domingo, 31 de maio de 2009

considerações aos últimos raios de sol

O dia, e todas as suas vantagens de fazer cumprir vontades, dá sinais de seu fim. É quando se pensa em uma possibilidade e tudo se turva, tudo se vê irrealizável, não pode mais haver créditos à sua capacidade criativa, é preciso que aja. As coisas mudaram, agora é hora de usar os instrumentos criados ao longo do dia, à luz. E é aí que está o grande 'X' da questão: usamos o tempo do dia para criar utilidades ou futilidades? Criamos ou não criamos instrumentos para sobreviver à noite? Perdi ou não perdi meu tempo? O fim de tarde incita essa dúvida, essa falta de confiança no que foi criado, porque à noite é acaso. Cogita-se também, durante o fim de tarde, se a nossa postura durante o dia foi correta, se fizemos o que deveria ser feito; e algo além: se a postura correta é suficiente para fazer os melhores instrumentos, se não há algo de nobre e de inato, predestinado naqueles que sobreviverão. Mas, alguns defensores das cidades, dirão que não é mais necessário preocupar-se tanto assim, pois aqui, na úrbia, já se asseguram todas as prerrogativas da sobrevivência. Na cidade, o fim de tarde não representa mais a morte tão propriamente quanto antes, em tempos mais naturais. Garantindo os direitos que faltavam no estado natureza, os direitos naturais, a cidade já teria sido capaz de extinguir essa preocupação excessiva com a vida, com a integridade, e já se poderia, portanto, sentir o dia e a noite livremente, sem ter que utilizar o seus tempos para as atividades devidas; de dia criar o útil, de noite usar o útil; e assim permanecer vivo. Aqui, agora, em meu apartamento, já me seria possível sentir livremente a emanação do dia e da noite, criar inutilmente sob o sol, sob a lua, e tentar compreender os significados do mundo sem haver o que deve ser feito a cada momento, sem julgo do certo-e-errado para guiar minha criatividade rumo à funcionalidade. Poderia criar o inútil, ter vontade de fazê-lo sem acabá-lo; não há procupação com seu fim, não haveria prejuízo. Algo parecido com liberdade. Algo parecido com arte. Mas então o que é que faz tudo parecer igual a antes, mas agora sem justificativa alguma? A cristalização de um tipo de pensamento antigo, dia e noite, trabalho e descanso, por que? E a pior de todas as perguntas, o por que do por que? Sonhos excedidos, impossíveis e, assim, criações inacabáveis, imperfeitas? Neuroses e desejos irracionais? Onde estaria o erro que nos impede a realização dos sonhos, inclusive quando já dispomos de tudo o que aparentemente seria o suficiente? Só peço cuidado ao vir corrigir-me respaldando-se no aquecimento global como qualquer coisa divino-punitiva pelas forças da natureza... Não me sinto culpado, sou somente um ser humano, um indivíduo dessa espécie e não posso me sentir culpado por tudo o que há de errado na Terra. Lanço a mais óbvia pergunta de todos os tempos, em pleno fim de tarde: o que há de errado com o mundo ou com os meus sonhos? E talvez eu mesmo seja capaz de respondê-la, mas para isso vou precisar trazer o pensamento ao mesmo estado de natureza de onde foram tirados nossos direitos. Lá, havia uma preocupação: viver. Por isso a tal lógica do criar à luz para sobreviver à treva. Os direitos naturais, ou seja, a sobrevivência à treva agora já está assegurada, muito embora o sonho da felicidade e do bem-estar não esteja. O fim de tarde enquanto sensação, de não poder mais dar créditos às criações continua perene. A preocupação com a perfeição do artifício criado e a sua consequente desconfiança na sua capacidade de julgo da utilidade do objeto, pois somente o acaso, a noite, poderá dizer a beleza dele, ainda se manifesta na humanidade. Mas agora... agora ele é diferente, pois não se sabe mais o que seria a eficiência, a beleza do artifício, pois não há mais necessidade de sobreviver, os direitos naturais do cidadão já garantem isso para nós. As nossas criações, agora, são para objetivo algum. O que se reflete em nós, eu diria que é não conseguirmos terminar, pois não sabemos o seu propósito, o seu fim. Nossas criações, nossos sonhos, nossas vontades são projetos inalcansáveis, somos nascidos com os direitos naturais que não veem mais propósito no que criam para sobreviver. Nós transfiguramos a sobrevivência para algo que nós chamamos de nossos sonhos, nossa felicidade, nosso projeto maior de criação. Que é individualmente diferente, que é irreal, intangível, que não é natural e, dessa forma, irrealizável. Não há nada material, como a noite, que venha testar a nossa criação - existe coisa mais subjetiva que felicidade e realização? Toda criação se torna imperfeita. O fim de tarde para nós é a frustração: o símbolo da nossa existência, o ícone da humanidade, a criação, que nos fez sobreviver até hoje, a quem adoramos através das artes durante séculos, agora é obsoleta, é imperfeita, é falha, é mentirosa, é pretensiosa. Aquilo que nós somos, uns criadores, uns operadores do mundo, agora não é mais ao que nos reduzimos, e o fim de tarde é aqui: ainda não conseguimos parar de criar, criamos para nada, como quem precisa ter algo na mão para ocupar o tempo. Aquilo que você cria e achou que iria terminar e ver a utilidade ser testada e aprovada nunca chegará ao seu fim; vivemos eternamente sob o por do sol, eternamente na descrença da razão, eternamente desconfiando da nossa arte, eternamente duvidando de nós mesmos, auto-identificados criadores. O fim de tarde é uma crise existencial de personalidade. Perde-se o referencial do que se é, porque o que se cria não mais representa a manutenção da sua vida, e você, até então, era parte integrante de uma sociedade que valorizava a arte, que valorizava a técnica, que valorizava a máquina. Criar pra quê e o fim de tarde perene do quem sou eu.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

ponto sem nó ou parênteses que não fecham

O objetivo desse texto é reportar uma vontade. Sim, uma vontade minha, de conseguir expor sempre tudo, sempre todos os pensamentos, todas as ideias, todas as nuances, todos os dilemas. O objetivo desse texto é contar a todos o meu esforço por tornar tudo o que se passa pela minha mente passível de desenvolvimento discursivo, como se tudo o que ocorre fosse um grande novelo, que eu iria desenrolando e desenrolando e desenrolando... Mas, talvez, o objetivo maior desse texto inconscientemente seja mostrar uma frustração latente nessa vontade. Estaria eu escrevendo sobre a vontade como uma forma de elucidar, inclusive, a nuance análoga às nuances, cumprindo o objetivo de falar de tudo, ou estaria eu escrevendo sobre a vontade em si mesma, como uma declaração de óbito desse meu projeto pessoal de abarcar o mundo todo, ao alcançar a origem de tudo, acabando com tudo? Porque, sim, falar do que move é tentar explicar as impossibilidades de continuar como se vinha operando, é dar o ponto final. Porque, sim, dissertar sobre vontade é perceber o quão inócua é qualquer ponderação objetivada, positivada, seccionada do todo. Seria ou não seria tudo uno? Seria nada, totalmente dadaísta, sem nexo nem princípio nem razão? Quando finalmente se cai no reportar da vontade, na auto-explicação, na necessidade de dizer a que se veio, porque se veio, de que se veio, é porque o mundo já não tem mais fim tangível, mais ideia platônica palpável, e é preciso recorrer a esse artifício aquoso, incerto, perigoso, cruel com a senhoria todos aqueles que se pretendem senhores. Esse falar sobre o falar sobre, esse terrível túnel metalinguístico infinito, essa luz que ora acende ora apaga, nos deixando à deriva tanto da fugacidade como do concretismo... Essa ânsia ansiosa por ansiedade é aonde estou, e é o que acabei vindo reportar quando vi que era isso que, no momento e na verdade, me passava pela mente, quando vi que era isso que ardia minha lástima, quando vi que tocar é praticamente o mesmo que se (des)iludir.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

a gente que gera
o fim de tarde
a gente dorme cedo
e acorda tarde
todo mundo sabe
todo mundo viu
abraça o fim de tarde
e a bandeira do Brasil!

repostagem: Rotinerário

Era constrangedor.

Parado sobre o balcão da lanchonete chinesa era onde ele estava – pela milésima vez no ano. Comeu três salgados, três! Porque era irresistível, havia naquilo um encantamento noir, aquele sulco gorduroso típico de salgados de lanchonete de 5ª, a pressa incomum com que se comia aquilo, a agonia afobada da fome interminável.

Ele tinha preocupação com a sua forma.

Mas não dava. Aquilo tudo tinha uma beleza oleosa, incompreensivelmente sedutora. Seduzido, comia e se arrependia, desgostava da sua gula inabalável.

A chinesa, que raramente entendia o que era dito e pedia, com um sotaque horrível, para repetir o que havia pedido: acertar as contas. Ela o encabulava:

– 3 salgados e um caldo de cana.

– Tlês sagado e u cádo?

Não era necessário que ela respondesse a pergunta buscando confirmar o que tinha dito, se disse, estava dito; e dito duas vezes! Ele estava envergonhado; os colegas, acostumados, já o tinham julgado por seu apetite voraz desde priscas eras, desde muitas outras vezes. Aquilo era apenas mais uma evidência real.

Empanzinado.

Aquela chinesa feia, no calor, contou o dinheiro pago, mexeu no troco, serviu outro cliente. Sem nenhuma luva, sem nenhuma higiene básica. Era lá, nessa merda, que ele sempre voltava para encher e perpetuar sua pança.

uma família carioca ou uma conversa neo-neo-realista

Numa conversa na casa de alguém surge o assunto "a família de outro alguém". Ah, ele tem muito dinheiro. Não, não tem! Vive bem... Não pode ser rico, o pai é militar; tem um dinheiro tranquilo. Até porque é uma família grande, são quatro irmãos, então, por mais que o pai ganhasse muito, que de fato deve ganhar, não dá, é muito gasto, são quatro filhos, uma ex-mulher e uma nova mulher; é, ele casou de novo e teve outro filho, o quarto. Sem contar que, pra um militar economizar a ponto de ficar rico, ele teria que ser a pessoa mais zura da face da terra, ainda mais tendo quatro filhos e uma ex-mulher. E pelo que eu sei, ele gosta de levar sempre a família toda pra viajar, gosta de tirar onda de patriarca. Isso gasta muito! Não dá pra juntar fortuna ganhando salário fixo com essa vida. E pô, coitado do cara, tinha um apartamento na Lagoa e separou da mulher, que ficou com a vista pro Cristo e pro Dois Irmãos. Imagina isso? Você, na sua vida, pode acabar casando, tendo 3 filhos com uma mulher; aí depois você se separa, ela fica com seu apartamento, você tem que pagar pensão pra ela e pros filhos e ainda tem que se resolver sozinho. Ele acabou indo morar na Tijuca, que não está tão mal assim, casou de novo e quis ter outro filho. Ah, cara, pelo visto ele que quis tudo isso, ninguém casa do nada, ninguém tem três filhos com a mulher que casou do nada: um filho, por engano, motivo do casamento, até pode ser, mas o resto ele quis fazer. Separar, provavelmente ele também quis, ou teve culpa no cartório. Mas pô, pros filhos tá ótimo, têm dois apartamentos. Mas uma coisa é: deve ser uma merda ter que se mudar da Lagoa pra Tijuca e ter que se contentar em idealizar uma nova vida em nova família sem vista espetacular, e lá, na sua vista, 4 quartos, está a sua ex-mulher, que não casou com ninguém, fica lá cuidando dos seus outros 3 filhos, sem nenhuma aparente felicidade estampada no rosto nem planos para o amanhã, fumando cigarros e esperando mais um dia de trabalho mal remunerado pra computar no tempo de serviço da aposentadoria, bancado por você.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Intoxicação alimentar

Você acreditava que a vida era uma merda, que o seu ciclo social às vezes fedia e que toda a conjuntura do universo era feita de princípios escrotos que tenderiam a levar qualquer coisa no mundo à desgraça. Inclusive a humanidade. Mas você nunca conseguia afirmar com tanta convicção: sempre lhe vinha a dúvida pós-moderna, questionamento racional em oposição às evidências inexplicáveis. Isso porque você ainda não tinha sofrido de intoxicação alimentar.

Foi tudo muito estranho. Um amigo te chama para ir numa festinha no apartamento dele que está à venda, logo não há nada lá, exceto uma geladeira velha para abrigar bebidas e água. Você não estava muito a fim de ir, porque tinha bebido na noite anterior, tinha acordado de ressaca, tinha que fazer um ou mais trabalhos para a faculdade e estava achando a vida meio merdinha naquele dia. Mas, não, você pensa, tenho que sair de casa, é só mais um dia de um fim de semana que, se você não sair, durante a semana, durante o sofrimento injusto dos dias da semana, você vai se arrepender amargamente, vai, Antônio, vai. Aí você sai, afinal é pertinho da sua casa e nada pode ir tão fora do controle assim, porque é a casa do seu amigo, só vão ter alguns amiguinhos e tal. Doce ilusão.

Atrasado por ter ficado um bom tempo enumerando prós e contras da noite, a primeira coisa que você faz ao chegar é ir se servir de bebida. Você vê um suco de laranja de caixinha ali, do lado de fora da geladeira, alguém já deve ter usado, e você serve primeiro a vodka e depois o suco (clássica manha pra não usar colher, válida também com adoçante). Vodka com suquinho de laranja não poderia ser mais usual. Não tinha gelo, mas estava tudo relativamente gelado, então tranquilo. Você dá um gole, sente algo estranho, e eis que entra o amigo dono da casa inabitada fora em dias de festinha. Ele diz: "ah, cara, você se serviu desse suco? Ele tá aí na geladeira aberto há dois meses, desde a última festinha que eu dei aqui. Eu tirei da geladeira pra ninguém beber, deve tá podre." Imediatamente você joga fora na pia o conteúdo do seu copo e repara que havia colônias de bactéria nele, em formato de placas. Vocês zoam sobre as bactérias e você não diz que deu um gole, pra parecer malandro. Tudo, depois disso, na festinha, corre como o regulamentar: conversas, mais bebidas, agora com o suco correto, até que você vai embora.

Chegando em casa, algumas comidas lariquentas à luminosidade suave do nascer do sol e cama. Você acorda por volta das 8 da manhã com aquela diarréia digna de porre - mas você nem bebeu tanto assim, só duas doses! Você acorda de novo às 8:45 para mais uma sessão. Você acorda agora às 10:30 da manhã com um pesadelo horrível e com seu irmão falando pra você ir se arrumando, "vamos sair pra almoçar com o papai e com a mamãe". Você anuncia estar enjoado pela primeira vez. Às 11:30 você vomita pela primeira vez. É o início do fim. Sua pressão baixa, você fica com febre, não consegue mais resistir e vomita mais e mais e mais. Todos tentam ajudá-lo: toma chazinho, toma esse remedinho, minha mãe diz que isso é otimo pra enjoo - em vão. Deus havia lhe preparado outra sorte (ou falta dela). Você fica na cama, sofrendo, pensando que vai morrer e finalmente você figura detalhadamente toda a injustiça da vida. Você percebe que tudo aquilo que você tinha pensado sobre como o universo funciona de um modo que, se surgisse uma espécie de vida, invariavelmente ela seria escrota e se fuderia, era verdade. Você quase pode tocar a ideia.

?

Você se dá conta do quão ruim é passar mal, e tudo por causa dessa merda de sociedade industrial, pós-moderna, terceirizada, cheia de códigos escrotos, fichas simbólicas em profusão e ainda assim sujeita à desatenção do ser humano. Você bebe um suquinho estragado e se torna um macaco doente, fudido. Você fica doente e não consegue mais fazer nada. As coisas são realmente escrotas. E você só pode afirmar isso com convicção depois de ter sofrido uma intoxicação alimentar, porque você então, somente então, realiza que não passa de um macaquinho impotente perante a sua organicidade e seu pertencimento ao universo tal qual ele é. A experiência negativa, mais do que qualquer coisa, traz uma sensação de certeza plena. Você pode apodrecer também!

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Mas é que...

esse nosso real
material
moral
existencial
e urbano
é muito cheio de ideais
e de perdas
para nós.
transponhamo-nos então para
o surreal
a metalinguagem honesta
do surreal
e todos os seus inoculados perdidos
surreais

segunda-feira, 18 de maio de 2009

zero absoluto

cinzas putrefatas
na mesa
indicam o bem
que jaz em
fazer silêncio
depois.
desfiguram-se
caladas
porque já
não são
mais o que
chegaram
a ser
um dia.

terça-feira, 12 de maio de 2009

tartamudear

e o nada
que eu sei
me envolve
sufocante
pelo calar-se
de todos
os seus sorrisos
complacentes
recheados de saberes
resguardados
tão profundos
para além dos meus.
é tão injusto
não conseguir
armar-me
das tantas palavras
que só o tempo
e a prática
revelarão.
é tão falso
crer num saber
em que só
o que se diz
é o que se quer
dizer:
um vazio
que venta-me todo.
é o nada
que sei
porque tudo
se torna

o que dizem:
privação.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

A linguagem científica, a arte, o homem e a sua vontade - presságio de um projeto filosófico-artístico

Venho, por meio destas considerações, pedir licença - é preciso ser coerente - para poder divagar livremente sobre o mundo. É preciso ter o porque de começar a explicar tudo da forma como o mundo se apresenta para mim. Me sinto impelido a solucionar um problema teórico de meu tempo, que parece impedir as pessoas de pensarem livremente, para poder criar, figurar as formas do mundo sob o meu ponto de vista, já que a verdade não se encontra mais nas perspectivas individuais. Vi necessidade em contar a todos o motivo pelo qual começo a escrever sobre o mundo como escrevo. Eu peço licença, eu dou minha desculpa, porque tenho vontade de representar.

Os homens nos tempos de hoje, mais do que nunca, se veem diante da maior insustentabilidade emocional que a história já registrou. Seja por embasamento científico, da física quântica, seja por experiência individual, a ideia do inominado, do vazio, da incerteza permeia a dita pós-modernidade, mais intensamente que a modernidade, que ainda apoiava-se na esperança: o fim do sonho, a frustração com promessas modernas mergulhou a pós-modernidade nesse mar de insensatez e desmotivação em que vivemos - e que hoje se reverbera hegemonicamente com fim da polarização da Guerra-Fria. Pode-se dizer que o último fio de esperança se rompeu, que caímos de vez de um precipício que beirávamos desde o início dos tempos. Muitos argumentos são postos e discutidos sobre a forma como o mundo vinha sendo pensado pela humanidade, desde os primeiros críticos da antiguidade à estrutura do pensamento mítico, até os mais contemporâneos, como Nietzsche, os existencialistas e outros filósofos contemporâneos, que trabalham a questão da linguagem aplicada para tratar do mundo. Muitos pensadores expuseram a ineficiência e a superficialidade do pensamento tal como ele era empregado em seu tempo ao longo do desenvolvimento da filosofia; e essa circularidade repetitiva dos acontecimentos, ou essa linearidade humana que se apercebe na História, de crítica constante, dialética, de antítese e síntese, sempre fora palco para proposições e aprimoramentos, que se afundavam sucessivamente em sua desproporção com o futuro que vinha ou com a vontade de poder e de ter razão dos humanos que ponderavam nos tempos seguintes. A atitude crítica, a atitude científica, senão mesmo filosófica, se torna agora o ponto cartesiano de estudo: será a linguagem humana atual fechada demais para conseguir operar o mundo como o homem propõe? Será biologicamente possível expandir de tal modo a capacidade perceptiva, cognitiva e comunicativa do homem? Existe ou não existe um limite humano intransponível, que vá frear, ou que tenha freado, a nossa vontade moderna? A nossa linguagem terá nos conduzido ao beco sem saída da ciência, ou seremos capazes de cirarmos ainda nessa linguagem algum modo não-científico de conhecimento? O homem, dessa vez, busca seu lugar no mundo de forma metalinguística: através da análise de sua linguagem, de seus modos e métodos, o homem procura entender qual a sua potência no mundo. Mas eu consideraria algo um pouco mais além. Não haveria uma estreita ligação da linguagem como se apresenta agora com as formas como o homem se organiza em sociedade na contemporaneidade? Não seria de certa forma impossível modificar a linguagem humana em virtude do mundo como ele se apresenta, da forma como o homem o construiu, de maneira científica? O homem, que experiencia o retilíneo, o uniforme, o cruzamento de ruas, o retangular dos prédios, seria capaz de tamanha abstração que pudesse levá-lo a constituir uma linguagem mais abrangente e mais realizadora do que a científica, que foi como ele construiu o meio em que vive e perpetua valores? O meu palpite é que não. É justamente a linguagem científica que possibilitou a construção de cidades e de maravilhas segundo às quais o homem opera hoje, como todas as máquinas e aparatos tecnológicos que nos cercam. Dependemos para sobreviver no nosso modo de vida operar o mundo de maneira científica, reconhecer padrões, assim a tecnologia nos condiciona. É justamente, portanto, de acordo com a linguagem científica que o homem se vê impelido a lidar com o mundo, culturalmente, mesmo que nem intencionalmente, nem conscientemente. Seja o ideal científico fruto da experiência, seja ele fruto do inatismo - essa proposição também explicaria essa condição -, não importa, o homem contemporâneo se vê, todos os dias que reflete sobre seu vazio existencial pós-moderno, prisioneiro do método científico e de todas as suas nuances. A minha proposta é muito mais impressionista e, em conseuqência, expressionista do que uma proposta de ruptura. A minha proposta é justamente o reconhecimento dessa constatação, é a vontade de poder operar, nem que seja sob este método, que se coloca para os homens contemporâneos como inexorável. O método científico finalmente se fez pra mim como algo compreensível, digno, respeitável, por mais que incompleto. O método científico se tornou para mim a forma que encontrei de poder expressar aquilo que percebi em forma. E é dessa forma, portanto, que busquei dar continuidade à minha vontade de expressão para o mundo, ao progresso científico que se mostrou inerente à minha cultura. A partir da ideia de ciência, tentei propor a mim mesmo os métodos, e encontrei-os, para figurar o mundo. A ciência, como atitude subsequente à atitude filosófica, busca os princípios últimos, as causa primeiras, e, em função disso, me senti impelido a buscar a natureza de todas as coisas. Associei tudo o que para mim se aproximava semanticamente - e intuitivamente - de natural. Para tal, vi necessário buscar as palavras primeiras, ou seja, as palavras que possuem o sentido mais abstraído de todos, as palavras mais universais, as naturais. E é dessa forma que busquei cirar a minha filosofia, a minha arte sobre o mundo, aproximando-me sempre do que me parece ser originário, utilizando a figura do natural, do passado, do antigo, do clássico, do rural, e, portanto, semanticamente, do verdadeiro. As minhas ideias sempre tentarão trabalhar com conceitos de certa forma simples, com intencionalidades árcades. Os meus construtos tentarão sempre se representar através de palavras que criei ou que imaginei figurar mais abstratamente o que procuro transmitir através desses construtos. Sempre buscarei as origens, o natural, o que se parece, para mim, inquestionável, e para isso, justamente, buscarei conceituar sobre as maiores abstratividades, com determinações "ingênuas", como Nietzsche define as primeiras apolinizações homéricas no "Nascimento da Tragédia". A minha teoria sobre o mundo, como uma criação de sentido, vai propor o sentido primeiro, natural, simples das coisas, através de criações individuais, artísticas. Vejo-as intuitivamente e semanticamente aproximadas, porque a contemporaneidade urbana, métrica, humanista, tecnológica nos direciona para os objetivos da ciência, para a busca da natureza das coisas. O vazio nos faz preencher-nos do que temos acesso, e a vida contemporânea nos dá informações e modelos cientifizados. Faço por querer expor minha razão, minha arte, meu registro para o mundo de forma coerente, como quem precisa responder uma grande pergunta para levar o seu projeto a uma direção traçada.

torre de babel

os homens ciram e criam palavras e de repente se perdem em seus sentidos, se distanciam uns dos outros e não ficam nem um pouco proximos de Deus. Como na torre de babel, nós humanos criamos e criamos palavras e, em dado momento, muitos nem se entendem, pois tudo se torna a linguagem dos homens e não mais a linguagem de Deus; as vontades sobre vontades, dos homens, não mais a compreensão total, a abstratividade, a simplicidade universal da linguagem de Deus. A linguagem simples, a primeira de todas, quando todos se entendiam, é a mais próxima de Deus, e a ciência progredida, com suas terminologias, nos distancia da abstratividade das palavras ingênuas. Sejamos simples a abstraídos, nos libertemos para pensar o máximo com o mínimo de indução.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

da potência da palavra

é preciso compreender a palavra. Além da construção frasal, da sua etimologia, a palavra deve ser entendida como um ato de uma criação. Uma vez anunciada, qualquer palavra embute em si toda uma gama semântica, e reduzir a palavra no meio de uma construção textual, incutindo-a ao sentido dela desejado, desvaloriza a palavra como arte, demonstra a maior das intencionalidades do homem: trasmitir à linguagem o sentido que lhe é conveniente. Abstração é a palavra que se deve abstrair das palavras. A linguagem não é do homem, posto que homens são indivíduos em suas bolhas: a linguagem é de fora dele, e conforme ele vai criando novas palavras, vai trazendo para a sua estrutura cognitiva a forma do mundo. Conforme o homem se apodera da linguagem, seja em virtude da vivência com mais homens na sociedade urbana, seja como for, a lógica do mundo mais se parece com a dele, porque o mundo agora descrito pertence ao campo do homem e, entre um maior numero de homens, é mais fácil que se percebam as mesmas coisas e assim tornam-se válidas, dignas de serem representadas como verdade e expressas, consequentemente. E mesmo que o homem crie palavras sozinho, ele é capaz de perceber em si o que o motivou a criar a palavra. É assim com a linguagem dos homens hoje. Muitas palavras desenvolvidas entre varios homens, que por serem homens e compartilharem das mesmas coisas, sentiram que a linguagem era deles. Mas a linguagem é além deles. Da mesma forma que tudo o que possibilita o surgimento do homem é além do homem. A linguagem mais simples teria a potência da ingenuidade, de ser a representação mais universal e, portanto, a mais possível de abstração. Essa deve ser encarada como a palavra mais potente, essa eh a linguagem que se distancia da ciência, essa é a linguagem que dispara a abstratividade, a analogia, a metalinguagem. A palavra arcaica e o arcadismo do homem, para apreciar a origem, o universal. Esse campo surreal da simplicidade, distante da geometria neoconcretista, que busca o homem da universalidade científica. Acontece que o método científico agora me levou à origem do homem, e não à sua substância atual. Eu ainda acredito nos desejos, eu ainda quero expressá-los, por mais que intangíveis, por isso sou arcaico, sou abstrato, sou colorido. Sou a potência máxima das palavras simples no homem - se conseguir.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

decadência cumulativa linear progressiva

como que cheio de problemas fluidos
dizer e não dizer
a diferença que faz
viver

dói muito
o mundo

deteriora-se mais
o tudo
em pedaços menores
e menores
cadaz vez menos
uno

sentir sobrepõe-se ao pensar
porque nada mais é
indissolúvel
micropartículas do fundo
agitadas
e eu não vejo mais nada
nem tudo
eu misturo

é muito mais e mais e mais
porque falta, falta, falta
e nada se resolve
e nada se resolve
e nada se resolve
mais do que nunca

domingo, 3 de maio de 2009

as artes agora não são mais obras, são projetos.

você (não) vai entender(?)

Minha arte metalinguística tenta propor arte de modo filosófico e vice-versa. Eu faço arte falando de filosofia, eu quero transmitir a sensação filosófica, a arte que se exprime com filosofia, o conceito de filosofia, como uma arte, que é o que é. Eu proponho justamente o fim dessa antítese arte X filosofia, pois é tudo o mesmo, pois ambas falam do mundo, comunicam o mundo como é para os que compartilham-no. Metalinguagem é o papel da artefilosofia de hoje, da era da abstratividade, do pós-tudo, do nós como nós mesmos. Nós só precisamos do veículo para isso, caso o queiramos fazê-lo por motivos supostamente neuróticos, e escolhemos: arte ou filosofia. Metalinguagem, e opte pelas duas. Mas a arte a filosofia tratam de algo tão metafísico que se pode dizer que não existe. Eu digo então que é, portanto, surrealista, e trata do campo surreal, metafísico, em sua totalidade, o que me parece bem mais honesto que essa setorização científica prepotente que toda essa coisa de modernidade, burguesia e fordismo trouxe pra apacatada vida real. É a valorização do intelecto consequente das explosões demográficas e do crescimento da cidade em detrimento do valor do rural, do físico, da defesa, do medo da morte desabstraído. O sucumbir da super-valorização da habilidade técnica de um indivíduo: é a máquina superando barreiras do homem. Nobre mesmo agora é quem manda pras necessidades criadas, abstraindo tudo, universalizando tudo. Eu, com a minha arte, universalizo apenas o universalizável, ou seja, o campo surreal, das sensações, dionísio, pois nada no mundo real é universalizável, só o que nós criamos, e o que criamos não existe no mundo real tal qual ele é, só no mundo real que passou a existir a partir do que nós criamos. Me dou ao luxo de pensar que sou o mais nobre dos nobres, pois resigno à vida, não tenho tempo de temer essa morte natural, arcaica. E esses metafísicos que se propõem físicos? Universalizar a porra toda não dá, a gente já percebeu, mas o homem, coitado, parece ser assim. Eu, então, consciente disso, faço a minha metalinguagem nesse meu campo surreal, abstrato - sensorial, eu diria. Tenho que estar sendo ético com a realidade, por motivo de força maior, abdicando dela para ser anti-ético com o surreal, pois lá ser anti-ético não é ser anti-ético, não sei nem se ser nesse campo é bem ser, portanto não sei nem se lá existem as anti-coisas e as coisas em si mesmas. Mas aquilo lá, isso aí de surreal, não existe mesmo, então tudo bem. Isso aqui de que me refiro, que pode ser muito bem um aquilo lá para homens em momentos comuns, sendo justamente uma anti-realidade, em si já compreende qualquer tentativa de negação, de explicação, de solução a se apresentar. Também compreende todas as negações a isso atribuídas. Como eu sei que o não-ser não é, eu vou trabalhar com ele a medida das minhas sensações, que eu não posso provar como verdade na realidade. Sensações, evidências; e eu crio esse meu anti-mundo que o sentido pode ser extraído, abstraído, pois sentido mesmo só pode ser abstraído e extraído em abstração. Há de fato intenção no sentido e é dele que eu falo na minha artefilosofia. Eu represento conforme sinto, pois intenciono a minha intenção, o meu sentido, e o fruto disso você colhe conforme eu vou dizendo através de mais obras que eu for criando, e vamos entendendo conforme eu digo mais, pra você poder ver a sua vontade naquela representação, eu quero ir te dizendo olhando nos seus olhos, pra saber o que você quer ouvir. Observar pra criar o surreal dizível. Eu filosofo na minha arte basicamente para isso. Ah, e, é claro, você tem que se interessar, porque isso aqui não é necessariamente necessário, nem mesmo para nós, os pós, os definidos neuróticos.

sábado, 2 de maio de 2009

quem não sabe que aprende.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

a vocação da arte para a abstração e para a existência

Tento afastar da minha mente a ideia de que a consciência sobre a condição humana signifique ter total responsabilidade sobre os atos, total entendimento sobre eles. A filosofia existencialista se propõe a isso, basicamente. Contudo, se não for dessa tal forma, eu, talvez inocente, não consigo figurar perfeitamente a ideia: existencialismo como postura filosófica. O Existencialismo me parece, ainda, incapaz de aprofundar-se da maneira como gostaria na existência e na consciência. E acredito que isso esteja relacionado a uma aprisionamento linguístico. Não sei por que exatamente, pois não me sinto capaz de compreender todos os motivos para isso, justamente por essa questão da linguagem, que sempre será falha para mim. Isso aqui é apenas uma hipótese, como todas as verdades lançadas, mesmo as mais fundamentadas. A nossa linguagem preciosista, tal qual é, maniqueísta, não é capaz de descrever ou de alcançar em certeza a nossa existência, pois o maniqueísmo se propõe, como a justiça, ao certo - ou será que essa incapacidade se refere a qualquer linguagem, de qualquer ethos? A porposta existencialista, de consciência sobre a condição humana, enquanto filosofia, é intangível. Albert Camus, na mesma porposta que outros que se propuseram ao existencislismo de forma artística, pode ser o mais fiel do movimento. Sua postua inquieta, com um tom estrangeiro, sensivelmente pessimista, com sua metalinguagem do inexprimível, transmitia essa frustração do existencialismo. Por isso, prefiro me colocar próximo ao surrealismo e ao dadaísmo - mais ao que representam do que aos seus títulos. O surrealismo e o dadaísmo negam a ideia de tempo, espaço e categoria da nossa linguagem maniqueísta. Não me sai da mente o quadro do relógio derretido de Dali: nenhum respeito aos pensamentos usuais. Mas agora estendo também minha simpatia baseada em hipóteses ao neo-concretismo - ou ao mínimo que sei sobre ele: através de sua forma concreta, simples, o neo-concretismo tenta aludir ao máximo de reflexões e sentidos. A metalinguagem infinita da sua geometricidade abrange muitos sentidos e os amplia; é possível sentir isso. É uma arte, através de uma simples indução, dedutiva, que permite com simplicidade, com formas mais universalistas, fazer referência a um campo imenso de aferições. Portanto, o existencialismo se apresenta a mim agora como uma atitude anti-filosófica, ou pelo menos anti-a-filosofia-que-se-vinha-propondo; mas ainda não alcança o objetivo, pela barreira da linguagem maniqueísta, científica, aristotélica, preciosista. O existencialismo francês, talvez, por relacionar-se mais com a arte na literaturam se exprima melhor - mesmo frustrado. As artes mais contemporâneas têm o poder da abstração pura, da conceitualidade livre de definições. A filosofia, mesmo com outra proposta, ainda se mostra muito arraigada a métodos, a definições, a questionamentos expressos concretamente, à busca de inteligibilidade - há nela uma ética científica. As artes a que me referi principalmente, o neo-concretismo, o surrealismo e o dadaísmo, se me afiguram mais sinceras, mais realizadoras, menos frustrantes que a atitude filosófica somente, que a ideia de ciência intrínseca à consciência filosófica, a inevitabilidade da causalidade, ou na genalogia, ou na dialética, ou no cumulativismo. A filosofia, se ainda pretende se manter viva, respirando, deve deve deixar sua presunção e sustentar-se principalmente nas artes, mais precisamente nas abstratas. Deve reconhecer-se como instrumento mais inútil que a arte, como um mero prazer apolíneo sobre as conceituações aludidas com a arte, que lida desde sempre com dilemas existênciais de forma mais sensitiva, assim dedutiva. A ideia do homem consciente e responsável das influências marxistas, científicas, é que derrubam o existencialismo. A linguagem científica encontra-se na crise quântica, por ser muito restrita. A beleza da arte é que ela não se propõe utilidade, ela se propõe trasmissão. Portanto, se a função da arte de estimular a sensibilidade já é de certa forma questionável em sua utilidade, a da filosofia, por ser linguísticamente maniqueísta e imprecisa, é mais inútil, despropositada e infiel ainda: ela é pretenciosa, hipócrita, frustrante. A filosofia contemporânea deve aspirar desvirtuar-se do seu papel objetivo, explicativo, representado pela lógica científica; a filosofia deve partir para outro caminho, para o caminho da comunicação. A atitude filosófica deve limitar-se a descrever, a comentar a abstração, a transmitir para compartilhar, e não expandir sua funcionalidade ao rumo à verdade e à totalidade. Pautada na arte, ela deve se reservar a fazer entender as abstrações, e não a conferir-lhes propósitos últimos nem causas primeiras.