terça-feira, 31 de julho de 2018

segunda-feira, 30 de julho de 2018

sobre a natureza da sociologia e a circunstância do sociólogo

Se perguntado sobre a natureza da sociologia, um sociólogo talvez não seja quem poderá responder da melhor maneira a eventual dúvida. Como figura vivente do processo político próprio que a sociologia evoca, o sociólogo, ao descrever a ontologia segundo a qual se apropria do mundo, de onde está, provavelmente conferirá ao seu conteúdo discursivo considerável teor de enviesamento: um envisesmento marcado por denúncia e anseio de transformação política. Seu ponto de vista marcado pelo déficit vital aplica luta e sacrifício à renovação programática dos intentos da entidade supra-individual a que desfere suas críticas. Talvez seja preciso buscar a resposta sobre a natureza da sociologia em alguma instância transistórica e extra-social, que possa oferecer uma resposta mais teleológica e funcionalista do papel mezzo quixotesco desse prenunciador de novas eras morais e produtivas. É preciso que se analise o fenômeno do nascimento da sociologia como uma realidade metassocial, que se desenha a partir dos aspectos condicionais da natureza da vida, e que se autoexpressa em uma forma discursiva motivada por impulsos aguilhados pelo horror baixo, desonroso dos sintomas da escassez vital relativa. É próprio do ciclo universal do movimento de reprodução da vida essa criação do indivíduo rejeito, do excedente, que enseja a formação de novos núcleos, que operarão da mesma maneira a ejetar, naturalmente, o que sobra, e assim sucessivamente. E talvez seja próprio também da matéria -- o desprendimento e o vórtex negativo, que centrifuga o "algo" e permite que o "nada" seja repreenchido, como consequência de alguma força metafísica que reclama a ocupação do vazio. O sociólogo gritará para o vento na medida em que for alijado daquilo que constituía, para ele, os elementos da sua expectativa de saúde honorífica. Quando o núcleo de parentesco não oferece mais reciprocidades positivas, o sociólogo, esse primo pobre, se vê desumanizado de tal maneira que procura introduzir novas formas e novos conteúdos para a sociedade de que é membro. Seu apelo à moral conclama os outros desafortunados a comporem o grito da insolência e da demanda reestruturadora: novas formas de organização social -- e produtiva; novos conteúdos, conceitos, para lidar com a concepção circunstancialmente imoral de entendimento da abrangência da dignificação social. Se não pode fugir pela floresta, juntar os seus próximos e fundar uma nação, que reproduziria o ciclo de parentesco primitivisticamente sustentável, o sociólogo, esse quixote do futuro, argumentará -- aparentemente em vão e com a histeria dos visionários -- pelas modificações concretas da dinâmica das recompensas vitais, na sociedade em que está inserido, funcionando como agente da complexificação: demandando mais humanidade. É por causa da sociologia que a demanda dos desprovidos é atendida; é graças à sociologia que história se movimenta para realizar transformações produtivas que possam alterar a capacidade de suporte metassocial para expansões demográficas, para expansões da renda, para expansões dos limites da experiência do gozo. É a sociologia essa força da natureza que surge das incapacidades das condições presentes de atendimento das demandas individuais, e que obriga, pela esfera discursiva, a transformação socialmente beneficiadora dos significantes dessa teia sociobiológica que paira sobre a vida orgânica, progressivamente para um sentido mais universalizante: como se a constituição da vida tivesse um dispositivo latente, um fato tendencial, uma "praga do bem-comum", que obriga a sociedade a ceder e a expandir-se: talvez seja melhor chamar a sociologia, por um olhar transistórico, de anti-praga, pois retira as ervas daninhas e permite ao corpo vital reproduzir-se e ampliar-se, tornando-o um só e maior.

domingo, 22 de julho de 2018

a teoria do primo pobre

Visualizar o crescimento de um núcleo de parentesco é prerrogativa para compreender a "teoria do primo pobre". O alargamento de uma família, conforme vai se reproduzindo um tipo familiar, acaba por gerar o distanciamento do elemento que confere vitalidade aos membros do grupo familiar. Nas franjas do núcleo de parentesco estarão os netos e os sobrinhos, que deixarão de desfrutar, naturalmente, das comodidades da reciprocidade positiva. Isto é um fato tendencial. Destituídos do reconhecimento como membros mais efetivos do grupo primordial, aqueles primos que não se encaixarem nas dinâmicas de aproximação interpessoal genuína, aqueles primos cujas afinidades se distanciarão daquelas do núcleo original, viverão a experiência de primos pobres. Ora, a própria noção de falta de afinidade é um reflexo dessa estrutura parental que suporta apenas uma operacionalidade limite de combinações relacionais, e a afinidade, ou a falta dela, é a expressão fenomenológica de uma predisposição concreta. Na própria lógica da reprodução biológica, os elementos que conferem eficácia simbólica individual são escassos; e o insulamento dos relativamente marginalizados é uma espécie de regra. O tácito desprezo pelo primo pobre gera-lhe dada confusão, e a expressão incoerente, de aparente engano e dificuldade expressiva, é sintoma desse funcionamento metassocial de desenvolvimento biológico orquestrado pela natureza. O reforço desse insulamento como consequência da expressão indgnada e parcialmente incompreensível, crítica e odiosa, e o correspondente reconhecimento da demanda recalcada, finalmente expressa, por parte de outros aparentados, fazem esse primo pobre, esse cavaleiro quixotesco, esse sociólogo avant la lettre iniciar um movimento de preparo para a ação que renderá os benefícios necessários para o reordenamento dessa eficácia simbólica, os seus benefícios de saúde auto-honorífica, aquilo que atenderá às suas demandas vitais. Quanto mais simples a sociedade, mais minimalista, menor é o custo de oportunidade de partir em diáspora e buscar amigos e aliados para formar sua própria nação. Quanto mais complexa, maior é esse custo de oportunidade, e a batalha travada passa a ser no interior da sociedade, o que implica em pressões, pela via moral, para a transformação da estrutura social-produtiva e distributiva.