ela chorou e o ar parecia ter mudado de textura, o que é muito comum de sentir. muita dificuldade, muita, coitadinha... seu quarto era muito próximo do dos outros da casa, que acumulavam muitas frustrações de suas vidas - tiveram que trabalhar em algum momento da vida, como todos os reles mortais. não poderia ter mais a dúvida que morar em copacabana lhe incitava. a dualidade copacabana palace/prado junior a fazia acreditar em muitas coisas, mas nunca conseguia se concentrar no que devia. ficar no quarto era olhar pro cantinho da parede. sair de casa era se divertir! morava com seus pais ali, em copa, alugados num apartamento de 3 quartos um pouco maltratado. sua irmã havia se mandado para os estado unidos, casada com um americano mais ou menos. "o que a rafa tá fazendo lá?" perguntavam, e ela estava fazendo faculdade, casada com um professor - de quê? pra fora, achavam melhor esquecer: é que a família se copacabanizava - era o que diziam. era o que diziam?
sentados na sala da casa da vovó, ali do lado, apartamento próprio, era realmente chato assumir a dificuldade, e, por mais que ela fosse um pouco morena, estudava num colégio de freira, no começo de ipanema. ela tinha uma prima, branca mesmo, com a ponta dos cabelos aloirados, que fumava cigarros no canto da varanda, porque não se podia fumar dentro de casa, concordavam os primos, os tios e a avó. ela, morena, então começou a fumar cigarros, com seus 16 anos. havia um tio que fumava também e uma outra prima, que às vezes surgia: essa morava no mato grosso, de onde a família tinha vindo há muitos anos e, acredite, de onde nunca deveria ter saído! o apartamento da avó em copacabana era o único patrimônio que a família mantinha, porque todos os filhos e netos, infelizmente, não bem sucederam. quer dizer, trabalhavam, muitos deles, mas nada excepcional. copacabana. aquela parte de copacabana. aquela rua em copacabana.
copacabana é a porta de entrada do brasil, isso é internacional, infelizmente para os governantes do país. a decadência que tomou conta de copacabana parece ter se tornado irreversível. complexo de colônia ou não, muitos moradores do leblon e da gávea têm medo do metrô com o discurso subliminar da copacabanização dos bairros. realmente, aqueles prédios com vários apartamentos sujam muito, abrigam prostitutas e acaba que o bairro se torna um ambiente horrível para você criar seus filhos. porque, afinal de contas, é fundamental um ambiente saudável e propício para que um filho possa crescer e conseguir ser alguém na vida. conhecer as pessoas certas, estudar em bons colégios e não ficar por aí andando com quem não deve. em copacabana está cheio desses. você pode entender andando pela rua, aquela calçada suja e aquelas pessoas morenas. mas copacabana tem suas partes boas. você pode ser moreno, morar em copacabana, e conseguir ser alguém na vida, é lógico. mas, na prática, a dificuldade - existe?
a prima loira que fuma cigarros finalmente casou, comentavam na sala da vovó. com um brasileiro mesmo, engenheiro, mas do sul. foi morar no sul com ele, saiu de copacabana. parece que ela está trabalhando lá, abriu uma agência de marketing, com 22 anos, ela a única funcionária, contava uma tia, gengivas, dentes, rindo, enquanto dava um gole na coca-cola servida no copo de requeijão. essa aí comia direitinho, já haviam reparado. mas a morena... no quarto, olhando o canto da parede antes de sair não se perguntava, sem saber que devia se perguntar, o que é que faltava para conseguir. muita, muita dificuldade mesmo - coi-ta-di-nhá - à sua volta, sem que nada se esclarecesse espontaneamente... uma facilidade havia: se vestia e saía quase todo fim de semana e já tinha andado de carro com alguns meninos, já tinha bebido de graça em alguns lugares, entrado de graça também... uma vez ficou numa situação horrível: um garoto a levou para jantar e sumiu por 25 minutos na hora de pagar a conta, que susto! copacabanizada já - desde sempre! - sem nem se dar conta, preferia esquecer no dia seguinte, como a família vinha se acostumando a fazer e, pra uma moreninha, vestia-se até que bem: pra conseguir! moral da história: sem saber o que era rir do jeito que ria, olhada do jeito que ria, ria, bebinha, daquilo tudo, caminhando da porta do restaurante para o carro.
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