segunda-feira, 25 de maio de 2009

Intoxicação alimentar

Você acreditava que a vida era uma merda, que o seu ciclo social às vezes fedia e que toda a conjuntura do universo era feita de princípios escrotos que tenderiam a levar qualquer coisa no mundo à desgraça. Inclusive a humanidade. Mas você nunca conseguia afirmar com tanta convicção: sempre lhe vinha a dúvida pós-moderna, questionamento racional em oposição às evidências inexplicáveis. Isso porque você ainda não tinha sofrido de intoxicação alimentar.

Foi tudo muito estranho. Um amigo te chama para ir numa festinha no apartamento dele que está à venda, logo não há nada lá, exceto uma geladeira velha para abrigar bebidas e água. Você não estava muito a fim de ir, porque tinha bebido na noite anterior, tinha acordado de ressaca, tinha que fazer um ou mais trabalhos para a faculdade e estava achando a vida meio merdinha naquele dia. Mas, não, você pensa, tenho que sair de casa, é só mais um dia de um fim de semana que, se você não sair, durante a semana, durante o sofrimento injusto dos dias da semana, você vai se arrepender amargamente, vai, Antônio, vai. Aí você sai, afinal é pertinho da sua casa e nada pode ir tão fora do controle assim, porque é a casa do seu amigo, só vão ter alguns amiguinhos e tal. Doce ilusão.

Atrasado por ter ficado um bom tempo enumerando prós e contras da noite, a primeira coisa que você faz ao chegar é ir se servir de bebida. Você vê um suco de laranja de caixinha ali, do lado de fora da geladeira, alguém já deve ter usado, e você serve primeiro a vodka e depois o suco (clássica manha pra não usar colher, válida também com adoçante). Vodka com suquinho de laranja não poderia ser mais usual. Não tinha gelo, mas estava tudo relativamente gelado, então tranquilo. Você dá um gole, sente algo estranho, e eis que entra o amigo dono da casa inabitada fora em dias de festinha. Ele diz: "ah, cara, você se serviu desse suco? Ele tá aí na geladeira aberto há dois meses, desde a última festinha que eu dei aqui. Eu tirei da geladeira pra ninguém beber, deve tá podre." Imediatamente você joga fora na pia o conteúdo do seu copo e repara que havia colônias de bactéria nele, em formato de placas. Vocês zoam sobre as bactérias e você não diz que deu um gole, pra parecer malandro. Tudo, depois disso, na festinha, corre como o regulamentar: conversas, mais bebidas, agora com o suco correto, até que você vai embora.

Chegando em casa, algumas comidas lariquentas à luminosidade suave do nascer do sol e cama. Você acorda por volta das 8 da manhã com aquela diarréia digna de porre - mas você nem bebeu tanto assim, só duas doses! Você acorda de novo às 8:45 para mais uma sessão. Você acorda agora às 10:30 da manhã com um pesadelo horrível e com seu irmão falando pra você ir se arrumando, "vamos sair pra almoçar com o papai e com a mamãe". Você anuncia estar enjoado pela primeira vez. Às 11:30 você vomita pela primeira vez. É o início do fim. Sua pressão baixa, você fica com febre, não consegue mais resistir e vomita mais e mais e mais. Todos tentam ajudá-lo: toma chazinho, toma esse remedinho, minha mãe diz que isso é otimo pra enjoo - em vão. Deus havia lhe preparado outra sorte (ou falta dela). Você fica na cama, sofrendo, pensando que vai morrer e finalmente você figura detalhadamente toda a injustiça da vida. Você percebe que tudo aquilo que você tinha pensado sobre como o universo funciona de um modo que, se surgisse uma espécie de vida, invariavelmente ela seria escrota e se fuderia, era verdade. Você quase pode tocar a ideia.

?

Você se dá conta do quão ruim é passar mal, e tudo por causa dessa merda de sociedade industrial, pós-moderna, terceirizada, cheia de códigos escrotos, fichas simbólicas em profusão e ainda assim sujeita à desatenção do ser humano. Você bebe um suquinho estragado e se torna um macaco doente, fudido. Você fica doente e não consegue mais fazer nada. As coisas são realmente escrotas. E você só pode afirmar isso com convicção depois de ter sofrido uma intoxicação alimentar, porque você então, somente então, realiza que não passa de um macaquinho impotente perante a sua organicidade e seu pertencimento ao universo tal qual ele é. A experiência negativa, mais do que qualquer coisa, traz uma sensação de certeza plena. Você pode apodrecer também!

3 comentários:

Metradomo disse...

Rendeu algumas risadas, Xone. Cara, que bad, você bebeu aquele suco! xD

Metradomo disse...

ps: é o Zi

Manuela Cantuária disse...

clap clap clap