sábado, 28 de maio de 2016

O suicídio metafórico de Vargas (o Llosa) ou A morte (e a morte) de Antônio Brasileiro

Vamos dizer que começou bem mais cedo,
Em um início, onde tudo era benigno e fazia sentido,
Até que fomos perdendo a capacidade de ser bom.

Eu estava sentado no meio fio da atual rua Morais e Vale, conversando com alguém às cinco da manhã de uma festa,
Com um copo descartável na mão, uma calça jeans, uma bota, um casaco de camurça e uma camiseta amarela.
Era uma noite divertida de Maio, e as estrelas no céu se percebiam por este algo de cintilante no astral que preenchia a ambiance.

Eu saquei um revólver do bolso,
ali,
na festa.

Meu casaco de camurça queria se matar ao som de Cazuza;
Uma casa com cheiro de café recém feito e móveis de madeira mineira se afundava na escuridão de seus livros;
E só mesmo um alucinógeno para fazer flamejar uma bandeira colorida naquele meio fio.
O revólver lantejou, e uma estrela cadente refletiu nele.
O céu roxo, o brilho-anti-brilho da constante universal,
a lama no chão, camurça e whisky.
(Star Wars - Rubem Fonseca + Nelson Rodrigues)
Mao Tsé Tung nunca morou em Estocolmo, e nem Estocolmo é Berlim;
Livros marxistas-leninistas voavam se desprendendo de uma estante de jacarandá;
As estrelas tinham vencido, e a loucura era maior que o certo.
No meio dessa conversa, com um amigo brigado, meio mendigo de preto com acessórios metálicos,
enfiei o revólver dentro da boca depois de lhe confessar em voz alta e estranha alguma coisa.
Desisti da solidão da madeira mineira, do café e de seus livros
Desisti de Buenos Aires, esse estranho destino (mas lembrei dela).
Desisti de vez para deixar o roxo e as estrelas vencerem e reinarem em meu lugar.
"Eu perdi um amor que me deixava roxo de ver estrelas e não posso mais tê-lo", foi o que mais ou menos eu disse a esse amigo no meio fio antes de tudo.
"Não sou mais ninguém."
Fantasiado de século XXI, na atualíssima rua Morais e Vale, em nome da paz e do gozo, pela harmonia do cosmos: desisto!
E um buquê de flores sai, verde e amarelo, por detrás do meu crânio, disfarçando a  matéria cinzenta e o sangue que se espalhavam pela estreita testada da calçada; era como um convite dos Anjos para integrar perpetuamente a energia escura.

E os legistas, ao encontrarem o meu corpo em meio a uma multidão estarrecida e alienada,
encontrariam algo deixado escrito num guardanapo de papel:
"Deixo a vida para libertar o esquecimento!
para a realeza inglesa ver a minha linhagem perder a última batalha!
para poder ser carnaval de novo!
-- e um novo milênio um dia..."

domingo, 15 de maio de 2016

não consigo sair do baixo astral e permaneço odioso e barroco, com relances de ironia pós-irônica, seguindo interpretado como reaça por esquerdistas tradicionalistas, e como coxinha por pós-estruturalistas de festa hipster.
nada é nada, tudo é tudo, tudo é nada e nada é tudo.
de novo: nada é nada, tudo é tudo, tudo é nada e nada é tudo.
o peido que peida é o frade; na boca do povo;
tudo o que seu mestre mandar: faremos todos!

peido sim, peido não.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

en France and before it was cool

hoje eu estou tristinho e com poucas esperanças na vida. um sonho de ser grandioso nunca satisfaz alguém até que se o tenha alcançado.

eu queria ser fernando pessoa, nelson rodrigues e rubem fonseca, tudo ao mesmo tempo, sem tomar café nunca, nem whisky.

eu queria ser da família do chico buarque e amigo do vinícius e do tom jobim. ter conhecido o caetano veloso numa situação mais intimista e dizer para os outros que sou amigo próximo da maria betânia. o veríssimo ia sempre lá na casa do vovô, o érico, eu gostaria de dizer; e também de dizer que o prestes era seu companheiro, assim como o brizola, que ia na casa dele se aconselhar em momentos difíceis. antes do exílio, darcy ribeiro passou lá em casa para se despedir; e o gabeira namorou um primo meu, logo que voltou de paris. e dizer também que, numa dessas viagens, acabei descobrindo que a minha tia conhecia o almodóvar e o jodorowski. e também acabei descobrindo que aquela parente emprestada judia fugida da guerra tinha sido assistente do lacan em tempos áureos. se eu tivesse sorte, o meu tio teria sido orientado pelo deleuze en France and before it was cool, e a minha família teria membros tão importantes quanto todos esses, e seus parentes também se orgulhariam de nos ter como conhecidos.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

bossa nova hegeliana

o café decora o meu texto
a madeira amadeira a lareira
o whisky doura as pedras de gelo
mas ninguém
me
entende.

terça-feira, 3 de maio de 2016

dar e receber na cultura contemporânea

Supondo um isolamento absoluto, poucas partes dos meus textos serão lidas no futuro. Se eu não me tornar um doutor ou nada que importe, se me distanciar dos meios artísticos e intelectuais, se decidir por uma falta de carreira, se acabar num instituição psiquiátrica, corro o risco de não ser levado em conta. Eu fiquei, é certo, meio no canto, às vezes, observando o desenvolvimento da cultura do século XXI sendo, talvez, um pouco recriminado por julgar tudo mal. Eu fiquei isolado no cantinho por achar que não iria moldar minha vida em nome da moderna arte de me apresentar bem. Tirando um tanto de moralismo, nada há de problema e eu provavelmente terei exagerado em todos os meus pontos de vista depreciativos. Tirando um tanto do meu ponto de vista, eu poderia me deixar invadir por um roxo que vibra por entre as pessoas boas e, quem sabe, esperar por uma posição que agrade ao gosto alpinista social. Quem decide sair da meios de arte e da academia por completo para trabalhar sozinho terá como motivação inicial um isolamento que pode significar a depreciação daquilo de que não quer participar. O isolamento absoluto levará ao esquecimento e levará também as obras produzidas a um estado de insanidade circunstancial. O desejo de ressurgir nos meios, quando surgir, no entanto, passará a ser aceito pelo centro somente distanciando da minha imagem aquilo que mal julguei, porque só assim os integrantes do centro poderão reaproximar deles a minha imagem, reaproveitada pela limpeza do meu mal julgamento anteriormente proferido. Supondo que eu saísse do isolamento absoluto, deveria buscar dar ao centro o meu gosto, ao mesmo tempo em que sumiria a minha crítica do espectro do discurso que eu teria legitimado existir, ainda que essa crítica não seja jamais atendida -- essa é a condição do meio. Eu distanciar-me-ia do meu texto para me aproximar da superficialidade do meu desejo -- pertencer ao bom que eu julgo errado. Consigo esboçar um sorriso bobo para quem me aceita de novo parcialmente, mas é, na verdade, meu profundo desejo de vingança que se controla por uma força de autopreservação que provavelmente censurará minha mente. A marginalidade do contato com o fashion produzirá aquilo de menos espontâneo para o fashion, enquanto que a centralidade do fashion produzirá o bom em si, o gozo belo. O meu distanciamento dos meios comuns de conhecimento e cultura produziria um monstro, sem coerência possível na gramática do outro, um monstro de inspiração barroca e odiosa. Se eu fosse revestido por uma visualidade nova, eu poderia visualizar o mundo com esquecimento e recomeçar as minhas relações; é claro, se o mundo também fosse dotado de grandes aptidões terapêuticas da teoria psicanalítica: suponhamos que todos o super-egos de todos se dissolvessem, viveríamos um momento de gozo muito forte, seguido de uma nova e verdadeira ordem social. O que não acontece se eu simplesmente voltar a tentar galgar um lugar digno nos meios culturais produtivos da minha geração. O que também não quer dizer que todo o meu olhar odioso e barroco não signifique uma exacerbação do meu super-ego, nem que o meu super-ego esteja certo e tenha de fato reconhecido perigo e, por isso, "ordenado" o isolamento o quanto antes. A quantidade de besteiras que posso ter dito movido por esse monstro odioso e barroco pode ter gerado mais isolamento e reforçado olhar super-egóico, tornando visível para todo mundo da cultura as minhas falhas e fraquezas na interpretação do mundo. O recalcamento, que é produto do desejo mais a repressão do mundo, é visto pelos outros de maneira mais clara, ou de maneira espelhada, pelos outros fazerem parte do mundo, sendo ou não sendo agente repressor. Para o recalcado, para mim, o que o desejo recalcado expressa é aquilo que objetiva minimamente o seu impedimento, o que o trauma recolhe de evidências no mundo e organiza em lógica, embora permeado de moralismos construídos pelo super-ego. O monstro odioso e barroco está ali pertinho da sociologia; o seu (re)recalcamento (ou sublimação) pode ser que seja a cura pela psicanálise.