Pra mim, admitir isto que vou admitir aqui, é critico. Mas, ah, eu prefiro deixar a culpa nos meus desejos, nas superestruturas e infraestruturas - prefiro naturalizar logo os meus atos pra nao me culpar depois por qualquer coisa e ficar com aquela agoniazinha de ter que, pelo menos, rezar o ultimo pai nosso no meu derradeiro momento de moribundice. Tenho medo de acabar com uma esperancinha boba e iludida e profetizar o mal, a decadencia e a podridao que o nosso paisinho espera.
Eu estou dizendo, gente, que temos uma geraçao Bossa Nova de novo, totalmente vazia. Diria que, talvez, nao tao vazia - tem o Los Hermanos cantando suas barbudices num Circo Voador reinventado na Lapa. Ah, a Lapa - ela tem seus encantos, sim, mas eu sinceramente acho mais gostoso saber que ainda assaltam por la e que nao esta tudo tao reinventado como o Circo e a bossa-novice barbuda, caqui e chata do Los Hermanos.
Acho que é essa historia de desenvolvimentismo que encheu a nossa cabeça, desde que deixamos de ser nada pra ser alguma coisa que disseram que nos éramos. Acho que todos os simbolos que foram criados aqui, foram pra exportaçao; pra sustentar um fetiche dos outros, la de outra ilha, que nao tem coco. Ai, agora, temos esse impulso economico infraestrutural que faz a gente crer que indio é gente, que Bossa Nova é verdade, que barba e Nova Lapa sao 'cults' - "o Brasil cresceu", dizem. Ai, que medo de reformarem aquele cais do porto, de tirarem de vez todas as favelas de perto de nos, de apagarem qualquer vestigio de primitivismo, nosso primitivismo, Brasil, pra gente poder cantar Noel Rosa e Pixinguinha, Bezerra da Silva, sem ter que recorrer aos nossos pais, a um imaginario coletivo distaaaante: nossa idade média, nossa formaçao, nossas injustiças! Pra gente poder escutar Funk mesmo, podreira, sem ser na Barô, como se fossemos Nova Iorquinos ouvindo Tom Jobim.
Nova Iorquinos ouvindo Tom Jobim.
O problema, é que talvez essas mudanças, progressos, finalmente, progresso pra esse povo finalmente ordenado! Mudanças e progressos que parecem ser inevitaveis! O mundo inteiro, mesmo, ve o Brasil e a India e a China surgirem ali no horizonte, como macacos inferiores que agora se equiparam. Eh muito dificil encontrar um Francês por aqui que realmente ache que no Brasil as pessoas trabalham e que existem mulheres que nao sao putas. Nao que ser puta ou nao trabalhar sejam menos dignos, nao estou entrando em discussao de valores. Mas acho que agora, esse nosso desenvolvimento, permite que a gente esteja tete a tete com eles, todos somos a mesma coisa, humanos, mortais, consumidores.
Eh, meu povo brasileiro, acho que de tanto vendermos Brasil de sol e praia, depois que Caetano e Gil foram celebrados internacionalmente com sua sertanejice tropical, talvez tao raivosa quanto essa minha indignaçao do desenvolvimento cego, depois que ja se lançou o que é Brasil em filmes e musicas e livros, acho que agora nao precisa mais. Acho que agora temos um ultimo passo, o passo que nos decretara, finalmente, desenvolvidos: a gente precisa reconhecer que a merda que nos somos é a mesma, mesmissima merda que todos esses paises centrais dizem ser. Sempre fomos a mesma merda, mas economicamente ainda estavamos tao abaixo, moralmente estavamos tao submetidos que realmente acreditavamos que eramos um indio, ou um sertanejo triste, ou um bon vivant bossa-novez que nao trabalha e so bebe whisky.
Ah, Brasil, parece que, desde sempre, você so seria você se fosse um você grande, bonito e forte. O Guarani rapidamente foi desbancado pelos realistas, pelo Triste Fim de Policarpo Quaresma e pelos modernistas. Que simpatia eu tenho por esse tom ironico deles! Porque é necessario mais uma vez dar gas a um movimento que a antropofagia desenhou. Essa espécie de sentimento amargo, de ruptura com a ilusao - eles cuspiram na cara de quem matou Policarpo Quaresma. Mas apontaram pra frente pra outro lado. Somos filhos disso: de outro caminho pra frente, da morte de Policarpo, do sarcasmo realista do Machado, do impulso iveterado de Oswald, da brincadeira triste e ironica da Poesia de Mario de Andrade.
Nao, por uma questao de posiçao estilistica e politica e poetica, prefiro nao me aproximar do Drummond. Nem do Vinicius. As auras que perpassam esses nomes, suas linhas, ah, falta nelas essa minha inquietude, essa minha dificuldade, essa minha agonia de quem desvenda e nao sabe parar. O que aqui se pretende é justamente um edipianismo insaciavel, nao vou seguir os conselhos de quem quer que seja, porque a peste esta aih, eu ouço os clamores. A peste é o desenvolvimento!
Me perguntaram outro dia o que que eu achava da policia ter acabado com o trafico em Copa e do Brasil agora ser uma futura sede das olimpiadas. Foi num debate num curso de Francês e civilizaçao francesa. Eu respondi suave, como quem ja sabia o que dizer pra um inglês ver. A menina que me perguntou era uma alema: "ah, é bom, né, mas existem varias questoes por tras." Por aquele momento, ou passei de pseudo-guevarista ou de um total imbecil, porque eu juro, juro, que nenhum europeu me parece realmente querer entender o Brasil para além dos perigos para o seu turismo. Europeu adora ir pra onde ele nao mora, mas ele preza por segurança, e isso é tudo.
Segurança! Nao foi esse o emblema desde sempre? O que foi a Reforma Sanitaria, se nao era pra assegurar que nao haveria doença? O comunismo e a segurança nacional, do brasil esfacelado de Getulio e Prestes ao Brasil esquentado pela Guerra-fria - como eram lindos os japoneses e os chineses! Nao queremos estar seguros de que somos brasileiros, de um pais grande, estavel, seguro? As empresas nao avaliam aquela merda de risco-pais? (Que porra é essa de risco-pais????) A gente nao é brasileiro MESMO porque se sente mais seguro na rua do que um gringo? Ah, mas como é bem mais legal ser gringo e poder estar seguro que nem eles nao importa aonde, nao importa o que. Tenho medo de brasileiro que atora o perigon do Bope.
Mas acho que foi mesmo as custas disso, dessa loucura de desenvolvimento, segurança, Brasil pra frente, do futuro, que chegamos aqui. Tudo bem que a gente pode ficar pensando que as criticas marxistas e primitivistas e libertarias da antropofagia e da tropicalia eram incisivas ao imaginario romantico e desenvolvimentista do Brasil. Sim elas, tinham uma angustia, uma nostalgia, uma melancolia, exponenciada depois por Cora Coralina, que gostava de olhar pro abacateiro, que tossia de ver tanta fumaça em Sao Paulo. Mas a cora perdeu o embalo, corrupta, engolida pela poética padrinha de Drummond e ficou lá em Goiás, num aquário, como a vovó árvore da Pocahontas, que se reservava a dar conselhos num espectro entristecido e bucólico.