sábado, 21 de outubro de 2017

sobre a cura

Não digo que todos pensem assim, mas há uma tendência a se crer, "com respaldo na teoria psicanalítica", que aquilo que o super-ego evidencia como perigoso ao lançar mão do recalque do desejo seja a mais pura fantasia. O próprio método da psicanálise pode levar a pensar dessa forma, uma vez que o paciente, individualmente, deve enfrentar o trauma e provar para si mesmo a possibilidade de realização do desejo. Há um certo risco aí, que é o de não se levar em conta o funcionamento social humano, que muitas vezes impede as pessoas de realizarem suas vontades. É como se a psicanálise tentasse fazer os indivíduos repetirem incansavelmente uma busca, "dando murros numa porta até que ela se abra". Sob o risco de "dar murros em pontas de faca", o indivíduo deveria ir incessantemente atrás de seu instinto primitivo, até que ele se cumpra, e o paciente se deságue. Quantos desejos uma pessoa consegue realizar na vida e quantos ela não chega nem a conseguir desejar, por estar ainda buscando a superação de traumas para a realização de um antigo? O melhor seria poder viver em mundo em que as pessoas se realizam com mais facilidade, para que novos desejos surjam cada vez mais, para que sejam realizados, infinitamente... O que eu gostaria de evidenciar aqui é que o próprio tratamento psicanalítico segue uma lógica de uma espécie de conformismo quanto à ordem social vigente. O paciente se explica para seu analista que buscará, pelos meios do paciente, reverter a sua condição recalcada e encaminhá-lo à realização de suas aspirações recônditas. A psicanálise talvez não dê conta, e talvez seja o espaço aqui da sociologia, de um tratamento total da sociedade. É difícil pensar um verdadeiro tratamento psicanalítico que almeje resolver o problema do paciente apenas pelo caminho da cura individual. É quase como um exercício repetitivo que buscará desqualificar as impressões individuais dos sujeitos, furtando-lhes a realidade, e apresentando o mundo como um paraíso limpo e pronto para que se alcancem os anseios. O que seria a cura pela psicanálise, senão a reintrodução de um indivíduo na luta perpétua pela realização dos seus quereres, mesmo que lhe custe a denegação daquilo que o fez retroceder? Uma cura completa dos indivíduos deve buscar a transformação da sociedade em uma que permita aos sujeitos realizarem mais e mais suas amibições. Não sei ao certo que caminhos deva tomar essa transformação, mas creio que passará pela educação. Não é comum de se ouvir que quem faz análise esta pagando alguém para aprender a lidar com pessoas que deveriam, elas, estar fazendo análise: é assim que eu entendo, às vezes, a verdade do tratamento psicanalítico.