segunda-feira, 30 de julho de 2018

sobre a natureza da sociologia e a circunstância do sociólogo

Se perguntado sobre a natureza da sociologia, um sociólogo talvez não seja quem poderá responder da melhor maneira a eventual dúvida. Como figura vivente do processo político próprio que a sociologia evoca, o sociólogo, ao descrever a ontologia segundo a qual se apropria do mundo, de onde está, provavelmente conferirá ao seu conteúdo discursivo considerável teor de enviesamento: um envisesmento marcado por denúncia e anseio de transformação política. Seu ponto de vista marcado pelo déficit vital aplica luta e sacrifício à renovação programática dos intentos da entidade supra-individual a que desfere suas críticas. Talvez seja preciso buscar a resposta sobre a natureza da sociologia em alguma instância transistórica e extra-social, que possa oferecer uma resposta mais teleológica e funcionalista do papel mezzo quixotesco desse prenunciador de novas eras morais e produtivas. É preciso que se analise o fenômeno do nascimento da sociologia como uma realidade metassocial, que se desenha a partir dos aspectos condicionais da natureza da vida, e que se autoexpressa em uma forma discursiva motivada por impulsos aguilhados pelo horror baixo, desonroso dos sintomas da escassez vital relativa. É próprio do ciclo universal do movimento de reprodução da vida essa criação do indivíduo rejeito, do excedente, que enseja a formação de novos núcleos, que operarão da mesma maneira a ejetar, naturalmente, o que sobra, e assim sucessivamente. E talvez seja próprio também da matéria -- o desprendimento e o vórtex negativo, que centrifuga o "algo" e permite que o "nada" seja repreenchido, como consequência de alguma força metafísica que reclama a ocupação do vazio. O sociólogo gritará para o vento na medida em que for alijado daquilo que constituía, para ele, os elementos da sua expectativa de saúde honorífica. Quando o núcleo de parentesco não oferece mais reciprocidades positivas, o sociólogo, esse primo pobre, se vê desumanizado de tal maneira que procura introduzir novas formas e novos conteúdos para a sociedade de que é membro. Seu apelo à moral conclama os outros desafortunados a comporem o grito da insolência e da demanda reestruturadora: novas formas de organização social -- e produtiva; novos conteúdos, conceitos, para lidar com a concepção circunstancialmente imoral de entendimento da abrangência da dignificação social. Se não pode fugir pela floresta, juntar os seus próximos e fundar uma nação, que reproduziria o ciclo de parentesco primitivisticamente sustentável, o sociólogo, esse quixote do futuro, argumentará -- aparentemente em vão e com a histeria dos visionários -- pelas modificações concretas da dinâmica das recompensas vitais, na sociedade em que está inserido, funcionando como agente da complexificação: demandando mais humanidade. É por causa da sociologia que a demanda dos desprovidos é atendida; é graças à sociologia que história se movimenta para realizar transformações produtivas que possam alterar a capacidade de suporte metassocial para expansões demográficas, para expansões da renda, para expansões dos limites da experiência do gozo. É a sociologia essa força da natureza que surge das incapacidades das condições presentes de atendimento das demandas individuais, e que obriga, pela esfera discursiva, a transformação socialmente beneficiadora dos significantes dessa teia sociobiológica que paira sobre a vida orgânica, progressivamente para um sentido mais universalizante: como se a constituição da vida tivesse um dispositivo latente, um fato tendencial, uma "praga do bem-comum", que obriga a sociedade a ceder e a expandir-se: talvez seja melhor chamar a sociologia, por um olhar transistórico, de anti-praga, pois retira as ervas daninhas e permite ao corpo vital reproduzir-se e ampliar-se, tornando-o um só e maior.

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