sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Segundo experimento do escrever livre

Tomamos café para acordarmos,
e às vezes acordar é uma tarefa indesejável.
O que seria da humanidade sem as drogas? 
Não sabemos ao certo.
Ando convulsionado pela falta de conquistas
e pelo mau resultado da minha combinação genética e familiar:
Papai e Mamãe geraram filhinho -- com um irmão mais velho antes.
Papai e Mamãe tiveram filhinhos porque sim.
Muitos acreditam que é essa força interna do ser o que nos impele à reprodução da espécie.
Como se também em nossa espécie existisse esse impulso reprodutor, que os biólogos, que não são humanistas, muito menos poetas, chamaram de "cuidado parental".
É realmente muito intrigante quando assistimos à vida selvagem em nossos canais a cabo a uma mãe tigre, até uma jacaroa, cuidar da sua prole.
Mas talvez o que esteja subjacente não seja o seu "amor materno" -- ou paterno, como no caso dos cavalos marinhos ou de alguns passarinhos.
O subjacente, e que parece conter um maior sentido, aquele que é oculto, é o da sua obrigação, que se reflete no desejo de que eles partam pela natureza selvagem sozinhos e sem eles -- ou, o que é o mesmo, o sentido de que essa prole, uma vez adulta, poderá compor o bando, e os protegerá com mais poder que os seus rivais e os seus predadores.
Ninguém nasce com essa capacidade de amor parental, assim como nenhuma mãe vem munida desse instinto materno.
Essa ideologia conservadora, no entanto, cria algumas mônadas econômicas, a partir das quais tudo é separado entre os mais dispersos desses átomos, sobretudo no que diz respeito às responsabilidades materiais e afetivas.
Uma pessoa é frustrada, muitas vezes, por sua origem familiar, e pela falta de possibilidades oferecidas, atribuída a essa família essa falta, para que se realizem as vontades, os desejos.
Papai e Mamãe tiveram filho porque sim, sem, talvez, nem pensar no contexto histórico, político...
Poucos imaginam, ao ter o filho, que terão uma responsabilidade existencial das mais pesadas, motivo pelo qual a crise da separação dos filhos da sua casa mãe é muitas vezes das piores, pois a responsabilidade sobre a existência de cada serzinho é, no final das contas, dos pais.
Mas essa ideologia conservadora, essa mesma que sugere, ou quase impõe, a perpetuação do próprio tipo sob a alcunha de um sobrenome, também tem a sua faceta negativa, que é o isolamento relativo desses núcleos econômicos e afetivos familiares, que se confirma até constitucionalmente.
Nessa faceta negativa também está inscrita a capacidade dos maiores de idade de se autossustentarem, o que retira dos pais a responsabilidade perpétua pela existência que criaram.
Esse mesmo direito, ainda por cima, obriga a progenitura a se responsabilizar pelos mais velhos na hora em que eles estiverem fracos e idosos.
O pensamento da família serve para aprisionar os jovens em uma série de responsabilidades consigo e com seus progenitores, ficando a busca pelos desejos reais de cada indivíduo reduzida a um espaço do acaso, da sorte, da sagacidade ou da imoralidade.
É imoral exigir dos pais mais do que podem dar, é imoral ignorá-los, em ligações, em mensagens de texto, é imoral dar as costas para quem te criou, mesmo que tenham te criado por força de uma ideologia que eles apenas seguiram. Por que o desejo de terem filhos?
Mesmo os progressistas de alguns anos atrás seguiram essa ideologia e repetem as suas máximas, como forma de boa educação.
Assim ocorreu nos anos passados com muitos tipos progressistas, acerca de uma vasta gama de assuntos, como racismo, homossexualidade, depressão, ou qualquer tipo de desvio da ideologia principal, que quer sempre e mais a saúde e a inatacabilidade dos seus, como motivos de orgulho.
E qual seria essa ideologia principal?
Uma espécie de ideologia feudalística, de proteção e reconhecimento, de prolongamento da espécie, que a coitada da biologia teve de reconhecer nos seus objetos de estudo, quase que para confirmar a força que deve exercer um sobrenome na perpetuação genética de um tipo, para confirmar a busca insana dos humanos por bons relacionamentos, mesmo sexuais, sua busca incompreensível pelo bem egoísta.
A principal contradição, porém, a que estamos expostos, é que o desenvolvimento da história e da histeria levou à percepção de que vincular um indivíduo ao seu nome e ao seu sobrenome através de gerações, promovendo um impulso por reprodução indistinta, levou ao que nós conhecemos hoje como uma sociedade de massas. 
A explosões demográficas, que deram origem a essas massas, contudo, não tornam esses sujeitos, marcados por um arquétipo familiar, entes possuidores de grandes benefícios assim, porque parece, às vezes, que a decadência do mundo apenas dificulta e empobrece a massa -- e assim as gerações vindouras têm cada vez mais de se degladiar pelas migalhas que sobram daqueles que conseguiram conservar, desde alguns ou muitos séculos, o potinho de ouro do outro lado do arco íris.
Assim, iludidos, os pais caminham em direção à sua morte, com um ambíguo sentimento de amor imposto e um desejo de desfrutarem dos seus próprios bens, culpando os filhos, lá dentro dos seus cerebelos, pelas suas limitações e pela sua própria velhice: muito porque não enxergam que foram instados a reproduzirem uma ideologia reprodutiva que talvez nem faça sentido; cheios de si da moralidade e do direito vigente de que todos têm de caminhar pelas suas próprias pernas; tiranos em alguma medida, mas ingênuos e inocentes em alguma outra, mesmo porque, até que se perceba o contrário, foram eles também expostos a semelhante procedimento como se natural fosse.
Os filhos, decepcionados por terem sido postos a nu nesse mundão mais que esquisito e rarefeito, marcados pela pressa que sentem seus pais de que se vão e se libertem, felizes a qualquer custo, revoltam-se sem nem ao menos poderem exigir... um adiantamento de herança que seja!, que os poderia confortar um pouco.
São como que jogados às feras, como a mamãe passarinho que empurra os seus filhotes quando acha que já estão fortes o suficiente para deixarem o ninho, e são obrigados a bater asas e voar, como manda a natureza, quando talvez em seu âmago quisessem mesmo um não se sabe bem o quê para serem felizes.