terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

em terra de cego, quem tem olho é Rei

Assisti o Ensaio Sobre a Cegueira e eu precisei vir escrever. Sério. Foi muito impressionante pra mim. Eu vi a construção das organizações sociais, eu diria que eu poderia comparar aquelas relações com muitas existentes na Terra. Gostaria de comparar o mundo, antes da cegueira, ao Império Romano. A ordem, uma República, as coisas sob uma ordem. De repente, a cegueira se abate sobre a humanidade, como a queda do Império Romano, e começa a haver a crise de controle. Não se conseguia mais manter o controle sobre todas as instâncias do Império, e a riqueza e o controle do Império foi concentrado paro o lado oriental. O lado ocidental ficou à mercé grupos que se utilizavam de violência para reforçar seu poder. O Rei formado por essa crise de poder, ou seja, o comandante ali vigente pela violência é sabotado e as pessoas se tornam livres para ir aonde quiserem. Mas como? Eis que se valorizam mais do que nunca as habilidades mais necessárias. A mulher que enxerga no filme é lembrada como a mulher que enxerga e aquilo tem um valor superior a qualquer outro valor dos outros, embora eles também tenham. A mulher é a suserana daquele pequeno povo, ela conhece um bom lugar para viverem, ela é o melhor que poderia ter acontecido a eles. Suserania e Vassalagem. Os feudos medievais eram regidos por contratos morais independentes, condizentes com a situação de cada Feudo e de cada Senhor Feudal. O que tento estabelecer aqui é o como a relação de luta de classes se acomete em situações chave. Quando o cara que tem a arma no filme se apodera dos bens de consumo, ou da origem deles, exigindo uma forma de remuneração, eis que se forma um Estado semelhante ao concebido na época em que Marx desenvolveu sua obra. Havia uma classe que controlava tudo, muito embora houvesse representantes de cada ala. Só que o poder lá, como no Império Romano, foi sabotado por grupos emergentes, pois havia uma idéia de libredade, pois um novo horizonte se abria apesar da cegueira: era preciso descobrir o mundo dos cegos - como na queda do Império Romano ainda havia tudo além do Império. Não vejo possibilidade de um acontecimento como o da queda de Roma, a não ser sob uma circunstância como a exposta no filme. É como a retirada de um acúmulo. Hoje já conhecemos o mundo inteiro, seria preciso surgir o desconhecido, uma idéia de algum lugar para onde ir ficar livre, como no filme, onde a cidade, feita para quem enxerga, como tudo para os homens, é habitado por cegos que ainda precisam descobrir, há um além a ir, há espaço para habitar, há novas leis a serem criadas. O Feudo da mulher que enxerga, no filme pelo menos, é pacífico, eles gostam da mulher, da sua Rainha, líder, como queira chamar. Esse filme, pra mim, ilustra perfeitamente a situação de fim de Estado surgida com a Queda de Roma. Um digno Estado de Natureza hobbesiano e surgimento de Soberanos, sem nenhum sentido pejorativo sobre o conceito. Depois de tudo, o final propõe uma reflexão interminável de como viria a ser o mundo. Seria como o renascimento? Talvez, mas sem o ranço que o absolutismo e a Igreja depositaram sobre a Idade Média. Seria um renascimento logo após o início da Idade Média, como se a Igreja nunca tivesse queimado as bibliotecas de Roma, como se a razão estivesse influenciada pela necessidade dos cegos. Não sei ao certo, não dá pra saber e esse era o objetivo talvez... Só falando com o Saramago. Ou não.

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