terça-feira, 1 de agosto de 2017

história econômica da imortalidade

O impulso vital me parece ser o grande motivador das existências dos homens, uma vez que aqueles que protegem as vidas de cada indivíduo são alçados a posições de liderança. Mas também é o impulso vital que coloca esses mesmos líderes em tal posição de superioridade. A razão disso é que provavelmente o impulso reprodutivo, "a força do gen", fala mais alto, resultando em que o mais forte ceda a vida aos outros, em troca do seu prestígio de homem bom, insígnia que garantirá aos seus herdeiros o prolongamento de sua linhagem. Dito de outra maneira, os organismos vivos, de uma maneira geral, se esforçam por estabelecerem-se na terra o máximo de tempo possível,  a dita força biológica refletindo no desejo pela vida e pela reprodução, anteriores, que convencem os humanos mais fracos a aceitarem a dominação, e os mais fortes a cederem parte de sua força. O que acontece é que a pulsão incontrolável pela existência - e pela imortalidade, que se desdobra na criação de legados - é uma regra geral, que perpassa desde os escravos aos senhores, dos plebeus aos nobres, dos proletários aos burgueses -- dos maus aos bons artistas... Como é importante para o senhor ceder aos seus súditos cada vez mais vida, para que ele se enobreça mais e perpetue seu legado, também é irremediável que, conforme cresça a plebe e os subalternos, também se estenda a eles o desejo pela imortalidade, pela continuidade de seu legado. Conforme a plebe aumenta, aumenta o contingente de demandantes por perpetuação de sua linhagem, ampliando-se, assim, o quanto de si os líderes terão que dar ao povo -- o desenvolvimento desse processo de expansão da demanda de prolongamento da linhagem só se torna possível se a produção material for capaz de dar conta de abastecer mais pessoas. Essa dinâmica política chegaria a um nível tal em dados momentos históricos que a necessidade de revoluções social-produtivas impor-se-ia, de modo a atender o impulso vital que busca expandir-se. Maior o legado de alguém quanto maior for a capacidade material e objetiva da sociedade que suplanta o prolongamento do seu gen. O ganho que o século da modernidade garantiu ao pensamento teológico -- ou ateológico --, como desenvolvimento dos esforços tecnológicos alimentícios e militares, foi a ciência e o niilismo metafísico. O Romantismo, exacerbação máxima do indivíduo e da vida íntima, tem como forte característica o abandono da noção de transcedentalidade, e até de transgeracionalidade! Não é por acaso que historicamente ele se localize como a espuma das Revoluções Industriais, surfando no crescimento vegetativo europeu... A partir do Romantismo, o impulso instintivo humano de perpetuação do seu tipo, que cada indivíduo comporta, foi intelectualizado; e então se percebeu o quão irracional poderia ser a busca pelo legado ou pela vida após a morte. E como o instinto não se pode controlar, o desejo do gen encontrou na ciência uma muleta -- e procurou na sua exponencialidade de geração de conhecimento a solução para o seu impulso instintivo: o homem, pela ciência, pela medicina, amplia sua capacidade de conservar e enaltecer a vida. Inconscientemente, ele continua procurando a vida eterna: agora a sua, individual, corporal, uma vez atingido determinado patamar de desenvolvimento das forças produtivas. Talvez não seja demais dizer que a luta pela imortalidade nas três dimensões configura-se o sinal atual do que seria o telos que o impulso vital impõe à vida, que se expressava mais simplesmente no passado na disputa material e econômica dos povos ao longo dos séculos pela perpetuação do seu legado étnico-cultural. O fenômeno do Romantismo corrobora esta ideia pela seguinte razão: uma vez eliminadas, ao menos em abstrato, as ideias de nobreza e legado -- assim como eliminados os entraves produtivos à acumulação e à abundância econômica -- o homem dá-se conta da sua individualidade, da sua morte e da tragédia que ela representa em vida, já que não se admite mais a ideia de que um legado ou de que uma vida após a morte possa perpetuar a existência, agora desencantada, habitando um organismo vivo individual, um corpo, e não mais uma entidade transcendental ou transgeracional. Nasce, então, o Realismo. A noção da corporidade da alma, e de sua finitude,  jamais abandonou o pensamento ocidental com a força do ateísmo desde as Revoluções Liberais e Industriais, talvez infelizmente -- mas ela fez um filho interessante, e um neto da maior importância: do Realismo, forma de arte anuncia a sociedade que já assume corporidade da alma com a dureza da consciência plena de um fato, nasceu o Futurismo (filho), que deu a luz à Revolução Bolchevique (neto), inspirada pelo cientificismo absoluto, apoiada por interessantíssimos futuristas russos, pais do Programa Espacial Soviético, amantes do Imortalismo moderno materialista, como Nikolai Fiodorov, alimentadores das esperanças -- econômicas -- da humanidade .

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