domingo, 31 de maio de 2009
considerações aos últimos raios de sol
O dia, e todas as suas vantagens de fazer cumprir vontades, dá sinais de seu fim. É quando se pensa em uma possibilidade e tudo se turva, tudo se vê irrealizável, não pode mais haver créditos à sua capacidade criativa, é preciso que aja. As coisas mudaram, agora é hora de usar os instrumentos criados ao longo do dia, à luz. E é aí que está o grande 'X' da questão: usamos o tempo do dia para criar utilidades ou futilidades? Criamos ou não criamos instrumentos para sobreviver à noite? Perdi ou não perdi meu tempo? O fim de tarde incita essa dúvida, essa falta de confiança no que foi criado, porque à noite é acaso. Cogita-se também, durante o fim de tarde, se a nossa postura durante o dia foi correta, se fizemos o que deveria ser feito; e algo além: se a postura correta é suficiente para fazer os melhores instrumentos, se não há algo de nobre e de inato, predestinado naqueles que sobreviverão. Mas, alguns defensores das cidades, dirão que não é mais necessário preocupar-se tanto assim, pois aqui, na úrbia, já se asseguram todas as prerrogativas da sobrevivência. Na cidade, o fim de tarde não representa mais a morte tão propriamente quanto antes, em tempos mais naturais. Garantindo os direitos que faltavam no estado natureza, os direitos naturais, a cidade já teria sido capaz de extinguir essa preocupação excessiva com a vida, com a integridade, e já se poderia, portanto, sentir o dia e a noite livremente, sem ter que utilizar o seus tempos para as atividades devidas; de dia criar o útil, de noite usar o útil; e assim permanecer vivo. Aqui, agora, em meu apartamento, já me seria possível sentir livremente a emanação do dia e da noite, criar inutilmente sob o sol, sob a lua, e tentar compreender os significados do mundo sem haver o que deve ser feito a cada momento, sem julgo do certo-e-errado para guiar minha criatividade rumo à funcionalidade. Poderia criar o inútil, ter vontade de fazê-lo sem acabá-lo; não há procupação com seu fim, não haveria prejuízo. Algo parecido com liberdade. Algo parecido com arte. Mas então o que é que faz tudo parecer igual a antes, mas agora sem justificativa alguma? A cristalização de um tipo de pensamento antigo, dia e noite, trabalho e descanso, por que? E a pior de todas as perguntas, o por que do por que? Sonhos excedidos, impossíveis e, assim, criações inacabáveis, imperfeitas? Neuroses e desejos irracionais? Onde estaria o erro que nos impede a realização dos sonhos, inclusive quando já dispomos de tudo o que aparentemente seria o suficiente? Só peço cuidado ao vir corrigir-me respaldando-se no aquecimento global como qualquer coisa divino-punitiva pelas forças da natureza... Não me sinto culpado, sou somente um ser humano, um indivíduo dessa espécie e não posso me sentir culpado por tudo o que há de errado na Terra. Lanço a mais óbvia pergunta de todos os tempos, em pleno fim de tarde: o que há de errado com o mundo ou com os meus sonhos? E talvez eu mesmo seja capaz de respondê-la, mas para isso vou precisar trazer o pensamento ao mesmo estado de natureza de onde foram tirados nossos direitos. Lá, havia uma preocupação: viver. Por isso a tal lógica do criar à luz para sobreviver à treva. Os direitos naturais, ou seja, a sobrevivência à treva agora já está assegurada, muito embora o sonho da felicidade e do bem-estar não esteja. O fim de tarde enquanto sensação, de não poder mais dar créditos às criações continua perene. A preocupação com a perfeição do artifício criado e a sua consequente desconfiança na sua capacidade de julgo da utilidade do objeto, pois somente o acaso, a noite, poderá dizer a beleza dele, ainda se manifesta na humanidade. Mas agora... agora ele é diferente, pois não se sabe mais o que seria a eficiência, a beleza do artifício, pois não há mais necessidade de sobreviver, os direitos naturais do cidadão já garantem isso para nós. As nossas criações, agora, são para objetivo algum. O que se reflete em nós, eu diria que é não conseguirmos terminar, pois não sabemos o seu propósito, o seu fim. Nossas criações, nossos sonhos, nossas vontades são projetos inalcansáveis, somos nascidos com os direitos naturais que não veem mais propósito no que criam para sobreviver. Nós transfiguramos a sobrevivência para algo que nós chamamos de nossos sonhos, nossa felicidade, nosso projeto maior de criação. Que é individualmente diferente, que é irreal, intangível, que não é natural e, dessa forma, irrealizável. Não há nada material, como a noite, que venha testar a nossa criação - existe coisa mais subjetiva que felicidade e realização? Toda criação se torna imperfeita. O fim de tarde para nós é a frustração: o símbolo da nossa existência, o ícone da humanidade, a criação, que nos fez sobreviver até hoje, a quem adoramos através das artes durante séculos, agora é obsoleta, é imperfeita, é falha, é mentirosa, é pretensiosa. Aquilo que nós somos, uns criadores, uns operadores do mundo, agora não é mais ao que nos reduzimos, e o fim de tarde é aqui: ainda não conseguimos parar de criar, criamos para nada, como quem precisa ter algo na mão para ocupar o tempo. Aquilo que você cria e achou que iria terminar e ver a utilidade ser testada e aprovada nunca chegará ao seu fim; vivemos eternamente sob o por do sol, eternamente na descrença da razão, eternamente desconfiando da nossa arte, eternamente duvidando de nós mesmos, auto-identificados criadores. O fim de tarde é uma crise existencial de personalidade. Perde-se o referencial do que se é, porque o que se cria não mais representa a manutenção da sua vida, e você, até então, era parte integrante de uma sociedade que valorizava a arte, que valorizava a técnica, que valorizava a máquina. Criar pra quê e o fim de tarde perene do quem sou eu.
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