quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

economias instintivas

Existe no triunfo uma dimensão que é econômica, mas não de uma maneira trivial, respaldada em alguma vaga noção comum de materialismo. Não é todo triunfante que, de imediato, adquire a recompensa monetária pelo que fez de bom. A dimensão simbólica, essa que não é obrigatoriamente monetária, segue, no entanto, uma lógica econômica específica, que não deixa de ser material. Os benefícios conseguidos pelo triunfo simbólico, ainda que não sejam necessariamente monetários, possuem uma lógica materialista específica. Além da cooperação com o triunfante em virtude do reconhecimento do feito, que acarreta em si benefícios como "casa, comida e roupa lavada", o triunfo garante um benefício à sobrevivência do tipo individual por uma via transgeracional. Protegidos os seus herdeiros pela história da sua família e pelos capitais simbólicos de toda ordem adquiridos, como até mesmo a beleza, e, ironicamente, a amabilidade e o savoir-vivre, o gen individual alcança o benefício máximo, instintivo, que é distinto do ganho monetário - podendo também somar-se a ele. A sensação de satisfação quando alcançado o triunfo de qualquer ordem simbólica, aí incluídos também o dinheiro, a união com os belos e os bons e os benefícios honoríficos de toda ordem, é a prova cabal de que o benefício da aquisição do poderio simbólico segue uma lógica econômica que visa algo maior, de mais longo prazo, de um comportamento residual: a imortalidade do seu tipo. Nenhum invejoso é invejoso apenas do dinheiro. Nenhuma vitória é somente monetária. Nenhum amor correspondido é resultado de um cálculo tão realista...  Mas seguem uma lógica de preservação biológica, que implica em uma economia relacional, que necessita também de desenvolvimento econômico-produtivo, mas em uma segunda instância. O desenvolvimento econômico-produtivo apenas permite a perpetuação no longo prazo das batalhas simbólicas -- e por isso é tão importante, mesmo que não seja a economia monetária propriamente dita o seu motor principal. O que acontece é que o indíviduo biológico responde a muitos estímulos instintivos. Procurar, portanto, primeiro nas motivações econômico-produtivas as disputas dos seres humanos por benefícios materiais sociobiológicos é insuficiente. Chegar-se-á a elas, mas partindo de um outro ponto de vista. É preciso analisar a motivação materialista do ponto de vista individual subjetivo, mas comum a todos os indivíduos, tão evidente quanto imperceptível: os indivíduos da espécie humana seguem os seus instintos reprodutivos, por exemplo, o nutricional,  assim como muitos outros, que são facetas de um mesmo instinto geral pulverizado, que é o instinto vital, o impulso vital, a força do gen, que orienta a motivação econômica biológica das relações humanas de facto: nos vínculos criados pelos afetos, pelo amor, pelas amizades, pelas associações, etc -- e pelas peleias também. Em outras palavras, instintivamente, os indivíduos balanceiam, de acordo com suas percepções simbólicas acerca da capitalização simbólica dos outros, aquilo que lhes será, segundo a percepção deles, subjetiva, da realidade objetiva das suas próprias vidas, benéfico. Os indivíduos buscam se associar a valores que permitirão a perpetuação do seu próprio tipo transgeracionalmente, por meio dos seus sentimentos: tudo isso é instintivo, inevitável e imperceptível a nós mesmos; e justamente por ser inevitável e imperceptível é que é instintivo. As brigas, os conflitos, a inveja, o amor, o apego, a amizade, são fruto disso, dessa economia biológica simbólica em disputa, que tem na economia produtiva o seu substrato, o seu meio de execução, mas uma economia produtiva que "alimenta" de bens os indivíduos imersos em batalhas simbólicas instintivas, que seguem a lógica individualista-subjetiva materialista biológica -- em outras palavras, que seguem o materialismo histórico apurado, kantiano, fenomenológico -- ou, o que vale dizer, o materialismo crítico.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

vida e morte tragédia

O problema entre o trágico e o pós-trágico perfeito consiste na sempre provável incapacidade de superação da tragédia pelo limite que a condição de mortais nos impõe. Basta imaginarmo-nos como seres imortais, que perceberemos uma medida de tempo infinita para que se resolva qualquer problema. O conhecimento, assim, torna-se útil. A questão toda entre o trágico e o pós-trágico então é com a morte, que nos impede de superar os erros, e de antever os próximos no longo prazo. O modo de vida trágico, que ainda concebe a morte como limitadora da vida, tem de ser substituído para que a humanidade possa solucionar-se, e somente assim a arte poderá superar a tragédia. A arte só será verdadeiramente apreciável quando alto-produto de uma sociedade de indivíduos que possuam imortalidade terrena, corporal, secular. Somente então a arte terá capacidade de experimentar a verdadeira forma pós-morte-da-tragédia.