sexta-feira, 30 de maio de 2008

Em dialetos incompreensíveis minha mente berra. Ela está desesperada numa língua bizarra que eu não consigo compreender. Percebo sua expressão, entretanto. Tudo aquilo que ela parece sentir, todo o seu pânico, sua turbulência que, se tivesse braços e pernas, estaria pulando e me sacodindo. Sei que ela está mal. Sei que ela não consegue se fazer entendida e por isso mais desapontamento. Se ela chora, eu sei, pois se fosse visível, eu poderia ver o choro. E ela chora. Sinto ela como se fosse alguém que eu vejo, que eu divido realidade, uma pessoa, como eu, como você ou a Vera Fischer. De tanto gritar em vão, de tanto se arrebatar com a incompreensão, ela sentou e calou-se - era o que teria feito se fosse uma pessoa. Agora, só de vez em quando ela tem uns surtos e grita, geme, urra no seu dialeto, mas só por pouco tempo. Um tempo aterrorizante para quem tem que ser o único a compartilhar e não compreender - nem poder ajudar.
Um peso deu lugar a outra nas minhas costas. Saiu o da indecisão e em seu lugar está agora o da responsabilidade. Tarefas dificilimas, finitas, porém difíceis. E eu fico nessa certeza quase orgásmica que me impulsiona a querer conseguir. Nada tão complicado, é o que não devo pensar.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Por motivos loucos, que ninguém sabe quais são, mas os compreendem perfeitamente de modo inconsciente, muitas coisas não podem ser feitas.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Tagarelando

No teclado, as mãos não correm de um lado pro outro. Não há um movimento uniforme de todos os dedos para a direita e depois para a esquerda, ou para cima e para baixo, tanto faz. As letras estão espalhadas pelo teclado e, para formar sentidos diferentes, incluir vírgulas, determinar funções sintáticas, classes gramaticais e tipos de orações, é preciso ter as mãos por todo o equipamento. Os dedos nunca se cruzam. É impressionante: a mão direita nunca perpassa a esquerda, nem o contrário ocorre. Elas dividem o trabalho, o texto tem a influência das duas. Não é como a escrita com uma caneta, definitivamente não é. A razão para tal eu tento encontrar aqui, agora, mas já tinha percebido essa diferença há algum tempo: imagino que seja porque, à caneta, o uso de apenas uma mão transfere somente uma parte de tudo o que se passa no cérebro no dado momento, enquanto que com as duas mãos, no teclado, é possível que mais partes do cérebro atinjam expressão através da escrita. E também tem outra coisa: o teclado te possibilita ver todas as letras, todas elas, todos os sinais, números; não sei de quê nem por qual motivo, mas imagino que isso possa ser uma evidência; talvez provoque maior facilidade de construção de palavras pela visualização geral. Mais informação: a escrita com caneta - ou lápis, lapiseira, derivados - é mais robusta, sei lá, me parece mais rouca, mais ameaçadora, mais dinâmica. Aqui, porém, é tudo mais leve, sem impetuosidade, tão mais distante de tudo o que todos vêem acontecer. É virtual, essa era a palavra. Uma quase realidade paralela, com sentidos e consciências diferentes, tudo nas palavras - viagem profunda e romântica. Só sei que é livre de preocupações externas.
[acontecimento real]
Preocupações externas, elas agora me vêm: algo aborrecedor aconteceu agora, enquanto escrevo, e por isso, me sinto desconfortável para continuar por muito mais tempo. Quero parar, me retirar e poder relevar essa babaquice rápida sozinho. E é verdade também que já estou um pouco cansado e achando que isso pode não acabar em nada. Acho que o acontecimento em desestimulou. É melhor parar, eu presumo.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Sem razão para se sentir preso

Eu preciso me deixar andar por aqui por esse teclado algumas horas, livremente, por favor. Sem nenhum comprometimento com qualquer coisa que qualquer mensagem queria deixar. Por favor, deixa-me conseguir continuar, sem nenhum juízo estético sobre o que escrever, sem tentar criar conceitos na minha literatura, escrever pela simples liberdade que me deram de utilizar conceitos. Um esforço imenso, eu sinto, eu tenho que fazer esforço para estabelecer sentido nisso tudo. Para continuar mais uma linha, para não me desconcentrar em qualquer outra coisa. Não parar nem para relacionar o que escrevo com nada, quero uma liberdade mais livre.
Uma liberdade mais livre?
Algo se abateu sobre essa liberdade. Um corvo pareceu pousar no meu ombro, uma cagada de pombo no meu documento. Não queria mais ver o que estava acontecendo? Não queria mais dizer que o que estava acontecendo fazia parte da minha liberdade? O corvo da negação. Mas o mundo era tão mundo. Dava vontade de rir, dava vontade de dançar, aprender muitas coisas legais, dava pra tanta coisa no mundo... E eu, hunf, queria a liberdade: era, então, tudo além daquilo que se tinha que eu queria, e eu não conseguia mais saber o que era. O corvo da negação caiu sobre essa face da liberdade. A legalidade, o entendimento da legalidade, restringiu os argumentos por mais liberdade. A liberdade já foi concedida, talvez, e tudo o que eu quero procurar num texto que não fale sobre nada e simplesmente discorra livremente já pode existir e está existindo agora, com todas as liberdades poéticas conquistadas. E tudo o que eu quiser criar na escrita já pode existir na realidade. Mas vem o corvo da negação. Algo tem que estar errado. O desgosto pelo simples desgosto. Serei obrigado a negar até as negações?
Não, não sinto assim, sinto que não sou livre, só não tenho razão para isso.

Trip

Sentados, ou melhor, jogados pelo quarto, misturados a todos os pertences e lixo espalhados: camisas, pares de meia, cinzas, bitucas e roupas recém passadas, tudo numa única massa onde se encontravam também as tais pessoas, os jogados e sentados. Todos vidrados no televisor, que passava um filme de 5ª no corujão. Dublado. Riam por ouvirem vozes engraçadas, por verem cenas inusitadas, pois o filme falava de morte de maneira tão louca. O importante era que não se parava de rir. Um pano, contudo, estava jogado para abafar certas complicações. Por trás desse pano, havia uma realidade, posta abaixo, daquela vez, de propósito. Problemas de relacionamentos interpessoais, basicamente. Essa era a realidade por trás, que, se não fosse posta abaixo, seria discutida fervorosamente, a ponto de poder criar desentendimentos para toda uma vida. Preferiram jogar um tapume e rir; óbvio, rir é o melhor remédio. Mas toda risada acaba para que outra possa começar. E quando parei de rir? No meio de uma gargalhada, vi que teria de parar de rir em algum momento. Parei aí, quando rir perdeu a graça.
Ou tudo isso é viagem minha.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

PUTAQUEPARIU!

Ninguém me chama de louco.
Tudo o que falo é plausível,
muitas vezes, louvável,
nada totalmente esdrúxulo,
nem desconfortavelmente ousado.

E faço drama da minha aceitação,
das vontades exeqüíveis.
Amores são possíveis.
Méritos, tangíveis,
mas e a desvirtude, o calor da obstância? - não existem mais.
Não há necessidade de existirem mais.

Rebeldes com vez - e voz, mas pra quê pedir se não te deixam [argumentos bons?
Maculados alocados.
Alojam-me onde suplico.
Alojo-me onde não prevarico.
Me seqüestraram o acaso e a felicidade sortuda.

E eu, por outro lado, urrava por essa segurança.

Já dizia Vinícius de Moraes...

Para depois,
eu faço depois,
nada assim tão grave, mas vou deixar escapulir.
Vou empurrar com a barriga
como um gordo numa taberna francesa no final do Antigo Regime empurraria um prato sujo de restos da carne de porco que havia devorado.
Tão gordo, não flácido, gordo.
Sujo, preguiçoso, bafento, egoísta e tão histérico quanto um coqueiro ao vendaval.
Sou eu, sou o gordo de tempos tão passados e ignorantes.
O que parecia mais um simples capricho, empurrar com a banha um prato gorduroso, tornou-se o mais pecaminoso e alarmante dos meus atos.
Seria engraçado e sincero se não fosse tão gordo, sujo e preguiçoso, e por isso, repugnante.
Não achei que pudesse ver tanta depreciação nas minhas pequenas volúpias, num adiamentozinho.

E não sai de mim esse demônio:
o gordo preguiçoso e sujo na taberna da França ainda Absolutista.

Não sai de mim, não sai.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Análise Pós-fato

Saúdo os momentos de mente vazia, literalmente vazia. Vastidão, vácuo, tempo irracional, onipresente, pouco ciente, equilíbrio, sempre mantido por algo bem tênue, que rapidamente se rompe quando ocupo minha mente com a determinação desse vazio - acabei de definí-lo, oh fuck. Durante sua duração, ele não era sensível. Onde eu estava?

domingo, 18 de maio de 2008

Como se bastassem planos de carreiras e salários maravilhosos combinados a amores encandescentes ou fatídicos. Como se bastassem a família, a análise salvadora e os amigos. Como se tudo acabasse no que acaba. Vivo como se tudo isso fosse verdade, carregado de uma insubstância incompreendida, inadmissível, irrefutável e irremediável.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

A maresia toma conta da babilônia. Parecem bárbaros, mas são nossos filhos. Barbarizando. Que bárbaros, alguns diriam, vendo um quê de jovialidade ou de rebeldia. Pelos mesmos motivos, uns amam, outros odeiam. É a era da opinião, infelizmente. Da democracia, da maioria uniformizada contra minorias incompreendidas. Apenas por uma questão que não passa de gosto, pois a obscuridade das razões todos têm preguiça de desvendar, o mundo avança nas mãos das representatividades. Um grande saco de merda.

domingo, 11 de maio de 2008

Sobre O Legado

Acontece de repente e não aidanta forçar pegando frases que pulam e gritam na mente. Elas podem se esgoelar muito, chegam até a encontrar onde serem depositadas e lidas. Mas não eram as que deveriam estar ali. Um simples delete acaba com a brincadeira delas. Tão burrinhas, achavam que iam estar ali pra sempre. Pelo menos é o que elas tinham me confessado: vamos ficar aqui para sempre. Para sempre. Se vão restar coisas e eu não, ou seja, se algo meu vai transpor a morte, que faça por onde, pois vai constar meu nomezinho lá. Por isso, palavras muito saidinhas, que acham que vão ficar pra sempre a custo de nada, só pelo fato de estarem latejando na minha mente, são muito vigiadas. Se não sairem dignas do sempre, não vão permanecer nem 10 minutos no mundo. E tenho dito.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Como num estalo, eu vim.
motivado por uma propulsão ardente.
Inquietante era.
Uma obrigatoriedade que seria cumprida.
A força do hábito, o vício, a minha vida.
Compensava, mas só às vezes.
Alternava, julgando bem, julgando mal.
era minha sina, de fato.
era minha idealização - isso estava berrando.
Começava a compreender outros sentidos.
Ainda era o mesmo símbolo.
Permeava pessoas, objetos, sensações e militâncias.
Ainda era o mesmo símbolo, embolado num nó de impossível desate.
Embalado por uma subjetividade não-tão-liberal, minha.
Ainda era o mesmo símbolo, que abafava o sentido de tudo o que iconizava.
O mesmo, mesmíssimo símbolo que parecia sugar tudo o que se passava.
O mesmíssimo símbolo, todo envolto de névoa, de desgaste, de explicação.
Símbolo esse que não deixava de ser, não deixava de refletir tudo de que tinha se apropriado.
Eu.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Vassalos de um Suserano Imperceptível

Os planos de vida da nossa sociedade me fizeram rir internamente hoje. Nos preparamos para exercer uma função que nos remunera com algo que eu gostaria de chamar de “vale-sobrevivência”. Não aprendemos a sobreviver de fato. Se por alguma razão louca o mundo entrasse num colapso nuclear e tivéssemos que sobreviver com o que sobrasse, de nada serviriam a literatura, ou a sintaxe, ou mesmo a conjuntura política da União Européia, nem o funcionamento de resistores ou qualquer outro mecanismo avançado das ciências exatas. Somos ensinados, desde crianças a servir a sociedade em que vivemos. Também nos fazem assimilar a sobrevivência ao que aprendemos a fazer, permitindo nos julgarmos extremamente superiores aos animais que aprendem a sobreviver na marra. Eu diria que fomos sobrevividos, a maioria dos humanos. A classe mais forte percebeu a necessidade da mais fraca, e os ensinou a servi-los, dando-lhe a garantia da segurança. Suserania e Vassalagem. Dentro desse feudo protegido, formamos o nosso mundo. Um mundo paralelo à selva. Sem influência dela sobre nós, pois não são mais tão comuns as interferências danosas da selva sobre nossas vidas, ela foi esquecida. Criamos dentro do sistema opções, injustiças, belezas, indivíduos. Capazes de sobreviver sozinhos, sem a necessidade de suserania e vassalagem exposta. Nos esquecemos de que só vivemos assim graças ao feudo. Nem vemos mais o feudo. Nem sabemos mais que é ele quem nos rege, nem que o servimos, pois há tantas opções que parece que sou eu que decido. Acho que é culpa dos românticos, que idealizam, que individualizam e que desconsideram todas as estruturas para falarem de si. Lembre-se das estruturas. Lembre-se do seu suserano. Por mais que continue vassalo.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Plug plugado, no computador e na tomada.
Foi um take.
Isqueiro e algumas cinzas.
Outro take.
Posso expor o abajur, a garrafinha e o objeto roubado do restaurante.
Posso justificá-los a presença no escrito por fazerem parte de takes.
As desculpas para se começar a escrever são muitas.
E como!

outro dia

Coletivamente, um inconsciente começava a invadir as mentes de quem compartilhava aquele quarto, aquele computador, aquele chão, aquele teto. Não se pode dizer em que momento começou, mas a certa hora todos já sabiam de tudo aquilo. Todo aquele raciocínio, desenvolvido ao longo daquele período juntos gerara um conceito coletivo sobre a situação. Nada parecia mudar aquilo, nunca mais. Aquelas horas juntos iriam ser cruciais sobre o destino que cada pessoa iria tomar dali pra frente. Cruciais por esse ser o evento determinante, o divisor de águas, diria algum professor que já tive. Talvez o que viria a trazer à tona aquele inconsciente, de maneira que ele se tornasse um incômodo, fossem as diferentes construções de personalidade que cada um vivenciou. Cada um já tinha muito de si formado. Muito de seu destino também, por conseqüência de suas concepções.
Todos voltavam-se para o dito incômodo. Uma estaca presa nas costas, que fazia a todos curvar e pouco trocar olhares. Seus olhares se menosprezavam e quando encontravam-se, repeliam-se. Até que alguém se levantou. Estava cansado daqueles assuntos vaselina, de toda aquela superficialidade para ele incômoda demais. Mais, bem mais incômoda que para os outros. Aquela lista de música, cheia de rocks alternativos, psicodélicos, antigos, novos, japoneses, parecia já tê-la ouvido toda, desde a sua infância e não queria nunca mais escutar aquelas malditas músicas. Despediu-se na mesma superficialidade e foi para fora da casa. Para nunca mais, de certa forma.

domingo, 4 de maio de 2008

Palpitações e Truculências

É um estado de espírito assombroso. Nublado por palpitações terrenas, muitas vezes ele perde o seu curso. Truculências que nós mesmos nos dispomos a enfrentar, para nos assegurarmos de que esse estado de espírito era digno de realidade.
O tempo passou, por muitos obstáculos a vida me fez esfriar. Arrafeci neste descampado imenso e comecei a buscar uma nova perspectiva. Me via num descampado, sem pai nem mãe, sem comida, com medo de que a tarde chegasse ao fim: os mosquitos, os predadores, não enxergaria mais nada. Procurei ver com bons olhos. O grande descampado sorriu. Me pareceu agora algo lindo, fotográfico. Sem uma câmera para tirar as fotos, sentei numa pedra para curtir o visual. Esperei o fim de tarde, que foi espetacular como poucos do arpoador, e, como a vida é feita de momentos, se a morte chegasse, seria só mais um momento. E eu deveria aproveitá-lo.

sábado, 3 de maio de 2008

1 dia

Se enrolava na toalha depois do banho. Aquilo era tão mecânico como abrir a janela do box pro banheiro respirar depois de um longo banho de água quente. Era tudo tão no automático que nada lhe impedia de continuar pensando. Enquanto estava no banheiro, seu contato com o exterior - do banheiro, lógico - estava deturpado. Aquelas múltiplas informações sobre o jantar, sobre os afazeres como estudar ou lembrar de todas as coisas que teria de fazer amanhã, ainda não tinham acesso à sua mente. Muito menos a vida dos outros, as preocupações dos outros. Dentro do banheiro, a vida parecia só sua. Enroscando-se na toalha, secava o pau e o saco, secava as costas, a cabeça e continuava em seus devaneios, seus livres devaneios. Já havia pensado em chavões, em tópicos frasais para novos textos, já tinha estruturado toda a hierarquia de valores em sua vida, tinha feito pré-escolhas, escolhas de banheiro.
Em seguida, tão no automático quanto tinha pegado a toalha e aberto a janela do box, sua mão se direcionava para a maçaneta. Poucos segundos foram suficientes. A porta abriu. A luz do corredor já insidia sobre seu corpo. Saía de um quarto e entrava no outro a sua mãe, em busca de alguma coisa, sempre. Ouvia-se a televisão na sala de TV e via-se as mudanças de cor da parede pela iluminação da TV, de acordo com o take da novela. O quarto estava ali do lado do banheiro, sua câmara de transição para a realidade. Entrou rapidamente para o quarto. Deixou a toalha pendurada na porta do armário, abriu duas gavetas que não precisava abrir, como quem abre a geladeira para nada, depois abriu as que precisava, duas vezes para poder escolher melhor o que iria vestir para ficar em casa. Nem precisou sair e já vinha alguém anunciar ou pedir alguma coisa no seu quarto. Era hora do jantar, ou ia começar um programa legal, ou estavam todos conversando na cozinha sobre alguma coisa legal e queriam a sua participação.
Em menos de 1 minuto, da total reflexão, do pensamento puro e magnífico, acabou entrando num turbilhão de acontecimentos, todos necessitados de soluções, de ações, de reflexos e raciocínios. Precisava saber onde estava, o que poderia acontecer. Sua mente agora se voltava para o mundo, que se projetava em sua casa. Da porta de casa pra rua não via a mesma diferença que entre o banheiro e o corredor. Seguia para a cozinha e exerceria sua função implícita, como o combinado implícito - havia pensado isso no banheiro.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

1 indivíduo

Quantas pessoas fazem isso que eu faço? Quantos filhos da puta fazem o mesmo que eu? Eu sei que eu sou todo retalhado de muitas coisas que muitos também são. Não há mais artesãos, nem nobrezas regionais, é tudo globalizado. Hollywood é Hollywood para todos. Inclusive prá Chang Lang lá da china. Quantos são eu, quantos tem os mesmos tipos de amigos que eu, quantos padecem do mesmo mal de reclamar da ordinariedade, quantos são esses desgraçados?
Nada adianta, só adianta se eu fechar meus olhos, se eu olhar para dentro e encontrar meu lugar. Alguém já me disse isso. Mais um retalho - muito banal e simplista esse, por sinal - e depois eu vejo mais a fundo, depois eu compro mais um retalho e depois eu morro logo de uma vez. Filhos da puta.
Cachimbo, haxixe, tabaco. Tesoura, isqueiro, seda. Estava tudo ali em cima, à espera do início do trabalho. Nada daquilo, contudo, se movia sozinho, se fazia sozinho; alguém haveria de fazer tudo, de fumar tudo, mas relamente não parecia ter ninguém por perto. O tabaco continuou parado, assim como o haxixe. Um do lado do outro, fronteirços à folha de celulose cortada industrialmente e à tesoura e ao cachimbo. Intocados, inabalados, continham tudo em potencial.
Nada funcionava sozinho. Sem alguém, que tinha ido na cozinha, bebido água, encontrado com a mãe no corredor, resolvido problemas dela, acabou ouvindo asneiras da cunhada, ponderações do pai e do irmão, e já nem lembrava mais deles, ali na gaveta. Em dado momento, notou que seus receptores coçavam. E coçaram muito e muito, e sentindo isso, os utensílios esquecidos e cheios de potencialidade pareceram exalar todo o seu feromônio. Como um cão naqueles desenhos do tom e jerry, que vai voando ao encontro de um punhado de carne, hipnotizado, ele sentiu uma ânsia. Seus receptores, nesse momento, já uivavam. Há tempos que já estavam enfeitiçados pelo haxixe. Desvencilhou-se de todos rapidamente, seguiu para o quarto sabendo o que queria. Pelo corredor, trocou olhares que já reconheceram o que viria a acontecer naquele momento, naquele quarto. Dificilmente o incomodariam. A porta foi trancada, tudo preparado, tragado, chapado.
Novidades construíram novos planos. As diretrizes agora estão rearrumadas. Depois que algo novo ocorreu, passei a ver os pontos fracos e os pontos fortes. Estudei mais casos e fui mais a fundo nos antigos casos estudados: ja conseguia decifrar os novos casos com muito menos tempo. Com as novidades, habilidades evoluíram perceptivelmente. Se pudesse por em um gráfico, seria uma exponecial. Habilidades, possibilidades, fim da minha transumância, finalmente uma ascenção social. Isso é tudo o que eu quero, já que paraíso não existe mais para nós. Pena ser só isso. Pena isso ser tudo. Pena minha pena me parar. Que pena!

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Introspecção

É difícil ser engraçado quando o que se vê é triste. É, triste. O difícil é dizer o que é. Poderia explicar como uma descarga hormonal mal explorada. Algo extremamente forte, que não está sob meu controle. Se impõe. As movimentações, os pensamentos, as expressões, símbolos, linguagem, não, não conseguem realmente traduzir. Sei do sexo, das drogas, da diversão garantida - garantida por quem? E depois acaba. Diversão. Que acaba. Em seguida lembramos, contamos, são memórias, sou eu. Sou eu. Eu sem ninguém. Sem a foda da noite, sem o amigo pra filosofar, sem a mãe pra perguntar, sou eu, que tenho que seguir, ou melhor, tudo seguirei, o que quer que se faça, farei. Mas e eu? Não sei, não está mais aqui, comigo, e não sei o que posso por ele fazer. Deixa ali, continua seguindo. Continuo seguindo Antes de mim, continuo a perguntar: falta mais tempo? já vão todos? Alguém voltou mas ainda não está onde estamos. Onde foi que parei?! Parei de frente para tudo o que se pode perguntar. Cansei de saber, cansei de serm cansei de participar, procriar, me distrair, me glorificar, me perpetuar! Quanta coisa em mim que não sei mensurar.

Fumaça

Assopro ninguém, assopro fumaça mesmo. Trago ninguém, trago fumaça mesmo.
A fumaça tem seu charme. Malemolente. "Graciosa", entendedores diriam. A FUMAÇA. É só olhá-la. Seu charme... Eu trago. Meus alvéolos absorvem, vai bem profundo no meu metabolismo. Fumaça. Tão fumacenta. Tão pigarrenta. Eu cuspo, com todas as forças, tento escarros, mas esse pigarros só esquenta. Mais fumaça pra dentro, como que para suportar o ar. Pra somente suportar: fumar.

Sobre os porteiros

Dos porteiros, de modo geral, digo que são pessoas muito interessantes. E promíscuas e de fácil corrupção. Principalmente os noturnos. dormindo, no seu sofá ou cadeira da portaria, ele sempre assiste a todas as mínimas fraturas da moralidade que a noite, ou o fim dela, o comecinho da manhã, anunciam a quem não está a companhia de alguém. O porteiro te vê chegando: "sem malandragem, amigo, você já está na portaria. Ninguém te vê. Só o porteiro". "Boa noite". Fui. ele talvez pense mil coisas sobre balcões, e tardes e cachoeirinhas... Ele talvez durma; que chegue o amanhã, pensando em ir embora do trabalho, mas com certeza, no fundo da lembrança, o que aconteceu. Se fosse inquirido judicialmente saberia bem como descrever cenas. Isso, por fim, é o que se pode dizer dos porteiros.