto mais complexa, maior é esse custo de oportunidade, e a batalha travada passa a ser no interior da sociedade, o que implica em pressões, pela via moral, para a transformação da estrutura social-produtiva e distributiva. 

terça-feira, 19 de junho de 2018

a contradição constitutiva da mudança social

Uma revolta do baronato perante um rei déspota não configura uma profunda inovação de paradigma estatutário, mas não deixa de representar alguma. Na medida em que os poderes do déspota se concentram e é perdida determinada liberdade, seja por aumentos fiscais, seja por perda de poder político de fato, o círculo nobre imediatamente inferior ao déspota passa por um processo de empobrecimento. Ainda que o objetivo final de dada revolta não seja propriamente a revolução, a provável lista de demandas desse grupo destituído de determinados interesses vitais acaba por promover um alargamento do poder, na medida em que torna possível a exigência de benefícios em uma perspectiva classista. O ressentimento, que os motiva, é o que dá o gosto amargo às suas comidas, é o que os torna mais próximos dos plebeus. Não será incomum ver a união de segmentos marginalizados e elites ressentidas em torno de demandas gerais da sociedade -- assim como não será incomum ver a progressão do conceito de universalismo a partir de sucessivos ressentimentos que marginalizam relativamente setores que antes faziam parte do núcleo. 

domingo, 3 de junho de 2018

complexo jus naturalis

As árvores tinham uma folhagem às vezes grossa, às vezes fina, mas a mata, de todo, era volumosa e densa, e bastava um olhar para um lado e para outro que qualquer um já podia perder-se, caso quisesse continuar o caminho. A mãe estava lá, com seus filhos, amamentando um, em uma pequena clareira que abriu com algum trabalho. Não que estivesse a todo momento alerta contra predadores, mas o estava de todo modo. Era preciso que eles crescessem logo para que dispensassem finalmente a sua ajuda e fossem buscar suas vidas sozinhos, cada um por si, sem olhar para trás. Uma vez saídos dos braços da mãe, correriam para dentro da floresta em busca de parceiros sexuais, de alimentos, e se esqueceriam para sempre dos seus progenitores. Esqueciam até mesmo suas feições, sua espécie, e todos na floresta, no futuro de todos os sujeitos, são seus potenciais inimigos, parceiros e alimentos, em um anonimato noturno e cricrilante que sucede o desenvolvimento biológico de todos. A mesma lambida que retirou a placenta comendo-a para o bem mútuo é a mordida da alimentação faminta, do cerco da caça, o começo e o fim. Um dos filhos partia, outro nascia, outra tinha suas crias.

Ranure já se encontrava a se perder pelas folhagens densas da floresta, enquanto abria espaço sozinho por entre a galhada para movimentar-se em direção a algum norte vital. Farejava, certamente, andava, escutava, seguia. Talvez se esquecesse recorrentemente, mas se lembrava vagamente de um vínculo afetivo quebrado pela lei da natureza, quando teve que partir por força maior de seu clã matriarcal por ter, provavelmente, tornado-se excedente. Crescera e podia partir, naturalmente, na medida em que novos iguais nasciam da mesma mãe. Fora em busca da continuidade para fora do que podia sua mãe e encontrara por aí seres como ele mesmo, sozinhos e viventes, a entrar na água de um rio e a se alimentar do seu.

Um pequeno bando com uns filhotes era presa fácil, e quanto mais cedo se pudesse torná-los fortes o suficiente para irem, menos danosa se tornava a caminhada a esmo dos clãs matriarcais. Quanto mais fortes se tornavam os filhotes, eles também exigiam mais e, certa hora, rebelavam-se e partiam com um rancor que alimentava perpetuamente o seu egoísmo como um mecanismo fisiológico. Iam arrastando-se pelas folhagens, a grunhir de ódio e lágrimas, até passarem a primeira noite sozinhos, e a segunda, e a terceira, indefinidamente, até que se esqueciam: e apenas haviam tornado-se ótimos. Todos os seres que passavam por eles eram o mesmo, e nenhum vínculo se estabelecia nos moldes do amor parental presente apenas na pequena infância.

O olhar pelo plano divino via esses seres ali caminhando como átomos em movimento por um espaço de território restrito, indivíduos de um mesmo tipo, a procurar e procurar, em círculos. A mãe de um não era mais nada dele no médio prazo, podendo-se observar uma porção de mães que já haviam se alimentado de seus filhos adultos, e adultos que já se haviam alimentado da continuidade das famílias que foram forçados a abandonar. Ranure mesmo agora limpava as patas de sangue da fácil presa, que era uma mãe com seus filhotes, que saboreava especialmente, embora sentisse algo sobre-animal que se assemelhava a um mal-estar provocado por um fantasma de memória que poderia fazê-lo querer constituir um abrigo mais duradouro, porque aquela caça tinha sido consequência de alguns dias de fome grave; e até hoje achava injusto ter tido que ser expulso por ter sido excedente, consequência dessa mesma fome, que era fruto da falta, que fora imposta, a todas os seres da floresta, sob a forma empírica e existencial da restrição -- ou da interdição -- materna.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

o objeto para o materialismo histórico crítico

Se se pretender realizar uma teoria do objeto nos termos do meu proposto materialismo histórico crítico, será indispensável que se passe pela acepção psicanalítica do termo objeto. É a dimensão vital-fisiológica que determina o viés pelo qual o sujeito lerá a condição do mundo. São, portanto, as suas estruturas reguladoras de vitalidade contemplada que definirão o comportamento do sujeito com relação às formas do mundo. O interesse vital de cada sujeito, por sua vez, deve ser entendido como a forma libidinal que emana do sujeito, que a entidade desejo assume. É esse funcionamento vital-fisiológico que desperta tanto a luta de classes quanto o fetiche que a mercadoria exala -- na inveja, na ganância. Se levarmos em conta a historicidade e a trans-historicidade desse fenômeno, perceberemos que o objeto de desejo é transmitido e transfigurado, superado, pelo desdobrar-se dos conflitos geracionais inter e intra familiares. As entidades genético-biológicas, que são os indivíduos, disputam espaços de contemplação dos seus interesses vitais para si mesmos, o que repercute no esforço pela manutenção das suas entidades genéticas, da maneira mais exaltada possível. Por isso, inconscientemente, disputamos libidinalmente: porque a sexualidade é a forma pela qual os sujeitos enxergam o mundo em última instância, com ganas de buscarem realização e prazer na insígnia do status vital, ou auto-sócio-prestígio, algo que é herdado pelas conquistas e acúmulos das disputas geracionais do passado e limitado pela condição física do mundo.

sábado, 5 de maio de 2018

propensão marginal a gozar

O conhecimento é fruto do ressentimento, como algo que funciona porque, no sujeito, é provocada dor, e se a quer aliviada. O ressentimento, por sua vez, é a maneira natural de expressão da luta de classes, o que leva a crer que a própria luta de classes provoca, pelo ressentimento, sua feição vital-fisiológica, as motivações de sua superação; porque se é vida, organismo. A luta de classes provoca conhecimento, e o conhecimento é sempre produto do desejo de superação deontológica da dor, indefinidamente na História, sem que a dor, enquanto sensação relativa, jamais desapareça totalmente -- assim como infinitas são as possibilidades econômicas da humanidade e a propensão marginal dos humanos a gozar.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

por uma visão kantiana do fetichismo de mercadoria

Entendemos que a realidade produtiva funciona como base de toda sociedade. Devemos agora compreender como ocorre o fetichismo da mercadoria pela visão subjetiva do processo. Já se entende que os homens produzem e consomem, resultando na importância que se dá ao sistema produtivo. O dever agora é explicar o que as mercadorias despertam nos sujeitos, isto é, que motivações individuais os seres humanos, biológicos, encontram na mercadoria para que possam querer apropriar-se dela, a fim de se enaltecerem. Para isso, é preciso pensar no poder simbólico emanado pela mercadoria, que se apodera dos seres humanos: um poder simbólico que os enaltece, que estimula e dá combustível ao seu instinto vital. Por meio da mercadoria, os homens desfrutam, exibem-se e estruturam as suas vidas e as das suas proles. O resultado biológico do fetichismo de mercadoria é que deve ser compreendido agora.