quarta-feira, 27 de maio de 2009

repostagem: Rotinerário

Era constrangedor.

Parado sobre o balcão da lanchonete chinesa era onde ele estava – pela milésima vez no ano. Comeu três salgados, três! Porque era irresistível, havia naquilo um encantamento noir, aquele sulco gorduroso típico de salgados de lanchonete de 5ª, a pressa incomum com que se comia aquilo, a agonia afobada da fome interminável.

Ele tinha preocupação com a sua forma.

Mas não dava. Aquilo tudo tinha uma beleza oleosa, incompreensivelmente sedutora. Seduzido, comia e se arrependia, desgostava da sua gula inabalável.

A chinesa, que raramente entendia o que era dito e pedia, com um sotaque horrível, para repetir o que havia pedido: acertar as contas. Ela o encabulava:

– 3 salgados e um caldo de cana.

– Tlês sagado e u cádo?

Não era necessário que ela respondesse a pergunta buscando confirmar o que tinha dito, se disse, estava dito; e dito duas vezes! Ele estava envergonhado; os colegas, acostumados, já o tinham julgado por seu apetite voraz desde priscas eras, desde muitas outras vezes. Aquilo era apenas mais uma evidência real.

Empanzinado.

Aquela chinesa feia, no calor, contou o dinheiro pago, mexeu no troco, serviu outro cliente. Sem nenhuma luva, sem nenhuma higiene básica. Era lá, nessa merda, que ele sempre voltava para encher e perpetuar sua pança.

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