quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

economias instintivas

Existe no triunfo uma dimensão que é econômica, mas não de uma maneira trivial, respaldada em alguma vaga noção comum de materialismo. Não é todo triunfante que, de imediato, adquire a recompensa monetária pelo que fez de bom. A dimensão simbólica, essa que não é obrigatoriamente monetária, segue, no entanto, uma lógica econômica específica, que não deixa de ser material. Os benefícios conseguidos pelo triunfo simbólico, ainda que não sejam necessariamente monetários, possuem uma lógica materialista específica. Além da cooperação com o triunfante em virtude do reconhecimento do feito, que acarreta em si benefícios como "casa, comida e roupa lavada", o triunfo garante um benefício à sobrevivência do tipo individual por uma via transgeracional. Protegidos os seus herdeiros pela história da sua família e pelos capitais simbólicos de toda ordem adquiridos, como até mesmo a beleza, e, ironicamente, a amabilidade e o savoir-vivre, o gen individual alcança o benefício máximo, instintivo, que é distinto do ganho monetário - podendo também somar-se a ele. A sensação de satisfação quando alcançado o triunfo de qualquer ordem simbólica, aí incluídos também o dinheiro, a união com os belos e os bons e os benefícios honoríficos de toda ordem, é a prova cabal de que o benefício da aquisição do poderio simbólico segue uma lógica econômica que visa algo maior, de mais longo prazo, de um comportamento residual: a imortalidade do seu tipo. Nenhum invejoso é invejoso apenas do dinheiro. Nenhuma vitória é somente monetária. Nenhum amor correspondido é resultado de um cálculo tão realista...  Mas seguem uma lógica de preservação biológica, que implica em uma economia relacional, que necessita também de desenvolvimento econômico-produtivo, mas em uma segunda instância. O desenvolvimento econômico-produtivo apenas permite a perpetuação no longo prazo das batalhas simbólicas -- e por isso é tão importante, mesmo que não seja a economia monetária propriamente dita o seu motor principal. O que acontece é que o indíviduo biológico responde a muitos estímulos instintivos. Procurar, portanto, primeiro nas motivações econômico-produtivas as disputas dos seres humanos por benefícios materiais sociobiológicos é insuficiente. Chegar-se-á a elas, mas partindo de um outro ponto de vista. É preciso analisar a motivação materialista do ponto de vista individual subjetivo, mas comum a todos os indivíduos, tão evidente quanto imperceptível: os indivíduos da espécie humana seguem os seus instintos reprodutivos, por exemplo, o nutricional,  assim como muitos outros, que são facetas de um mesmo instinto geral pulverizado, que é o instinto vital, o impulso vital, a força do gen, que orienta a motivação econômica biológica das relações humanas de facto: nos vínculos criados pelos afetos, pelo amor, pelas amizades, pelas associações, etc -- e pelas peleias também. Em outras palavras, instintivamente, os indivíduos balanceiam, de acordo com suas percepções simbólicas acerca da capitalização simbólica dos outros, aquilo que lhes será, segundo a percepção deles, subjetiva, da realidade objetiva das suas próprias vidas, benéfico. Os indivíduos buscam se associar a valores que permitirão a perpetuação do seu próprio tipo transgeracionalmente, por meio dos seus sentimentos: tudo isso é instintivo, inevitável e imperceptível a nós mesmos; e justamente por ser inevitável e imperceptível é que é instintivo. As brigas, os conflitos, a inveja, o amor, o apego, a amizade, são fruto disso, dessa economia biológica simbólica em disputa, que tem na economia produtiva o seu substrato, o seu meio de execução, mas uma economia produtiva que "alimenta" de bens os indivíduos imersos em batalhas simbólicas instintivas, que seguem a lógica individualista-subjetiva materialista biológica -- em outras palavras, que seguem o materialismo histórico apurado, kantiano, fenomenológico -- ou, o que vale dizer, o materialismo crítico.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

vida e morte tragédia

O problema entre o trágico e o pós-trágico perfeito consiste na sempre provável incapacidade de superação da tragédia pelo limite que a condição de mortais nos impõe. Basta imaginarmo-nos como seres imortais, que perceberemos uma medida de tempo infinita para que se resolva qualquer problema. O conhecimento, assim, torna-se útil. A questão toda entre o trágico e o pós-trágico então é com a morte, que nos impede de superar os erros, e de antever os próximos no longo prazo. O modo de vida trágico, que ainda concebe a morte como limitadora da vida, tem de ser substituído para que a humanidade possa solucionar-se, e somente assim a arte poderá superar a tragédia. A arte só será verdadeiramente apreciável quando alto-produto de uma sociedade de indivíduos que possuam imortalidade terrena, corporal, secular. Somente então a arte terá capacidade de experimentar a verdadeira forma pós-morte-da-tragédia.

sábado, 21 de outubro de 2017

sobre a cura

Não digo que todos pensem assim, mas há uma tendência a se crer, "com respaldo na teoria psicanalítica", que aquilo que o super-ego evidencia como perigoso ao lançar mão do recalque do desejo seja a mais pura fantasia. O próprio método da psicanálise pode levar a pensar dessa forma, uma vez que o paciente, individualmente, deve enfrentar o trauma e provar para si mesmo a possibilidade de realização do desejo. Há um certo risco aí, que é o de não se levar em conta o funcionamento social humano, que muitas vezes impede as pessoas de realizarem suas vontades. É como se a psicanálise tentasse fazer os indivíduos repetirem incansavelmente uma busca, "dando murros numa porta até que ela se abra". Sob o risco de "dar murros em pontas de faca", o indivíduo deveria ir incessantemente atrás de seu instinto primitivo, até que ele se cumpra, e o paciente se deságue. Quantos desejos uma pessoa consegue realizar na vida e quantos ela não chega nem a conseguir desejar, por estar ainda buscando a superação de traumas para a realização de um antigo? O melhor seria poder viver em mundo em que as pessoas se realizam com mais facilidade, para que novos desejos surjam cada vez mais, para que sejam realizados, infinitamente... O que eu gostaria de evidenciar aqui é que o próprio tratamento psicanalítico segue uma lógica de uma espécie de conformismo quanto à ordem social vigente. O paciente se explica para seu analista que buscará, pelos meios do paciente, reverter a sua condição recalcada e encaminhá-lo à realização de suas aspirações recônditas. A psicanálise talvez não dê conta, e talvez seja o espaço aqui da sociologia, de um tratamento total da sociedade. É difícil pensar um verdadeiro tratamento psicanalítico que almeje resolver o problema do paciente apenas pelo caminho da cura individual. É quase como um exercício repetitivo que buscará desqualificar as impressões individuais dos sujeitos, furtando-lhes a realidade, e apresentando o mundo como um paraíso limpo e pronto para que se alcancem os anseios. O que seria a cura pela psicanálise, senão a reintrodução de um indivíduo na luta perpétua pela realização dos seus quereres, mesmo que lhe custe a denegação daquilo que o fez retroceder? Uma cura completa dos indivíduos deve buscar a transformação da sociedade em uma que permita aos sujeitos realizarem mais e mais suas amibições. Não sei ao certo que caminhos deva tomar essa transformação, mas creio que passará pela educação. Não é comum de se ouvir que quem faz análise esta pagando alguém para aprender a lidar com pessoas que deveriam, elas, estar fazendo análise: é assim que eu entendo, às vezes, a verdade do tratamento psicanalítico. 

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

bzzzzzzzz
eu queria ser feliz
mas não sou
ser famoso
mas não sou
ter dinheiro
mas não tenho

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

amor camuflado

eu não sei se quero sair sozinho,
ou ficar amigo dos outros.
amigos, amigos, negócios à parte,
ou não.

no mundo perfeito,
não se dará um perdido,
o toco (de louco),
pros outros na luta.
nem haverá os perdidos,
os loucos,
precisando dos poucos (dos outros),
de ajuda.

pena não termos chegado lá ainda...
pena não termos chegado lá ainda...

uns ainda somam, e outros ainda subtraem:
pesado, em nós, um pecante horror;
pelo outro, então, um maligno amor:
um amor engraçado,
um horror camuflado,
que nos ensinam a multiplicar,
pra não dividir,

porque é isso aí...
porque é isso aí...

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

a força do impulso vital

O desejo de perpetuação do próprio gen individual de cada ser humano (impulso vital) não é dotado de todo o domínio da verdade. Ela esconde-se atrás de um illusio que determina por onde o gen deve atacar. Se o legado e a vida após a morte representavam o illusio do gen de antes da modernidade, a própria força do gen, pela lógica do erro e do acerto, ampliou a acumulação do conhecimento conforme a sociedade foi crescendo de tamanho e atualizou a noção contemporânea de verdade: o aumento de uma comunidade impulsiona a capacidade que a humanidade tem de percepção da realidade, e a verdade se torna progressivamente mais clara, quanto maiores são as bibliotecas; para que mais gens se perpetuem, a ciência se desenvolve mais, chegando o conhecimento humano a um ponto em que o ateísmo e o medo da morte encerram a vida além-mundo, a ideia de legado e até a importância instintiva da transgeracionalidade genética. Nasce o desejo instintivo pela imortalidade na Terra, e ocorre o desenvolvimento do conflito entre duas razões básicas, que inauguram o mundo pós-deus: a razão para a imortalidade terrena e a razão para a vida única. O instinto humano de preservação da vida, observando-se a sociedade como um todo, se percebe mais facilmente - e com força dominante -, tendo a expectativa média de vida apenas se alongado com o progresso técnico e científico. Essa parece ser a tendência da humanidade em seu conjunto, perseguir a razão instintiva, da imortalidade. Mas os artistas decadentistas, por outro lado, talvez dos poucos que experimentaram a razão da vida única, mostram a latência dessa razão, cada vez mais percebida no drama "microscópico" da vida cotidiana, e que parece ser mais racional, sabendo-se da improbabilidade de se alcançar a imortalidade no prazo de uma vida atual. Esse me parece ser o embate ideológico estruturante desde que a humanidade passou pelos séculos das luzes e das dores: filisteísmo, longevidade e imortalidade de um lado e decadentismo, hedonismo e tragédia da vida de outro.

sábado, 12 de agosto de 2017

imortalismo e materialismo histórico: a questão do poder simbólico

Como terá a humanidade chegado a tal ponto que os indivíduos pensam em si, em se enaltecer e em buscar o máximo de vida? A humanidade sempre funcionou sob esse mesmo princípio individualista, que era antes apenas velado por variáveis não atéias. Na atualidade, ele se manifesta baixo o clamor pelo gozo e pela imortalidade, como direitos universais. Para que ele chegasse até esse ponto, existiu um desenvolvimento demográfico que precisou ser ponto em prática, a fim de que o trabalho social produzisse mais, para que o desenvolvimento das sabedorias humanas pudesse ser expandido, e a consciência se aperfeiçoasse. E essa expansão demográfica ocorre por meio de um fenômeno auto-induzido pelo tipo humano, latente desde suas estruturas individuais, que é uma economia natural pelo auto-enaltecimento, ou economia instintiva. Resta, então explicar como esse fenômeno, digamos, teleológico, para ser direto, dispara a partir da dita estrutura individual que possui a sua latência.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

história econômica da imortalidade

O impulso vital me parece ser o grande motivador das existências dos homens, uma vez que aqueles que protegem as vidas de cada indivíduo são alçados a posições de liderança. Mas também é o impulso vital que coloca esses mesmos líderes em tal posição de superioridade. A razão disso é que provavelmente o impulso reprodutivo, "a força do gen", fala mais alto, resultando em que o mais forte ceda a vida aos outros, em troca do seu prestígio de homem bom, insígnia que garantirá aos seus herdeiros o prolongamento de sua linhagem. Dito de outra maneira, os organismos vivos, de uma maneira geral, se esforçam por estabelecerem-se na terra o máximo de tempo possível,  a dita força biológica refletindo no desejo pela vida e pela reprodução, anteriores, que convencem os humanos mais fracos a aceitarem a dominação, e os mais fortes a cederem parte de sua força. O que acontece é que a pulsão incontrolável pela existência - e pela imortalidade, que se desdobra na criação de legados - é uma regra geral, que perpassa desde os escravos aos senhores, dos plebeus aos nobres, dos proletários aos burgueses -- dos maus aos bons artistas... Como é importante para o senhor ceder aos seus súditos cada vez mais vida, para que ele se enobreça mais e perpetue seu legado, também é irremediável que, conforme cresça a plebe e os subalternos, também se estenda a eles o desejo pela imortalidade, pela continuidade de seu legado. Conforme a plebe aumenta, aumenta o contingente de demandantes por perpetuação de sua linhagem, ampliando-se, assim, o quanto de si os líderes terão que dar ao povo -- o desenvolvimento desse processo de expansão da demanda de prolongamento da linhagem só se torna possível se a produção material for capaz de dar conta de abastecer mais pessoas. Essa dinâmica política chegaria a um nível tal em dados momentos históricos que a necessidade de revoluções social-produtivas impor-se-ia, de modo a atender o impulso vital que busca expandir-se. Maior o legado de alguém quanto maior for a capacidade material e objetiva da sociedade que suplanta o prolongamento do seu gen. O ganho que o século da modernidade garantiu ao pensamento teológico -- ou ateológico --, como desenvolvimento dos esforços tecnológicos alimentícios e militares, foi a ciência e o niilismo metafísico. O Romantismo, exacerbação máxima do indivíduo e da vida íntima, tem como forte característica o abandono da noção de transcedentalidade, e até de transgeracionalidade! Não é por acaso que historicamente ele se localize como a espuma das Revoluções Industriais, surfando no crescimento vegetativo europeu... A partir do Romantismo, o impulso instintivo humano de perpetuação do seu tipo, que cada indivíduo comporta, foi intelectualizado; e então se percebeu o quão irracional poderia ser a busca pelo legado ou pela vida após a morte. E como o instinto não se pode controlar, o desejo do gen encontrou na ciência uma muleta -- e procurou na sua exponencialidade de geração de conhecimento a solução para o seu impulso instintivo: o homem, pela ciência, pela medicina, amplia sua capacidade de conservar e enaltecer a vida. Inconscientemente, ele continua procurando a vida eterna: agora a sua, individual, corporal, uma vez atingido determinado patamar de desenvolvimento das forças produtivas. Talvez não seja demais dizer que a luta pela imortalidade nas três dimensões configura-se o sinal atual do que seria o telos que o impulso vital impõe à vida, que se expressava mais simplesmente no passado na disputa material e econômica dos povos ao longo dos séculos pela perpetuação do seu legado étnico-cultural. O fenômeno do Romantismo corrobora esta ideia pela seguinte razão: uma vez eliminadas, ao menos em abstrato, as ideias de nobreza e legado -- assim como eliminados os entraves produtivos à acumulação e à abundância econômica -- o homem dá-se conta da sua individualidade, da sua morte e da tragédia que ela representa em vida, já que não se admite mais a ideia de que um legado ou de que uma vida após a morte possa perpetuar a existência, agora desencantada, habitando um organismo vivo individual, um corpo, e não mais uma entidade transcendental ou transgeracional. Nasce, então, o Realismo. A noção da corporidade da alma, e de sua finitude,  jamais abandonou o pensamento ocidental com a força do ateísmo desde as Revoluções Liberais e Industriais, talvez infelizmente -- mas ela fez um filho interessante, e um neto da maior importância: do Realismo, forma de arte anuncia a sociedade que já assume corporidade da alma com a dureza da consciência plena de um fato, nasceu o Futurismo (filho), que deu a luz à Revolução Bolchevique (neto), inspirada pelo cientificismo absoluto, apoiada por interessantíssimos futuristas russos, pais do Programa Espacial Soviético, amantes do Imortalismo moderno materialista, como Nikolai Fiodorov, alimentadores das esperanças -- econômicas -- da humanidade .

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Eu quero viver para sempre
eu quero ser imortal
quero ser jovem para sempre
no biocosmos espacial

todo mundo tem direito de nascer
mas ninguém hoje deveria mais morrer
o universo é infinito amanhecer
a humanidade tudo pode reverter

Se reformarmos a tragédia da Babel 
Um novo homem poderá subir ao céu 
Nossa utopia vai mudar tudo o que há
e transformar as coisas pra nos libertar

quarta-feira, 10 de maio de 2017

carta de um (não) suicida

Tem algo que me preocupa muito na atualidade, que é a questão dos sentimentos verdadeiros. Os dias passam e eu me pergunto sobre a existência real deles. Nessas idas e vindas, eu me deparo tanto com obstáculos à sua aquisição como com formas alternativas de alcançá-los. A começar pelos seus obstáculos, o que figura como o principal deles é o interesse dos humanos por objetos que lhe são alheios e cobiçados por muitos. Por desejarem tais coisas, as pessoas podem acabar transitando pelo mundo social com um modo particular de veleidade, como se não fosse verdade aquilo que procuram mais reconditamente. O amor verdadeiro pelas pessoas ao entorno, em um sentido específico, não se mostra em sua for mais pura; e podemos instrumentalizar as pessoas que nos são próximas para a aquisição daqueles bens que despertam interesse em muitos. Nesse sentido, o obstáculo é o egoísmo, e o amor verdadeiro é um sentimento marcado por um recolhimento dos impulsos individualistas e por uma vivência da vida em sua forma mais abnegada. Se passarmos para as formas alternativas de encontrá-lo, podemos encontrar um envolvimento talvez mais profundo com a vida mesma. Para lá de pensarmos o mundo em sua forma ideal, para lá de pensarmos no absenteísmo do desejo e do interesse volitivo, a procura pelo amor verdadeiro pode passar pela forma como lidamos com essa dinâmica específico de desejo e alcance dos bens que são desejados por todos. Todo aquele que percebe a veleidade do outro diante das suas propriedades deveria permitir, diante desse mundo povoado por culpa e pela dificuldade de dizer a que veio, que ele o possuísse em suas mãos, sem questionar a verdade sentimental daquele que se estaria dissimulando a aproximação.

É claro que semelhante fórmula deveria valer para todos. Os sentimentos verdadeiros deveriam permitir que as pessoas pudessem compreender-se de maneira igual nesse jogo estranho que é o mundo da aquisição de bens desejados por meios condenáveis do ponto de vista puritano do amor verdadeiro. Inclusive aqueles atrasados, que batalhavam, outrora, seja pela resolução das injustiças econômics, seja por meio da educação rigorosa, seja por meio de práticas religiosas ascéticas. O retorno à vida real, a busca pelo amor na verdade do mundo é um processo que envolve uma forma de pensamento total, que dê uma volta completa nos cosmos e retorne para o ponto que interessa, sem que se volte a uma consideração retórica e sofística das incoerências das posições anteriores.

E talvez devamos, ainda, batalhar para que a abnegação não necessite mais existir, e que essa dança de pessoas sociais na busca do desejo possa não representar mais também nem a manipulação nem a instrumentalização do outro. Deve haver uma batalha para que o mínimo justo comum garanta a todos uma igualdade de propriedades, ao menos para que possamos sobreviver fisiologicamente, para que a dança se dê por bens que sejam apenas supérfluos. Para o bem de todos.

(Não seriam, contudo, os bens supérfluos aqueles que um olhar mais ingênuo deseja? Todo ser humano que procura o amor verdadeiro em uma transcendência da inveja ou do ser invejado estará sendo um mentiroso. Encontro-me em uma ciranda, que me faz amar e odiar o amor ao próximo, nas suas múltiplas formas realistas e idealistas. O silêncio perpétuo ofusca entre o sim e o não.)

quarta-feira, 29 de março de 2017

a gênese do golpe de 64

Torna-se fundamental, então, explicar as raízes econômicas do sucedido desde a formação do Estado Novo até a criação da UDN e a realização do golpe civil-militar de 64. Não se esqueça o nome de Revolução dado pelos seus idealizadores, muito menos a sua origem política. Por que seriam eles revolucionários? Muito bem: como bons sociólogos, ingenuamente reivindicavam para si o poder político com interesse de redistribuir para os setores médios um dado poder econômico que desses setores teria sido furtado. Mas não teria sido o mesmo motivo aquele que inspirou a Revolução de 30? Eu diria que sim: sublimada a inveja para o nome de "bem-comum brasileiro", as elites dissidentes que teriam se organizado em volta de Vargas buscariam a redistribuição de um excedente gerado pelo café paulista. Não digo que elas se tratassem de setores pobres, mas de setores empobrecidos, em decadência. Talvez não seja muito indigno dizer que as elites que fundaram a moderna tradição brasileira invejassem a crescente burguesia paulista. A maturação desse sentimento, por experimentarem a decadência de seu patrimônio diante de atividades econômicas já pouco lucrativas ao longo de toda a Primeira República (talvez desde 1808...), se converteu em um ideário de bem comum brasileiro -- e em pura cultura brasileira. Pois bem: redistribuir-se-ia o excedente paulista por toda extensão do território brasileiro; e ainda se criaria uma classe média urbana, brasileira, até então ínfima e pouco expressiva politicamente. Pronto: esse setor médio, ele também invejoso ao fim do primeiro Varguismo, se organizaria em torno dos líderes dissidentes do próprio regime de Vargas (Dutra e Góis Monteiro), para realizar a nova Revolução Brasileira. Surgiu no sentimento de inveja das classes médias brasileiras em relação às elites oligárquicas que se beneficiaram do Varguismo o apoio político -- e no revanchismo paulista o embasamento econômico. A Revolução de 30 capitalizou-se dos setores médios com apoio econômico das elites dissidentes. 1964 seria um movimento análogo, de capitalização políticas nos setores médios ressentidos com o isolamento do poder na era Vargas, mas com apoio econômico da elite paulista: e, assim, criou-se uma nova cultura brasileira. Fiat Lux -- e faça-se a Rede Globo. Resta ainda saber melhor as raízes do ressentimento médio com o politburo varguista, e para isso será preciso analisar melhor a constituição da classe média brasileiro no sentido da genealogia demográfica: método que provavelmente reconhecerá nos setores médios urbanos os primos pobres das oligarquias dissidentes de 30. E como conseguiriam as classes médias, apoiadas pela burguesia paulista agora -- portanto impedidas de expropriá-la --, o poder econômico de que teriam sido furtadas? Poupança externa, importação alta, às custas imediatistas e "existencialistas" da nossa frágil balança comercial. A Guerra-Fria teve um papel de roupagem ideológica fundamental para esse processo, tendo os interesses dessa classe social assumido o discurso da necessidade americana de maneira instintiva, fisiológica: foi-lhes garantida a História que queriam, e alguma vingança.

terça-feira, 14 de março de 2017

dialetica do historiador e do sociólogo

Ora, como não poderá o olhar individual atrapalhar a análise dos fenômenos sociais pelo sociólogo? Posso, aqui, demonstrar a maneira mais recorrente de "deturpação sociológica do universalismo verdadeiro": o sociólogo frequentemente assume como sentimento de verdade um injustiçamento que tenha vivido. O seu olhar de uma única vida, que não pôde observar o todo do desenvolvimento da humanidade, nem para o passado, nem para o futuro, eclipsa a verdade total contida na epistemologia da eternidade e da longa duração. Existencialmente, o sociólogo estará em seu direito ao dizer a seguinte verdade: a de que interessar-lhe-á mais a verdade da circunscrição do seu olhar e do seu tempo do que a eterna, porque a morte lhe furtará, incondicionalmente, a manipulação do conhecimento para o seu proveito. Nisso consiste a percepção de um injustiçamento, até. Mas a questão toda é que o alvoroço sociológico em si tem que estar  incluído no olhar de longo termo, nos processos ininterruptos de resolução dos conflitos econômicos -- e está: o individualismo da morte existencial, embora eclipse a verdade total, não a esconde totalmente, sendo a sociologia um evento particular e, por vezes, paradoxal e incompreendido, mas inevitável para o desenvolvimento pleno da sociedade em direção ao seu aprimoramento. Então, se o sociólogo, a um primeiro olhar, pode parecer conservador ou impreciso ao observar a sociedade do seu ponto de vista de inspiração injustiçada ingenuamente egoísta, estará servindo de matéria-prima para uma análise mais aprofundada, calcada em uma epistemologia eternalista, por estar agindo como propulsionador dos conflitos que vão mettre à jour o paradigma da análise. O caso da emergência do poder simbólico contra o economicismo me vem como um bom exemplo dessa dicotomia suscitada pela sociologia, na história do desenvolvimento ideológico da disciplina. O poder simbólico como argumento sociológico contra o economicismo, sustentado pelos marxistas, pelos braudelianos. A formação do Grupos de Trabalho de Pensamento Social Brasileiro na Anpocs, de crítica sociológica aos intelectuais brasileiros do modernismo, consiste em outro exemplo. Embora possam ser lidos como à direita, igualmente não estarão à esquerda aqueles novos analistas da sociedade que não reconhecerem a capitalização que geraram às suas famílias, que poderão desse capital se beneficiar para obter recursos, numa nova configuração do capitalismo brasileiro. A fundação da UDN, convocando as classes médias urbanas e setores ressentidos do interior do governo Vargas, é outro exemplo desse tipo de olhar sociológico: mesmo que tenha desembocado no golpe militar de 64, a crítica do (res)sentimento urbano deverá ser percebida como reflexo das transformações das estruturas produtiva e distributiva brasileiras. O sociólogo produz conteúdo sofisticado que cabe ao historiador analisar dialeticamente -- onde, fatalmente, encontrará um substrato econômico.

sexta-feira, 10 de março de 2017

os sentimentos animais, que nos proporcionam químicas, podem ser chamados por nomes diferentes dos que seriam os seus verdadeiros. alguém pode ficar chateado e dizer que não ficou diante de um grupo, de um amigo ou até mesmo do psicanalista - que há de pescar a tristeza do chateado. Imagino que comunidades inteiras possam denominar sentimentos eclipsando-os com outros significados, como chateado, que quer dizer na verdade triste. Por que haveria ele de ser chateado?...

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

por uma teoria otimista da ingenuidade das vanguardas

Um filósofo poderia dizer que o impedimento de conhecer aquilo que corresponde à verdade verdadeira é inerente à condição humana, de sujeitos do conhecimento. E que, por meio de uma escolha, todo sujeito sai da dúvida e parte para a ação, executando aquilo que imagina ser o seu ato consciente. A essa informação, o arqueólogo poderá adicionar uma certa contribuição estatística, fazendo notar uma dada padronização das atitudes dos homens, por sempre se ver em face de alguns modelos de sociedade e de alguns modelos de desenvolvimento de sociedades. E o historiador, por sua vez, perceberá, no decorrer dos fatos, com um olhar em retrospectiva, quais foram os enganos cometidos para que a história não se desenrolasse para o lado mais desejável do ponto de vista ético-moral. Já o sociólogo talvez cometa um "engano desenganado": por observar a forma como o desenvolvimento real da história se apresenta no presente e observar as consequências do passado sem se ater a ele com a devida importância, o sociólogo se dá conta mais fortemente dos problemas imediatos, daquelas injustiças percebidas pelo senso-comum -- e por isso pode aplicar seu conhecimento para a sua natureza política. Todo político nas sociedades humanas tem o seu lado sociólogo, isto é, busca no presente as raízes de toda injustiça, mesmo que se apóie, em alguma medida, nas transformações do passado para fins explicativos. E toda vanguarda, por seu teor político qualquer que seja, apresenta na sua origem uma manifestação de conteúdo sociológico. Aquilo que a expressão "noblesse oblige" designa, ou seja, a importância política que adquirem aqueles que se incumbem de tarefas sociais como as de proteção e de generosidade tem sua origem na ação política altruísta advinda da percepção sociológica de um pensamento vanguardista. Por exemplo: num bando de caçadores-coletores em vias de se desmembrar, aquele que percebe o distanciamento crescente de indivíduos do bando em relação aos benefícios da caça auferidos por seus líderes se incumbirá do papel de liderar uma dissidência, ocasionando uma diáspora; assim como os líderes das vanguardas revolucionárias se incumbirão da tarefa de procurar revolver a sociedade para que as demandas dos marginalizados sejam atendidas em detrimento dos mais poderosos. O discurso de bem-comum, sempre atualizado pelo novo olhar dos novos sociólogos políticos, servirá como uma nova eclosão dos conflitos sociais -- ou dos conflitos de classes sociais. E, embora os historiadores e arqueólogos tentem mostrar as raízes de tal sentimento sociologizante e político, a inevitabilidade das percepções sociológicas é, na verdade, o reflexo necessário dos desdobramentos de longa duração do caminhar da história. No caso da história da URSS, para que se veja melhor a coisa, aquelas elites que se conformaram após uma atualização da sociedade com a estatização de toda a esfera produtiva foram acusadas por percepções sociológicas que tiveram como resultado a Perestroika: uma sociedade insatisfeita com a forma como a estrutura produtiva marginalizava alguns e beneficiava outros, mesmo que o dinheiro já não existisse mais em tanta quantidade. Se a instituição da URSS teria sido um avanço ao abolir a propriedade privada e ao tornar o interesse estatal superior aos interesses individuais do ponto de vista econômico, a Perestroika seria a atualização desse avanço, promovendo mais acesso das classes subalternas daquele regime à participação política e econômica, além de denunciar o privilégio das elites burocráticas. O curioso de se observar é que essas atualizações progressistas e éticas de reconformação do corpus moral e produtivo das sociedades são sempre motivadas por indivíduos cuja abordagem sobre a realidade é de tom sociologizante. Mais curioso ainda é observar que suas ações, na verdade, representam apenas uma consequência de um grande movimento histórico que se observa na longa duração: eles são as espumas, as ingênuas espumas das ondas, que são consequência de um grande movimento de marés, que se dá numa profundeza tão profunda que o homem ainda não teria conseguido afundar para descobrir. Peões - ou melhor: cavalos da história total, os sociólogos possuem uma força ingênua, que move a sua esfera consciente, mas cujo subconsciente é povoado por toda sorte de determinantes estruturais, anteriores, exteriores, econômicas, biológicas, químicas, físicas e metafísicas. Agora, portanto, já posso dizer: a consequência histórica do dever nobre desses sociólogos, até que surjam outros para atualizarem dada história da luta de classes, provavelmente será a incorrência numa injustiça histórica atrás da outra, com longos intervalos de anos, transformando os antigos defensores do bem-comum em privilegiados de "nobreza de espada", até que o bem-comum assuma finalmente a sua forma perfeita e total na vida social, concretizando-se o discurso que o enuncia. Todo sociólogo crê que já a encontrou, e lutará pela sua completude, com a ingenuidade de um louvável bom homem, político; mas um filósofo talvez o diga, como uma consciência conservadora e fútil, que a sua escolha de verdade não executará o fim a que se propõe, o da justiça total; e um historiador arqueólogo talvez diga que a raíz do problema é mais profunda. Não devemos dar ouvido nenhum aos filósofos, pois os humanos já conhecem a genética, o espaço e pesquisam bastante bem o fundo do mar: e, por isso, ouçamos melhor os historiadores arqueólogos, sem que eles nos deixem escapar a agudeza da observação quasi intuitiva.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

esboço de solução da equação sócio-existencial

Todo sociólogo deve ter um pouco de historiador braudeliano e todo historiador deve ter um pouco de sociólogo. Afirmo isso do ponto de vista existencial, para que suas análises não pendam nem para a paixão nem para o distanciamento aristocrático. Qual é o sociólogo que pode querer abrir mão de sua razão presentificada por  uma visão do todo, inumana? Da mesma forma, seria insuportável para o historiador da longa duração se ele não reconhecesse na própria vida uma sociologia do que o oprime, em sua existência finita. Proponho, para o debate que aqui suscito, a criação de dois conceitos fundadores dessas ideias, ainda um esboço: são esses a sociologia do tempo mortal e a sociologia do tempo eterno. No domínio da sociologia do tempo mortal, as análises do poderio simbólico de uns sobre os outros se evidenciam mais do que os problemas estruturais-economicos. Já para a sociologia do tempo eterno, o importante é compreender aquilo de mais inconsciente do comportamento humano, as verdades estruturais sobre os movimentos da humanidade. Um militante marxista ou mesmo um fascista ou um nazista se atém à sociologia do tempo eterno. A transformação social completa é, normalmente, a preocupação principal desse sociólogo, por ser mais importante a resolução dos problemas sociais gerais; esse sociólogo observa a vida humana por viés analítico divino, total, exteriorizado, e é na sua aproximação com o positivismo e com o construtivismo social que pode assustar os sociólogos do tempo mortal. Já esses últimos, os do tempo mortal, que podem ser orientados politicamente para o anarquismo ou para o liberalismo, observam atos que exigem que se aproprie das vidas individuais - e, portanto, da sua própria - como condenatórios, como elementos de dominação. É por isso que se diz que uma militância política por ideal de uma ciência social do tempo eterno pode resultar num sentimento de dominação presentificado, uma vez que os indivíduos preferirão a realização dos seus impulsos vitais e dos seus desejos à canalização dos seus esforços para um bem que não identifiquem o retorno em vida. A realização das utopias sociais, para a sociologia do tempo mortal, é um esforço hercúleo, e a adesão total aos postulados políticos das sociologias do tempo eterno só poderiam se tornar desejáveis com a promessa da imortalidade pelos projetos macrossociais que propõem -- pois tudo se acerta no longo prazo, se não estivermos mortos. A sociologia do tempo eterno, por outro lado, é a verdade superior, e os analistas mortais são obrigados a reconhecê-la, embora se esforcem para atentar para os problemas que a negligência da realidade dos atores como desejosos de suas vidas gera ao justo existencial. (talvez aqui esteja esboçado também o fundamento da separação entre udenistas e socialistas brasileiros).