quinta-feira, 3 de setembro de 2009

então vem cagar comigo!

Finalmente sinto que não dá mais para engolir. Se tudo o que comemos deve ser digerido e cagado em algum momento, eu digo que agora estou satisfeito e faço a digestão, espero cagar, é somente o que falta para completar esse ciclo. De tudo aquilo do mundo que comia e comia e comia, desesperadamente, procurando satisfação, agora sobraram algumas coisas mordidas, alguns farelos e muitas coisas pela metade, o que pode ser visto como um desperdício, mas era o que eu quis comer até o momento em que me empanzinei. É preciso agora que eu cague tudo o que eu consumi do mundo nesse ciclo da minha vida, mas nesse momento ainda estou na digestão. Eu diria que agora foi o momento de pico do hormônio que traz saciedade: empurrei o prato pra frente e levantei, com uma cara de desgosto pra comida e com olhos agora pra qualquer tipo de coisa que me ajude a digestão, como uma boa diversão, uma tv, um carinho, um baseadão. Tenho a sensação de que parar de comer é o vislumbre da cagada, e por isso é de certa forma sublime, porque já se está satisfeito, já não há mais por que comer e tudo o que se segue agora é uma espera pela cagada, pela certeza da liberdade, aproveitando o máximo que puder, esse tempo de espera, desde que não atrapalhe a digestão. A única coisa que não pode ser é a cagada vir somente com a morte, muito embora eu não acredite muito nessa libertação para além da vida, sou moderno o suficiente para saber que cagar faz parte da vida assim como a morte, ou seja, para saber que as duas coisas vão acontecer independentemente uma da outra, por mais que simbolicamente recorrentemente sejam aproximadas, o que é um total engano. O negócio é que a cagada é especialmente mais importante e feliz para a vida. É com a cagada que você consegue deixar para o mundo aquilo que você criou com aquilo que ele te deu pra consumir: a cagada é arte, a cagada é a realização na cultura, a cagada é fazer a sua parte; diferentemente da morte, que é fim, a cagada é expressão da vida, que se mostra operante. Esse momento em que estou agora, de digestão, é, portanto, um dos momentos mais animadores e extasiantes. É o momento em que já não há mais aquela angústia do comer sem saber quando vai acabar a fome, é momento em que há, sim, todo o regozijo do fim do trabalho e do início do fim de semana, que se encaminha para o domingo, o momento maior do mundo, o dia do descanso, homenageado com uma grande cagada; é o que nós, homens, somos capazes de fazer, de criar pra seja lá o que for que se chame de deus - essa instância abstrata e possivelmente inexistente que tudo vê. Veja, então, deus, o meu cocô, aquilo que eu faço com o mundo, aquilo que é o clímax, o gozo, a arte, o belo, o ponto final de um ciclo, o objetivo maior de tudo, uma bela cagada, um domingo.

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