terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

por uma teoria otimista da ingenuidade das vanguardas

Um filósofo poderia dizer que o impedimento de conhecer aquilo que corresponde à verdade verdadeira é inerente à condição humana, de sujeitos do conhecimento. E que, por meio de uma escolha, todo sujeito sai da dúvida e parte para a ação, executando aquilo que imagina ser o seu ato consciente. A essa informação, o arqueólogo poderá adicionar uma certa contribuição estatística, fazendo notar uma dada padronização das atitudes dos homens, por sempre se ver em face de alguns modelos de sociedade e de alguns modelos de desenvolvimento de sociedades. E o historiador, por sua vez, perceberá, no decorrer dos fatos, com um olhar em retrospectiva, quais foram os enganos cometidos para que a história não se desenrolasse para o lado mais desejável do ponto de vista ético-moral. Já o sociólogo talvez cometa um "engano desenganado": por observar a forma como o desenvolvimento real da história se apresenta no presente e observar as consequências do passado sem se ater a ele com a devida importância, o sociólogo se dá conta mais fortemente dos problemas imediatos, daquelas injustiças percebidas pelo senso-comum -- e por isso pode aplicar seu conhecimento para a sua natureza política. Todo político nas sociedades humanas tem o seu lado sociólogo, isto é, busca no presente as raízes de toda injustiça, mesmo que se apóie, em alguma medida, nas transformações do passado para fins explicativos. E toda vanguarda, por seu teor político qualquer que seja, apresenta na sua origem uma manifestação de conteúdo sociológico. Aquilo que a expressão "noblesse oblige" designa, ou seja, a importância política que adquirem aqueles que se incumbem de tarefas sociais como as de proteção e de generosidade tem sua origem na ação política altruísta advinda da percepção sociológica de um pensamento vanguardista. Por exemplo: num bando de caçadores-coletores em vias de se desmembrar, aquele que percebe o distanciamento crescente de indivíduos do bando em relação aos benefícios da caça auferidos por seus líderes se incumbirá do papel de liderar uma dissidência, ocasionando uma diáspora; assim como os líderes das vanguardas revolucionárias se incumbirão da tarefa de procurar revolver a sociedade para que as demandas dos marginalizados sejam atendidas em detrimento dos mais poderosos. O discurso de bem-comum, sempre atualizado pelo novo olhar dos novos sociólogos políticos, servirá como uma nova eclosão dos conflitos sociais -- ou dos conflitos de classes sociais. E, embora os historiadores e arqueólogos tentem mostrar as raízes de tal sentimento sociologizante e político, a inevitabilidade das percepções sociológicas é, na verdade, o reflexo necessário dos desdobramentos de longa duração do caminhar da história. No caso da história da URSS, para que se veja melhor a coisa, aquelas elites que se conformaram após uma atualização da sociedade com a estatização de toda a esfera produtiva foram acusadas por percepções sociológicas que tiveram como resultado a Perestroika: uma sociedade insatisfeita com a forma como a estrutura produtiva marginalizava alguns e beneficiava outros, mesmo que o dinheiro já não existisse mais em tanta quantidade. Se a instituição da URSS teria sido um avanço ao abolir a propriedade privada e ao tornar o interesse estatal superior aos interesses individuais do ponto de vista econômico, a Perestroika seria a atualização desse avanço, promovendo mais acesso das classes subalternas daquele regime à participação política e econômica, além de denunciar o privilégio das elites burocráticas. O curioso de se observar é que essas atualizações progressistas e éticas de reconformação do corpus moral e produtivo das sociedades são sempre motivadas por indivíduos cuja abordagem sobre a realidade é de tom sociologizante. Mais curioso ainda é observar que suas ações, na verdade, representam apenas uma consequência de um grande movimento histórico que se observa na longa duração: eles são as espumas, as ingênuas espumas das ondas, que são consequência de um grande movimento de marés, que se dá numa profundeza tão profunda que o homem ainda não teria conseguido afundar para descobrir. Peões - ou melhor: cavalos da história total, os sociólogos possuem uma força ingênua, que move a sua esfera consciente, mas cujo subconsciente é povoado por toda sorte de determinantes estruturais, anteriores, exteriores, econômicas, biológicas, químicas, físicas e metafísicas. Agora, portanto, já posso dizer: a consequência histórica do dever nobre desses sociólogos, até que surjam outros para atualizarem dada história da luta de classes, provavelmente será a incorrência numa injustiça histórica atrás da outra, com longos intervalos de anos, transformando os antigos defensores do bem-comum em privilegiados de "nobreza de espada", até que o bem-comum assuma finalmente a sua forma perfeita e total na vida social, concretizando-se o discurso que o enuncia. Todo sociólogo crê que já a encontrou, e lutará pela sua completude, com a ingenuidade de um louvável bom homem, político; mas um filósofo talvez o diga, como uma consciência conservadora e fútil, que a sua escolha de verdade não executará o fim a que se propõe, o da justiça total; e um historiador arqueólogo talvez diga que a raíz do problema é mais profunda. Não devemos dar ouvido nenhum aos filósofos, pois os humanos já conhecem a genética, o espaço e pesquisam bastante bem o fundo do mar: e, por isso, ouçamos melhor os historiadores arqueólogos, sem que eles nos deixem escapar a agudeza da observação quasi intuitiva.