terça-feira, 3 de maio de 2016

dar e receber na cultura contemporânea

Supondo um isolamento absoluto, poucas partes dos meus textos serão lidas no futuro. Se eu não me tornar um doutor ou nada que importe, se me distanciar dos meios artísticos e intelectuais, se decidir por uma falta de carreira, se acabar num instituição psiquiátrica, corro o risco de não ser levado em conta. Eu fiquei, é certo, meio no canto, às vezes, observando o desenvolvimento da cultura do século XXI sendo, talvez, um pouco recriminado por julgar tudo mal. Eu fiquei isolado no cantinho por achar que não iria moldar minha vida em nome da moderna arte de me apresentar bem. Tirando um tanto de moralismo, nada há de problema e eu provavelmente terei exagerado em todos os meus pontos de vista depreciativos. Tirando um tanto do meu ponto de vista, eu poderia me deixar invadir por um roxo que vibra por entre as pessoas boas e, quem sabe, esperar por uma posição que agrade ao gosto alpinista social. Quem decide sair da meios de arte e da academia por completo para trabalhar sozinho terá como motivação inicial um isolamento que pode significar a depreciação daquilo de que não quer participar. O isolamento absoluto levará ao esquecimento e levará também as obras produzidas a um estado de insanidade circunstancial. O desejo de ressurgir nos meios, quando surgir, no entanto, passará a ser aceito pelo centro somente distanciando da minha imagem aquilo que mal julguei, porque só assim os integrantes do centro poderão reaproximar deles a minha imagem, reaproveitada pela limpeza do meu mal julgamento anteriormente proferido. Supondo que eu saísse do isolamento absoluto, deveria buscar dar ao centro o meu gosto, ao mesmo tempo em que sumiria a minha crítica do espectro do discurso que eu teria legitimado existir, ainda que essa crítica não seja jamais atendida -- essa é a condição do meio. Eu distanciar-me-ia do meu texto para me aproximar da superficialidade do meu desejo -- pertencer ao bom que eu julgo errado. Consigo esboçar um sorriso bobo para quem me aceita de novo parcialmente, mas é, na verdade, meu profundo desejo de vingança que se controla por uma força de autopreservação que provavelmente censurará minha mente. A marginalidade do contato com o fashion produzirá aquilo de menos espontâneo para o fashion, enquanto que a centralidade do fashion produzirá o bom em si, o gozo belo. O meu distanciamento dos meios comuns de conhecimento e cultura produziria um monstro, sem coerência possível na gramática do outro, um monstro de inspiração barroca e odiosa. Se eu fosse revestido por uma visualidade nova, eu poderia visualizar o mundo com esquecimento e recomeçar as minhas relações; é claro, se o mundo também fosse dotado de grandes aptidões terapêuticas da teoria psicanalítica: suponhamos que todos o super-egos de todos se dissolvessem, viveríamos um momento de gozo muito forte, seguido de uma nova e verdadeira ordem social. O que não acontece se eu simplesmente voltar a tentar galgar um lugar digno nos meios culturais produtivos da minha geração. O que também não quer dizer que todo o meu olhar odioso e barroco não signifique uma exacerbação do meu super-ego, nem que o meu super-ego esteja certo e tenha de fato reconhecido perigo e, por isso, "ordenado" o isolamento o quanto antes. A quantidade de besteiras que posso ter dito movido por esse monstro odioso e barroco pode ter gerado mais isolamento e reforçado olhar super-egóico, tornando visível para todo mundo da cultura as minhas falhas e fraquezas na interpretação do mundo. O recalcamento, que é produto do desejo mais a repressão do mundo, é visto pelos outros de maneira mais clara, ou de maneira espelhada, pelos outros fazerem parte do mundo, sendo ou não sendo agente repressor. Para o recalcado, para mim, o que o desejo recalcado expressa é aquilo que objetiva minimamente o seu impedimento, o que o trauma recolhe de evidências no mundo e organiza em lógica, embora permeado de moralismos construídos pelo super-ego. O monstro odioso e barroco está ali pertinho da sociologia; o seu (re)recalcamento (ou sublimação) pode ser que seja a cura pela psicanálise.

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