terça-feira, 7 de julho de 2009

cuidado com poetas

Certa vez Pessoa escreveu que o poeta era um fingidor e justificou brilhantemente sua heteronimia, além de metaforizar sobre todas as mais diferentes posições que cada humano, demasiado humano, pode ter sobre aspectos da vida. Pessoa fez uma grande e crítica análise sobre as restrições da linguagem quanto à verdade. Isso tudo foi, sem dúvida alguma, magnífico, mas permito-me utilizar desse verso "O poeta é um fingidor" com outra conotação. Talvez um pouco mais rodrigueano que ele, observo o fingimento do poeta em sua vida cotidiana. É preciso ter cuidado com os poetas! Normalmente escasquetados com as coisas do mundo, os poetas sempre podem recorrer à sua poesia - e talvez isso possa se estender a mais formas de expressão artística, não sei dizer... Sempre que sente vontade, o poeta despeja em sua arte toda a sua indignação, seu sofrimento: poesia é quase que um ritual de confissão. Dissimulado, incapaz muitas vezes de legitimar seus moralismos - não importa de qual time - na vida real, o poeta corre, recorre à poesia: evacua e dá a descarga; xinga camuflado; vive mascarado. Se todos sentem a mesma vontade que o poeta, não posso afirmar, muito embora acredite piamente nisso; mas o que há de terrível e de temível nos poetas é a sua capacidade ardilosa de executar esses pensamentos pecaminosos de alguma forma, expô-los, gerar a fofocada interminável a respeito do mundo, das coisas e das pessoas, e seus modos, potências e atos; que aterrorizaram o poeta, o fizeram recolher-se e reconhecer nas tramas da vida as falhas éticas de todos, justamente aquilo que faz questão de expor. Pode-se, sim, considerar o poeta um lobo-mau. É ele quem futuca a ferida, quem fala o que todos pensam mais profundamente, secretamente; ou o que é tão absurdo que chega a machucar, que chega a ser imoral! E quanto àqueles que se reconhecem nas poesias, o poeta lhes instiga a um voyeurismo sado-mazoquista, insuportável, eterno, etéreo - uma mania - e que poderia nunca ter começado, acreditam, se nada ele tivesse dito.

É preciso estar de olho! Os poetas se dissimulam, fingem tão completamente serem pertencentes à vida normal; mas quando menos se espera, eis que lançam-lhe um tapa na cara poetizado, e você se sente traído!

Um comentário:

Isabella disse...

adorei o texto! muito bom!