quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Cagando prá vida

Cá estou, pela segunda vez no dia, num momento de exposição, refletindo. Me situo desta vez sentado ao vaso, pensando – olha a maluquice – que talvez tenha passado a precisar tomar banho e cagar por essas ações me proporcionarem momentos da mais fina e absoluta reflexão metafísica. E não por uma simples necessidade metabólica.

“Foi todo um processo até o que era uma simples cagada tornar-se conseqüência de uma necessidade maior de refletir, quando antes era exatamente o contrário.” assim eu me disse. “Primeiro, quando era criança, apenas ia cagar. Era natural. Era fisiológico. Era... (hormonal?). Enfim, o fato é que não me lembro de devanear sentado ao vaso sanitário quando criança, aliás, pouco me lembro de ter devaneado sobre qualquer coisa quando criança. O tempo passou devagarzinho... Sem questionar-se, a vida não parece tão efêmera. Mas, mesmo assim, o tempo passou. E então, passei a ter que escolher por mim algumas coisas que ainda não julgava tão sérias, ou melhor, nem sabia o significado real de seriedade, não podia perceber situações dignas de se tomar por sérias. Agia como criança ainda, sem pensar. E bati com a cara no poste – estou olhando, nesse instante, para uma propaganda de alerta às escolhas da adolescência, atrás da Megazine, e tem um super-herói, que na verdade se fode, não é tão super assim, a imagem mostra ele batendo a cara no poste e ele é o Capitão Caranoposte. E a frase sobre a imagem: ‘se liga! Você é jovem mas não é indestrutível! MEGAZINE!’ E, opa, mais uma advertência, senhores adolescentes, ali também está escrito: ‘se beber, não dirija!’. A propaganda e a sua arte de ridicularizar! É quase poético, eu admito.

Então, de tanto bater a cara no poste, ou melhor, de tantos informativos e informantes de todas as espécies, pai, mãe, irmão, professor, amigo, outdoor, vinheta, MTV, Palestra Sobre Qualquer Merda, me dizendo para pensar sobre escolhas, passei a ver muitas escolhas! Inclusive onde ela não jaziam. Até bati já cara no poste algumas vezes, mas nunca nada foi tão violento a ponto de me fazer pesar as escolhas. A massificação desses malditos informantes e informativos, por suas vezes, me fizeram pesar. Tudo passou a ser pensado. Pensava sempre sobre as escolhas e não queria mais nelas pensar. Passava todo o meu tempo decidindo: MTV ou MultiShow, CNN ou BBC, Pepsi ou Coca-cola, Cesar Maia ou Garotinho, PT ou PSDB, ou PDT, ou PSTU? Lula ou Serra, ou Heloísa Helena, O Globo ou Jornal do Brasil, Ipanema ou Copacabana, China ou EUA, ou Chávez, Getúlio ou Figueiredo ou Prestes ou Lacerda ou Collor ou Dom PedroII, carne ou frango, azul ou vermelho, exatas ou humanas, direito ou comunicação, praia ou serra, Volkswagen ou Fiat, Brastemp ou Consul... E o tempo pasou a passar bem mais rápido, quase não podia percebê-lo, não me parecia mais que vivia o que tinha que viver, vivia pensando em decisões futuras, de futuro próximo ou distante. Decidia se ia escolher ficar escolhendo tudo para sempre, ou se parava de escolher nessa última escolha. Cogitava: os prós e os contras... que indecisão! Enquanto isso, escolhia, visto que ainda não tinha decidido por parar de escolher, todas as outras escolhas que já estavam-me embutidas e que tomavam meu tempo do dia, junto com a questão principal: continuar ou não escolhendo.

Dessa forma, comecei a perceber as minhas cagadas, assim como os meus banhos. Neles eu não via o mundo, não me permitia censurar, estava nu nas duas ocasiões, me sentia à vontade para estar nu, não percebia a moral nem a ética com o mundo (não via o mundo mesmo), logo não era preciso mais escolher: usava as habilidades racionais desenvolvidas pela/para a neurose das escolhas – o que já me era embutido e não podia controlar – para pensar nos meus momentos amorais. Sem a moral reinando, pensava como se não fosse um indivíduo, já que este é o ser que tem liberdade de escolha – pfffffff... – e ali eu nem sequer pensava em escolher. Pensava fora dos medos e das nóias, fora das sensações, não as tinha por não haver o que me controlasse; pensava fora de mim. E me via, como numa perspectiva de 3a pessoa, pensando com cérebro de quem cogitava.

E assim, quando não estava mais no banheiro, sentia incômodos de tanto pensar, que refletiam na minha fisiologia! Todos sabem que o psicológico influencia! Quando cansava inconscientemente de escolher, sentia vontade de cagar. Sendo inconsciente, a consciência ficava livre deste pensamento, ir ou não ir cagar para pensar? Apenas ia cagar!

E, de tanto exercitar a 3a pessoa – todos devem achar que eu cago o dia todo, depois dessa ‘de tanto exercitar’ –, analisei em 3a pessoa a 3a pessoa através da qual eu me observava, e vi que cagava para ter essa 3a pessoa presente.
Era a minha cagada, coloquialmente falando, para a vida. E era sempre uma das melhores cagadas!

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