terça-feira, 14 de março de 2017

dialetica do historiador e do sociólogo

Ora, como não poderá o olhar individual atrapalhar a análise dos fenômenos sociais pelo sociólogo? Posso, aqui, demonstrar a maneira mais recorrente de "deturpação sociológica do universalismo verdadeiro": o sociólogo frequentemente assume como sentimento de verdade um injustiçamento que tenha vivido. O seu olhar de uma única vida, que não pôde observar o todo do desenvolvimento da humanidade, nem para o passado, nem para o futuro, eclipsa a verdade total contida na epistemologia da eternidade e da longa duração. Existencialmente, o sociólogo estará em seu direito ao dizer a seguinte verdade: a de que interessar-lhe-á mais a verdade da circunscrição do seu olhar e do seu tempo do que a eterna, porque a morte lhe furtará, incondicionalmente, a manipulação do conhecimento para o seu proveito. Nisso consiste a percepção de um injustiçamento, até. Mas a questão toda é que o alvoroço sociológico em si tem que estar  incluído no olhar de longo termo, nos processos ininterruptos de resolução dos conflitos econômicos -- e está: o individualismo da morte existencial, embora eclipse a verdade total, não a esconde totalmente, sendo a sociologia um evento particular e, por vezes, paradoxal e incompreendido, mas inevitável para o desenvolvimento pleno da sociedade em direção ao seu aprimoramento. Então, se o sociólogo, a um primeiro olhar, pode parecer conservador ou impreciso ao observar a sociedade do seu ponto de vista de inspiração injustiçada ingenuamente egoísta, estará servindo de matéria-prima para uma análise mais aprofundada, calcada em uma epistemologia eternalista, por estar agindo como propulsionador dos conflitos que vão mettre à jour o paradigma da análise. O caso da emergência do poder simbólico contra o economicismo me vem como um bom exemplo dessa dicotomia suscitada pela sociologia, na história do desenvolvimento ideológico da disciplina. O poder simbólico como argumento sociológico contra o economicismo, sustentado pelos marxistas, pelos braudelianos. A formação do Grupos de Trabalho de Pensamento Social Brasileiro na Anpocs, de crítica sociológica aos intelectuais brasileiros do modernismo, consiste em outro exemplo. Embora possam ser lidos como à direita, igualmente não estarão à esquerda aqueles novos analistas da sociedade que não reconhecerem a capitalização que geraram às suas famílias, que poderão desse capital se beneficiar para obter recursos, numa nova configuração do capitalismo brasileiro. A fundação da UDN, convocando as classes médias urbanas e setores ressentidos do interior do governo Vargas, é outro exemplo desse tipo de olhar sociológico: mesmo que tenha desembocado no golpe militar de 64, a crítica do (res)sentimento urbano deverá ser percebida como reflexo das transformações das estruturas produtiva e distributiva brasileiras. O sociólogo produz conteúdo sofisticado que cabe ao historiador analisar dialeticamente -- onde, fatalmente, encontrará um substrato econômico.

Nenhum comentário: