terça-feira, 6 de novembro de 2007

Auto-conclusão

Foi só Henrique bater o olho que logo viu: "Ih, uma seda de celulose! Ainda bem que achei antes que alguém pudesse achar, só o fato de imaginar a sensação de repreensão de minha mãe ou meu pai pegando essa seda...". Em seguida, lembrou como possivelmente teria esquecido aquela seda lá - tirando, é claro, o fato de ela ser uma mini folha transparente. Surgiram em sua mente imagens dele mesmo tentando separar duas celuloses grudadas, desesperadamente. Lembrou-se que havia pensado que não tinha comprado a seda pra ficar separando uma da outra, e sim para usá-la. E se perdia tempo separando sedas perderia tempo de fumar, o que acabaria fazendo em bem menos quantidade ao longo de um dia. Também pensara que - óbvio que muito improvavelmente - o fato das sedas não desgrudarem era uma manobra de alguma conspiração para diminuir o consumo, logo diminuiria o rendimento do tráfico e, consecutivamente, o número de armas de fogo e assim ficariam todos - habitantes da zona sul - muito mais seguros.

Ainda pensando sobre a seda que acabara de achar, e como - ainda não tinha descoberto - ela havia parado ali, lembrou-se minuciosamente de tudo o que foi feito no mesmo ambiente onde a seda foi encontrada uns quatro dias depois. Lembrou-se dos dias que não dormiu, que ficou na presença de muita gente, das pessoas que dividiram aquele ambiente, de todas as drogas que rolaram ali, de tudo o que havia sido apertado numa daquelas sedas transparentes grudadas, quantos mais poderiam ter sido apertados se não fosse o fato daquele pacote conter sedas grudadas, quanta coisa repreensível havia feito naquele ínterim. Era incrível como a simples não-presença de alguém que repreenderia nos deia livres para agir sem repreensão.

"Mas não era nisso que deveria estar pensando. Pelo menos inicialmente eu queria descobrir como deixei a porra da seda aqui explanando durante quatro dias!". Esforçou-se mais. Lembrou das possíveis reflexões que teve nos momentos de embriaguez. Possíveis pois estava muito doido para lembrar se era exatamente aquilo. "Acho que pensei sobre escolhas, sobre riscos que impugnamos a nossas ações. Expectativas... Era por aí...". Mas queria porque queria descobrir como aquela merda foi parar lá.

"Foi isso!" na sua mente, estabeleceu a possível lógica do acontecimento: estava lá separando sedas e, por ela ser transparente, ao catar todo o lixo que havia sido gerado no ambiente naqueles momentos de comportamentos irrepreendidos, nao a viu. "Deve ter sido isso" e assumira para si aquela verdade. Aquela provável verdade. E possível mentira. E aquilo já não mais o perturbava, havia respondido à pergunta, argumentara plausivelmente consigo mesmo e aquilo era o que mais se encaixava com uma verdade. Talvez fosse a resposta mais abrangente também.
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Moral da história: com memória falha, vive-se de mentiras, tal qual o ausente. Mas a irrelevância que julga-se terem alguns fatos permite construir mentiras que interpreta-se como verdades. Abram os olhos para tudo. Ou então nem sequer comece a questionar, pois se começar, apresentará para si prórpio uma versão que irá acolher, além de refletir sobre outras coisas que não eram o foco. Mas se o que queres é refletir...

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