quinta-feira, 31 de julho de 2008

sobre uns hippies pretenciosos

sob o julgo indiscriminado
do seu trabalho, da sua vida, do seu estado,
anunciam sumariamente o motivo da sua ausência
ao que para eles correto é considerado.

Mas que displiscência,
que baita incongruência!
Não se importam em ver um avexado
e ainda se sentem os reis da prudência.

socializando

Envolto em um bolsão de miséria,
tristeza humana, ruminante e etérea,
martirizo-me e em atos-falhos me congelo;
me retiro a pensar sem pensar o que quero.

Petulante, enxerido e mal-amado,
irritante, esbaforido e engraçado,
em perfeita arritmia com meu leito,
falo, calo, rio, perco o jeito.

Massacrado por viver todos os dias
meus castigos - o que o povo faz com galhardia -
seco a lágrima julgada hipocrisia,
recomeço e recomendo aleivosia.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Entre a cruz e caldeirinha

Crucificado entre as esbórnias
e o ativismo,
me sinto tenso num estreito istmo,
inerte, escapulido às possíveis glórias.

Não faço nada que seja de meu grado,
nem do que me ponho como dever.
Sou como um gordo porco auto-encurralado
que não se consola e volta a comer.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Vida profissional

Ele saía do colégio onde dava aula, onde dava aula que nem um corno, diga-se de passagem, trabalhava muito, corrigia milhões de coisas, era professor das maiores turmas e sentia-se explorado, extremamente explorado. Era para ele ter sido um grande engenheiro, um grande alguma coisa, ele era muito inteligente, ele mesmo sabia disso, sabia do seu potencial, mas resolveu fazer o que achava legal de se fazer da vida: achou realmente que alcançaria a consagração como um escritor. Balela. Se tornou um professor de ensino médio, daqueles que não gosta do que faz, que se sente mal por ser um professor do ensino médio, que não gosta do ambiente 'escola', pois lá os preconceitos se acentuam, pois os alunos são mesmo impiedosos com ele, uns com os outros, o colégio era algo que nunca tinha gostado tanto assim, mas, a vida deu voltas e voltas e voltas e ele nunca saiu do colégio. Sempre foi sozinho no colégio, até agora, quando professor. Apesar de ter constituído família, um filho muito bonito, por sinal, apesar de não ser mais aquele cara imageticamente sozinho - tinha filhos, mulher e não precisava dar satisfações a ninguém e seria razoável se ele se comportasse estranho no ambiente de trabalho, se se isolasse, pois ele tinha família, chegaria em casa e teria seu domínio e os outros não o maldiziam, ou o maldiziam a um nível não desmoralizador. E no momento em que saía, cruzou com as suas chefes: a professora de literatura e a professora de português. As duas, as duas eram coordenadoras, uma de literatura, outra de português. As duas, as duas mandavam nele, pois ele dava aulas de português e de literatura. Ora, mas que burrice do colégio, duas coordenadoras, ganhando mais e um só professor ganhando menos. Era uma dupla exploração, uma hierarquia que nenhum lugar estava acostumado a ver, duas pessoas mandando em uma. Estavam lá as duas, a de literatura fumando o seu cigarro, bem vestida, rindo com a de português, muito bem vestida. Ele passou, mal vestido, as cumprimentou rapidamente, não queria ficar olhando para elas muito tempo, elas também não lhe davam brecha para continuar ali olhando ou falando, ou ele não sentia essa brecha. Seguiu seu caminho, nutrindo o ódio que sentia por elas, a inveja que sentia delas, a vontade puramente capitalista de estar ganhando mais e de não estar menosprezado hierarquicamente. Andou mais pela rua até onde seu carro estava estacionado, girou a chave na porta, abriu-a e sentou, segurando no volante, onde ficou por uns 2 minutos olhando para frente e pensando, pensando no que fazia da sua vida, no que escreveria sobre isso, no valor que a sua escrita tinha, se deveria continuar acreditando em ser poeta. Ligou o carro e rumou ansiosamente para casa, para seu território, ver seu filho e acariciá-lo, como quem acaricia um animal de estimação muito amado, brincar com ele, conversar com a mulher sobre muitos problemas de correçaõ de prova, nunca sobre sentir-se menor que aquelas duas filhas da puta. Elas não eram nada demais, elas não sabiam tanto quanto ele, que era poeta, literato, profundo conhecedor de filosofia, artes, história, com QI acima da média. Por que razões ele era tido como menor, pensava ele inquietantemente enquanto via o balbuciar de sua mulher que falava sobre seu dia de trabalho e ele respondia no automático. Deitou, dormiu e acordou no dia seguinte, para trabalhar, onde viu a professora de literatura fumando o seu cigarro antes de entrar, essa desgraçada ainda fuma que nem uma corna, cumprimentou com o mesmo ódio sufocado de sempre, e seguiu portão adentro motivado por um enorme suspiro.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

uma história sobre uma possibilidade no vácuo

Sem saber direito o que fazia da vida insossa que ia levando, sem gostar nada desssa mesma vida, se desesperançou, via a morte tão próxima, parecia que já tinha vivido tudo e parecia que tudo já havia terminado. Ficou um bom tempo assim, nesse vácuo, nessa uma quase não vida, até que começou a pensar em tudo. Procurou livros e mais livros e mais livros, que os folheava, lia suas primeiras vinte ou trinta ou quarenta páginas, parecia sempre ter sabido daquilo e aquelas pessoas falavam o que ele queria ter dito. Começou a falar sobre os livros e só falava sobre os livros, até que esses livros começaram a falar de tudo. Falaram de todas as coisas que relacionavam-se com ele, com o seu vácuo. Pensou mais e pouco falava, nem falava sobre os livros, pois os livros falavam sobre ele agora. E falar sobre ele era falar sobre o vácuo, era mostrar o seu vácuo por dentro daquela posição ocupada nas suas relações. O vácuo era muito doido, havia milhares de possibilidades, milhares e milhares de possibilidades, todas dentro de um campo que era o padrão de possibilidades: isso era o que o deixava no vácuo, tudo o que tinha determinado essas tantas e tantas possibilidades. Ele queria voltar a viver, sair dessa realidade de vácuo determinado e passar a ser coisa novamente. Queria poder falar sobre coisas e não ser obrigado a falar sobre vácuo, mas como fazer? Dava trabalho. E, dizem a más línguas, continua só falando de vácuo, apesar de confessadamente não querer e militar fervorosamente pelo fim do vácuo e de suas possibilidades em esfera global.
Não por nada,
mas a vida calada
perde muito pra vida esbaldada,
que é para poucos,
bem poucos,
bem ocos,
ou não né...

domingo, 27 de julho de 2008

Retrospectiva Psicológica

- Outros humanos,
agindo perversos e insanos,
que me fizeram cometer o ledo engano,
de querer me juntar a vocês!

Em menos de um ano,
pensava tanto, mas tanto,
que uma vez caminhando,
afirmou-se Nietzscheano de vez.

E o tempo passava,
e nada ele aproveitava,
de dia dormia, de noite acordava,
até que foi pedir ajuda.

Era Freud quem procurava,
que em suas idéias se materializava,
que com seu método, diziam, salvava.
Mas será mesmo que alguma coisa muda?

Ele se prometia.
Era engraçado como às vezes se isolava. Não era por nada, especificamente, mas gostava de se sentir sozinho no mundo, ele mesmo, sem pai nem mãe, com apenas poucos amigos. E nesses momentos, tinha uma capacidade extrema, ele achava, de escrevder coisas que ele gostava de escrever, de citar momentos marcantes, personalidades marcantes.

De uma hora pra outra, contudo, trocava de vontade, invariavelmente. Queria encontrar todos, queria saber o que fazem, queria fazer o que fazem. Não via mais a sua escrita como algo fidedigno, não via nada no que escrevia, apenas um ranço mal-resolvido de coisas que ele ainda não tinha descoberto na análise. E tinha outra questão, que ainda era na mesma questão, achava que poderiam entender seus textos como fragmentos pedantes, preconceituosos e fora de moda. Corria atrás de fazer o que a qualidade de vida que tinha permitia e exigia que fizesse e não via sentido em nada. Aí voltava a isolar-se, onde também não via sentido. Por fim, acabou sofrendo de despersonificação e, para ele, ele não era mais ele, ele era alguém que não estava aí. Ele, ele mesmo, quem ele sentia que era, não existia.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Lendo uma revista esperando...

Tudo o que ela odiava em fazer análise era a possibilidade de encontrar alguém na sala de espera.

“Esse garoto, maldito, está sempre aqui quando eu estou indo embora, por que caralhos a sua sessão é depois da minha? E ele... ele ainda vem com essa carinha de quem quer dar um sorriso, cumprimentar, mostrar que é educado. E eu... eu com essa cara de choro, gorda, mas não somente, também grande, alta, imensa, com cara de gente errada, sendo vista fazendo análise por alguém, encontrando outras pessoas neuróticas que fazem análise na sala de espera da minha analista, que porra é essa que eu estou fazendo aqui?!”

Saiu de lá decidida, ia parar, aproveitando que tinha acabado de acertar as contas daquele mês.

A analista nunca mais conseguiu ligar para ela, que não atendia nenhum telefonema dela. E também, a certa hora, não quis mais saber, parou de ligar: tinha outros pacientes e esse não era nem de longe o caso mais rentável, nem o mais interessante. E ficou por isso mesmo, ela, ainda neurastênica e a analista, sem peso na consciência.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

num piscar de olhos

Cerro a pestana.
Conto mais uma semana
que eu levo essa vida leviana.

E isso está sendo um drama!
Rolo à noite na cama,
procuro quem não me ama,
não atendo quando o telefone chama,
enquanto não desatolo da lama!

plantei sementes de flores no meu jardim

Desbaratado de vontades,
expectativas,
aproveitar finalmente os encantos,
todas as coisas vivas,
libertar-me do tédio e do instinto,
contracenar com as mais belas beldades,
tudo está se encaminhando,
vai ser tudo lindo!

domingo, 20 de julho de 2008

Ciclo sem fim

Enclausurado no quarto,
avesso à luz do sol,
mergulho em mim de vez.

Vai ser um parto
praticar anti-infartos:
sair pra rua, ser feliz, fazer um esporte,
esquecer um pouco a má sorte.

Mas de mim não falta querer.

É só virar o mês
que me sinto sob o feixe de um farol,
inspirado,
apoderado da razão progressivamente mais forte,
de que devo tudo inverter -
ou nem me mexer.

sábado, 19 de julho de 2008

Sem nenhuma expectativa boa, sem nenhum componente atrativo, surge a opção. Não é a melhor opção, mas talvez a única, talvez a mesma de sempre, o fato é que era uma alternativa infalível. Depois de ilusões nutridas em outros carnavais, de cantadas bem dadas, a frustração, que acaba remetendo à volta à certeza. E voltei.
Caminhando, descendo a ladeira da minha rua, indo, não fumando o cigarro que estaria, se não tivesse deixado o tabagismo, fico não sei se pensando ou se anseando por algo que nem é tão verdadeiro, que nem é tão necessário, que não é realmente o que eu quero, mas eu vou, vou ficar esperando no ponto, olhando todos os carros que vêm daquela curva, esperando, com uma ansiedade, com uma vontade que não é minha, paliativo. E vai tudo passar, o carro vai passar e parar, vou entrar, tudo vai desembocar no que sempre se desemboca e, no retorno, eu vou calar, pra frente voltar a olhar e esperar a encostada do carro na entrada para carga e descarga do prédio da frente, onde sempre me deixam, onde sempre fico depois de receber uma carona de quem não pode ou não quer contornar a praça e me deixar na porta de casa.
Aí eu salto, sem dar o último tchauzinho de quem olha para trás sorrindo, atravesso a rua, que a essa hora está vazia mesmo, não precisaria nem olhar, mas olhei - e não vinha mesmo nenhum carro -, pensando em entrar no banho, fazer o que tiver que fazer para dormir tranqüilo e só me lembrar do meu sonho quando acordar no dia seguinte, com a cara amassada e a consciência pesada, dizendo "bom dia, mãe" ao dentar o meu pão de forma.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Eles se acertando...

Sem respaldo,
sou alvo do cochicho -
sinto muito
não me comporto como o bicho
que resiste consciente a esse caldo.

Até tinha entrado na brincadeira,
quando todos agiam inconseqüentes e incastos.
Mas se todos percebem seus fardos,
pensam atrasados
nos seus intuitos, nas suas vontades primeiras;
coisificam-me como praga estrangeira
e não censuram nem medem esculachos:
- Foi ele que nos levou com seu papo!
- Foi ele que mudou nossos fatos!

(E esse 'ele' era eu!)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

mesmo que esta não seja a melhor das minas.

Não deixo de remexer
nem de farejar torturado
por um distinto punhado,
nesse líquido misturado,
desta preciosidade maldita - o prazer.

E ele vem aguado:
em cada quantidade a colher
é preciso paciente entender
que há pouco, muito pouco - de doer!
dessa satisfação no fluído retirado.

Vou repetindo, repetindo,
sem ter como parar:
colho mais e mais, mecânico e banal,
acreditando - há de chegar uma hora,

que de tanto que o passei extraindo,
que nem mais consiga piscar
e, confiante no acúmulo total,
não queira mais da mina ir embora.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Incursão

Cansado da mesmice da vida urbana para os não descolados, Hugo resolveu destacar-se, interagir de novo, voltar à vida socialóide, estava na verdade cansado de andar num grupo de amigos que não era almejado por mulheres, nem almejava esse almejo - nossa. Certo disso, pois Hugo era uma pessoinha difícil, era cheio das vontades e sempre escolhia um dos seus egos para ser a sua verdade absoluta naquela fase da vida. Era uma pessoa multipolarizada e alternava entre esses pólos. Enfim, a verdade absoluta agora era voltar a badalar do jeito que ele gostava: conhecer geral, se lançar, se drogar, pegar gatinhas e não importava se agora descartava tudo o que tinha preconcebido como algo escroto.
Foi com grand força no que estava querendo para a vida: aproximou-se de um amigo que já havia se separado nessa busca e foi lá com ele, permear num mundo em que se trabalhava a imagem, que já se tinham imagens construídas, um meio do qual ele já fizera parte e se excluíra - essa ostentação imagética o incomodava e ele se sentia, na companhia dos amigos que tinha, inferiorizado.
Essa mesma sensação, esse outro amigo do qual agora Hugo se aproximava já havia sentido. E com grande intensidade, talvez semelhante à que Hugo sentia. Quando viu que os amigos desistiam dessa vida, ele se engajou intensamente, se distanciou dos amigos a ponto de quase não falarem mais com ele. Ele tentou ams não conseguiu muito: apesar de organizar festas, de ter um ou outro amigo mais-ou-menos, não tinha os outros amigos, tinha uma imagem inferiorizada, mesmo que todos dependessem das festas que organizasse, ele precisava das festas para se sentir dominante. E também de um amigo.
E o amigo chegou. Hugo procurou esse amigo, esse amigo já maldito entre os amigos que se distanciaram do mundo das festas, mas o que Hugo queria era exatamente isso: festas e algumas bucetinhas que provavelmente iriam atrás deles - existem muitas bucetas que não sabem da missa a metade. E o amigo - vou nomeá-lo, Juca - precisava de um parceiro pra seus interesses, não importava quais fossem, normalmente imagéticos. Mas Hugo queria imagem, o que o incomodava mesmo era a sua imagem escrotizada, comprometedora do futuro ao qual se projetava e, é claro, conseguia estabelecer na sua mente relações instintivas óbvias: estou incomodado com a minha vida porque com quem vivo não se corre atrás da trepada.

terça-feira, 15 de julho de 2008

as coisas sendo elas mesmas

Entre uma apitada e outra do seu Nextel, enquanto falava com sua mãe, que lhe lembrava de afazeres importantes, ele comentou com os amigos que estavam ao seu redor:
- Porra, que saco, ela sempre me liga pra ficar me lembrando das coisas que eu tenho que fazer.
- Ah, mas isso é bom - respondeu um dos amigos - pelo menos você lembra do que tiver que fazer.
- Mas o problema não é esse, cara - interrompeu-o - a parada é que isso é uma demonstração de que ela está pensando em mim, nas minhas coisas, que ela está de certa forma vivendo por ou para mim, sei lá!
- É cara, mas é porque ela passou muito tempo da vida dela cuidando de você, é hábito, vício, sei lá! - falou um outro.
- Não importa, eu não pedi pra nascer - era o seu bordão -, ela deveria saber que não deveria fazer isso, ela já foi jovem, já sofreu com os pais dela, ela sabe que o melhor para que eu não me irrite com ela é ela me deixar viver minha vida!
- É, mas é dificil... - concordaram dois deles.
E era isso, não era?

Morando Fora

Ela já estava morando em outra cidade há um bom tempo. Já tinha tido affairs, amigas, tinha até um namorado agora. Já tinha voltado a morar na sua cidade natal, depois voltado pra cidade que tinha ido, já tinha deixado de morar com quem morava. Já tinha sua vida sozinha na outra cidade. Mas seu coração - que clichê! - ainda era da cidade natal. Nada tão romântico, só o máximo que a vida pode ser romantizada com sentimento. Ela tinha amigos ainda na mente dela e os amigos que tinha eram aqueles que tinha deixado na cidade e que para ela estavam intactos.
Porra nenhuma. Na cidade natal, eles quase não se falavam mais e suas vidas já tinham sido tomadas - eles tinham conseguido outros amigos, e aqueles amigos antigos, bem, não pensavam mais como tão presentes nas vidas uns dos outros.
E lá, ela continuava vivendo, vivendo como se não fosse sua vida, vivendo como se fosse a vida que ela estivesse mostrando pros parentes que deixou na cidade, pros amigos que deixou na cidade, pras pessoas que moravam na cidade, que sabiam da vida dela e que, segundo ela pensava, estariam procurando saber da vida dela.
Ao mesmo tempo, ela estava lá, sozinha, sem participar de nada, só da vida que ela tinha arrumado, que era murcha de pessoas e compromissos sociais - um namorado e alguns amigos que ela nunca conseguia considerar como os outros, da cidade natal.
De tempos em tempos, vinha para cidade natal. Convocava a todos para que participassem da vida dela - e ai de quem não a encontrasse, seria uma demonstração de não amizade e de falta de integridade e também de esquecimento do passado. Encontrava todos, que pareciam não ser mais tão amigos assim, que ela também indagava-se se era aquilo mesmo que ela percebia, mas que não podia ser. Ela não tentaria mudar a vida dela. Lá, na outra cidade, a que agora vivia, ela não tinha amigos e para esses quase-amigos de lá, os da cidade natal eram os amigos, então muitas fotos ela precisava tirar. Continuava com seu mantra de serem todos ainda grandes amigos, com o seu mantra de que amava sua vida na sua nova cidade, com o seu mantra de que estava tudo se encaminhando para o que parecia ser o certo. E o que deveria ser o mais certo de tudo, ela que planejou o que indicava para a vitória. Para ela, para a imagem dela, os símbolos estavam bem-como-nos-filmes. Com uma diferença que ela não queria levar em conta: era latina, loira falsa, barriguda e não morava em Beverly Hills.
Era engraçado como às vezes se isolava. Não era por nada, especificamente, mas gostava de se sentir sozinho no mundo, ele mesmo, sem pai nem mãe, com apenas poucos amigos. E nesses momentos, tinha uma capacidade extrema, ele achava, de escrevder coisas que ele gostava de escrever, de citar momentos marcantes, personalidades marcantes.

De uma hora pra outra, contudo, trocava de vontade, invariavelmente. Queria encontrar todos, queria saber o que fazem, queria fazer o que fazem. Não via mais a sua escrita como algo fidedigno, não via nada no que escrevia, apenas um ranço mal-resolvido de coisas que ele ainda não tinha descoberto na análise. E tinha outra questão, que ainda era na mesma questão, achava que poderiam entender seus textos como fragmentos pedantes, preconceituosos e fora de moda.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Garotagem Zona Sul

"Fez sol, tô na praia!" - esse era o mantra que um carioca repetia. E esse carioca, certo dia, ligou para outro carioca, que não gostava de praia. Ligou:
- Partiu praia, Zé!
- Será?
- Bora, cara, já liguei pro Fred, pro Cacá, vai geral, acorda aí, faz as paradas, tipo comer, etc, e me liga.
- Já é.
E desligaram o telefone. O que não gosta de praia pensou muitas coisas que o outro nem sequer tinha pensado. Pensou nos assuntos praianos, nas formas físicas praianas, na sua forma física, digamos, paulista, nas vontades praianamente embutidas e preferiu hesitar.
Ligou para outro amigo carioca não-praiano e convenceu-se da verdade: a praia era chata, por algum motivo, que não precisavam elucidar, pois já tinham essa sensação como verdade. E não comentaram, simplesmente cogitaram se havia a real necessidade da investida até a rua Joana Angélica, em Ipanema - moravam em Copacabana, onde não se costuma ir à praia - e logo concluíram, sem mais delongas, que não iriam.
Nem ligou para o outro amigo, que já sabia de outros carnavais que havia grande possibilidade do Zé não ir - e não foi.
E, de qualquer forma, o sol continuava lá, queimando o Rio e os cariocas foram à praia e tudo aconteceu como deveria acontecer no Rio, talvez sem um ou outro, que não faziam diferença. Os cariocas, imageticamente, continuaram não gostando mesmo de dias nublados.

Pós-night

Quando estava ao redor dos outros, ela era misteriosa. Não que não falasse, não que não interagisse, não que não estivesse agindo normalmente, estava, mas não era isso, não era por isso que chegava em casa e sentia-se daquele jeito. Com os outros, bebia e bebia e dava conselhos, conselhos às amigas, que amavam seus conselhos, sua companhia e indagavam internamente, talvez até umas com as outras, nunca com ela, por que diabos a amiga não pegava ninguém! No fundo todas sabiam, até ela já sabia o que achavam, ela era meio feinha, a mais feia do grupo, era meio calada, apesar de não tanto e sei lá, talvez ela fosse assim. Mas ela sabia outras coisas, que só ela sentia.
Chamou o taxi e entrou:
- Me leva ali pra Botafogo, perto da 19 de Fevereiro, ali pela rua do cemitério.
Dentro de taxi ela via o aglomerado de gente ir embora, não tão rápido a ponto de distorcer nada, via perfeitamente os semblantes risonhos de todos, os semblantes que ela mesma sustentava há pouco tempo atrás, antes de resolver ir. Pensou em possíveis azarações, descartadas rápidamente sem saber por que. Dentro do taxi, pensou que talvez, se já estivesse mais velha, se pudesse analisar com um olhar de quem já viveu... Mas que merda isso! Desejou muito, mas muito, chegar em casa. Havia uma sensação de estranheza a tudo e de tudo a ela.
E essa sensação elas, as amigas, sentiam, essa sensação ela sentia.
Abriu a porta do apartamento, segurança, isolamento. Agora estava em casa, território seu, e podia sentir e pensar tudo aquilo sozinha no quarto - e certamente escreveria alguma coisa sobre isso, muito para não deixar passar em branco aquilo que tinha tudo pra passar.

sábado, 12 de julho de 2008

antecipando-se ou pulando fora ou, quem sabe, fazendo a coisa certa.

A qualquer simples virada, vinha e tecia um comentário. Depreciava a situação e não via-se na sua área de atuação, que era, insuficientemente, do tal a quem ele cochichava. Luzes piscavam, ensurdecidos a ridículas distâncias, muitos olhares trocados sem correspondência nem compreensão e muitas, muitas gargalhadas dadas ao redor sem que se soubesse ao certo a razão e a procedência inteligível - certa neurose.
Sacudiram a poeira, o sem-poder e o cochichado, criaram constrangimentos, para si e para os outros, que indagaram torto, e deixaram o lugar.
Também deixaram enunciados: suas péssimas atuações e seu afinamento quanto à função desempenhada naquilo deixado para trás daquela porta - nenhum.

voltando sozinho

Se anseio
sem devaneio,
das extremidades,
o meio,

não reluto,
em não ficar puto,
com as adversidades
desse luto.

Se há em produto,
se me rende algum fruto,
se traz tenacidade,
vá lá, eu escuto.

Mas com o pé no freio,
eu confesso, arreio,
engulo seco frialdade
e pra sul me norteio.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Me atento para o que me criou.
Minhas tomadas sucessivas de consciência,
minhas moralidades embutidas,
minha condição como humano.
Tudo o que me influenciou
para que agora eu me tornasse
alguém que sabe o que quer ser,
se conseguir,
daqui a um tempo.

domingo, 6 de julho de 2008

Roberto Marinho chegou no céu e logo cumprimentou São Pedro: eram velhos conhecidos. Os santos e as divindades, para quem não sabe, só faz contato com os ricos, essa é a verdadeira razão de se tornar rico.

E como Roberto era muito, muito rico, já tinha dado muitos jantares para muitos santos em sua casa. Se encarregou de ser nome garantido na lista do céu e descobriu como isso era possível. A princípio, todos passam eplo juízo final sob o julgo de Deus. Mas, sabe como é, com o tempo, a coisa começou a se burocratizar. Muita gente começou a nascer e, por conseqüência, morrer. Então, Deus começou a lançar seu poder para algumas pessoas, que se tornaram os santos. Os santos, a partir daí, começaram a exercer seus poderes em setores determinados. E o setor de juízo final, um dos mais polêmicos, Deus resolveu despachá-lo todo para os santos que nasceram na Terra entre os anos 50 a.C. e 250 d.C.

Roberto Marinho, por ser rico, pode conhecer partes do céu. Mas como? Seu capatás, Onorico, descobriu que São Tomé, aquele que só acredita no que vê, estava gostando de ver muitas coisas: havia descoberto as drogas alucinógenas. Onorico começou a preparar-lhe chás de cogumelo, comprar-lhe ácido; Onorico preparava uma viagem à Holanda. Em pouco tempo o hábito se dissipara para outros santos. O não bobo Roberto fez um jantar em sua casa. Comeriam tudo do bom e do melhor, os humanos, e os santos teriam o quanto quisessem de drogas alucinógenas. Mas Roberto era esperto, e como era. botou todas as outras drogas para que consumissem ali. Antes de morrer, Roberto já tinha conquistado seu lugar no céu.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Sintetizar

Enrouqueceram os modernistas
como a eles antes enlouqueceram.
E os parnasianos, os realistas e os simbolistas:
todos reeditados ou abafados
e esqueceram de tudo o que haviam clamado,
assim como as mágoas dos românticos ironizaram.
Simplesmente negaram a fuga arcadista
e, do barroco, o antagonismo, inutilizaram.
Os trovadores?
Esses são os velhos mais chatos.

Quero trazer-nos todos os seus gritos e abraços.
Vou comprar suas brigas, seus medos, suas lágrimas.
Vou ver se resolvo logo isso,
essa vida que nos tem a todos motivado.
Atento, atento
a tudo que der e vier.
Não devaneio tão profundamente,
mas até que não desgostaria.

Lento, muito lento:
nada faço para ver em mim a mulher.
Aí não derramo lágrimas afluentes
e ataco do meu jeitinho Bahia.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Sobre o não ativismo

O que sinto, o que sinto, o que sinto
é que me alienei.
Mas não sinto, não sinto, não sinto
se me prejudiquei.

Se o que é, é sentido,
não sei do mal
e, munido da tranquilidade geral,
sou partido enrustido
da paz metabólica animal.

Tenho vida,
Tenho casa
e não me lixo pros outros...
O meu luxo? É pouco!
Não sou rico, não grito,
e não é porque estou rouco -
nem louco!

Culpa,
inércia
ou conspiração.

Versos Humanos ou não

O meu lugar poético
é meu olhar estético
com agravantes ascéticos
de presença humana ocasional.

E por isso eu o procuro,
tateio no escuro,
ou em cima do muro,
ainda cheio do eu-racional.

E assim todo dia eu peço,
não sei se paz ou sucesso,
mas me escaldo em excesso
só de ver outro olhar.

(igualmente aos humanos,
o que sou por baixo desses panos,
é alguém bem mundano - ou profano! -
com um ego a zelar.)

quarta-feira, 2 de julho de 2008

O novo amigo

Ao contrário de como terminou, o início foi algo completamente usual. Havia um grupo de amigos e alguns integrantes daquele grupo ficaram amigos de uma outra pessoa, o que acabou aproximando os outros integrantes do grupo do novo amigo daqueles alguns, que a certa hora já era mais um integrante daquele grupo. Não que ele tivesse deixado de ter outros amigos, tinha outros amigos, muitas fotos com outros amigos, com vários outros amigos e devia ter mesmo, porque não se encontrava ele todo dia, mas isso só no início. Depois de uns dois, três meses os amigos dele, alguns dos das fotos, começaram a aparecer nos mesmos momentos que os novos amigos, pois os novos amigos já freqüentavam-no todos os dias quase; ele começou a mostrar-se meio rapper - soltava umas palavras às vezes desconexas ao som de uma batida -, desenhista, e sempre tinha uma casa disponível, mesmo que seus avós, com quem morava, odiassem a balburdia cotidiana. Aos poucos, os antigos amigos começaram a não aparecer mais.
Sobre o novo amigo, o grupo começou a descobrir coisas. Transtornos psíquicos eram o forte desse recente integrante, tinha alguns: déficit de atenção, crises de pânico, bipolaridade - e tudo era ele mesmo quem contava, algumas coisas para uns, algumas para outros, que se comunicavam e acabaram obtendo as informações por completo. E, por ter todos esses distúrbios, era fato que se medicava. A única coisa que ele falava na frente de todo o grupo era sobre espíritos. Trazia sempre informações novas do centro e tentava convencer o seu novo grupo de muitas coisas que ouvia, mas não dava: eram totalmente ateus, agnósticos, sei la, praticamente desespiritualizados - sem querer fazer o trocadilho.
A partir de certo momento, ele começou a contar, primeiro para uns, depois para os outros, nunca em assembléia, algumas coisas de seu passado. Contou do número de vezes que foi internado, contou as razões para as suas internações e tentou explicar para todos a loucura que ele pensava, relacinava tudo com espíritos - e os caras do centro espírita exaltavam como se ele fosse um enviado. Ele disse que havia sido internado uma vez por ter tentado matar a avó, e nada contou do período de internação. Contou apenas que voltou muito gordo dessa vez, por causa da medicação. Para outro, contou a mesma coisa só que detalhou algo talvez insignificante: havia um quadro em sua sala de um velho magro e esquisito, que ele tinha certeza plena de que seu avô havia pintado ou mandado pintar a imagem dele quando decrepto, cego e louco. O engraçado é que ele contava isso como se estivesse curado.
Tinha dito ser internado 8 vezes ao longo da vida, o que alguns presumiram era que todas as vezes foram durante o mesmo processo de maluquice, outros acharam que foram em momentos diferentes e o cara era muito mais louco do que parecia.
O garoto, depois de ter soltado no colo dos amigos tudo o que era, parecia esperar deles algum retorno, algum tipo de abraço se comparado a algo físico, ou talvez algum tipo de semelhança no novo grupo em que se inseriu. Na dúvida se tinha conseguido, começou a dizer ufanistamente para os novos amigos o quão maravilhoso eles eram. Que sentia como se fossem iluminados, muito diferentes de todos e que, por isso, ele os amava e não queria perdê-los de forma alguma - eram os amigos especiais, muito especiais que ele queria guardar para sempre.
As coisas começaram a ficar realmente estranhas para o grupo. Ele agora tinha uns surtos envolvendo todos. Ele apaixonou-se por uma das meninas do grupo, que não queria nada com ele e por causa disso ele achava que ela o sacaneava muito, que ela queria de alguma forma o seu mal, que ficava fazendo a cabeça dos outros contra ele. Outro surto foi quando ele começou a achar que um dos amigos não gostava dele e só queria explorá-lo de alguma forma louca. Os surtos começaram a ficar muito grandes.
Um dia, depois de algum tempo sem vê-lo, um dos amigos chamou-o, de madrugada, para ir a sua casa, pois estavam 3 do grupo lá e era período de férias. Ele chegaria lá de skate, fumariam alguns baseados, conversariam sobre alguma coisa e depois todos, menos o dono da casa, iriam para suas casa. Depois de um tempo considerável de espera, ele chegou, esbaforido. Contara que seu skate sumiu uma hora, contou que encontrou um velho com um sarrafo com o qual batia no chão quase que diabolicamente, disse ter encontrado um cara que sumiu, mas tudo isso em forma de informações soltas e desconexas. Devia ter aumentado as doses do remédio, ele estava meio estranho, falava enrolado, nunca concluía um raciocínio, parecia estar voltando a alguma maluquice. Ele dizia dessa vez que esse tal grupo eram os grandes amigos dele, que eles eram muito especiais, com todas essas letras.
Fumaram, os 3 assustados, tentando entendê-lo, mostrar-lhe primeiro calmamente depois agressivamente que ele estava surtando, começaram a gritar muito alto e eram mais de 5 da manhã. Ele, que não conseguia dizer nada, começou a mostrar-se irritado, muito, muito irritado. Tentava explicar, tentava e tentava e não conseguia. Foi ao banheiro.
A janela do banheiro era realmente próxima da janela do quarto. Os três confabulavam baixo sobre os surtos do amigo, ele realmente estava louco, comentavam sua loucura como razão dele não se dar bem com os avós, ocmentavam sua loucura em todos as ordens, números e graus. Mesmo que falando baixo, ele ouviu tudo, tudinho.
Saiu do banheiro em silêncio e direcionou-se para a cozinha. Pegou uma faca grande e não hesitou: foi direto para o quarto finalizar tudo. Ele apareceu com uma cara estranha, sentou na cadeira escondendo a faca e, de súbito, esfaqueou 8 vezes suscessivas por trás o que estava sentado no computador. Os outros dois, em desespero começaram a gritar e tentaram sair do quarto. Ele foi atrás. Antes que saíssem do apartamento gritando e os vizinhos aparecessem apreensivos, uma facada atingiu a perna de um.
Saíram correndo pelo prédio, gritando, mas ele já havia parado. Fora na porta do apartamento que ele estava e onde ficou até que chegasse a polícia.
A família do jovem morto, que era o dono da casa, ficou desesperada, mas, enfim, o filho morreu e, da morte, ninguém volta, e tudo dela que havia morrido com o filho acabou voltando à vida.
O garoto, o louco, o amigo assassino, se é que isso é possível, foi internado de novo, talvez para nunca mais voltar. Todos souberam que ele havia matado alguém, todos aqueles amigos das fotos que haviam se distanciado dele no momento certo, quando passaram a bola para outros, aterrorizaram-se com a história, tinham um amigo assassino, apesar de pensarem também o que teriam feito para que o louco surtasse, se é que fizeram.
Sua avó, depois do enterro, ligou para um dos amigos, que não os que estavam na cena do crime, e pediu desculpas e disse que ele tinha problemas, que ele já devia ter-nos contado todos os seus distúrbios e suas epopéias lunáticas - o que ele tinha realmente feito - e falou uma coisa que solucionou a equação dos motivos pelos quais ele havia matado um deles e tentado matar os outros dois:
- Ele tem déficit de atenção, bipolaridade, crise de pânico e transtorno de impulsividade.
Dessa última ninguém sabia.