domingo, 11 de novembro de 2007

Back to God-save-us

Volta a menina carioca do seu intercâmbio nos Estado Unidos. Lá, tudo tão clean, tudo tão bright, tudo tão awesome, tudo tão sintonizado, globalizado, organizado, comercializável, comprável, creditável, debitável, manipulável, manipulado, arquitetado, planejado, tudo tão americanizado!
Ela volta, ainda no aeroporto, tudo ainda parece bom, mas ela logo para na alfandega. Tinha comprado perfumes e calcinhas e cremes e eletronicos-em-geral e soluções-de-problemas-cotidianos demais. Ela, que se sentia tão americana, achou um absurdo um brasileiro, mesmo que em nome da lei brasileira, país de sua nacionalidade, quer queira quer não, tentar retirar dela o que havia comprado, argumentou, fechou a cara, mas não teve jeito, "era Brasil", pensou. Ficou tudo para a mulher e as filhas do policial mesmo. Seguiu em frente, né, já que não havia outro modo a não ser ver como estava o tão indomável Rio de Janeiro. Via a favela, empinava o nariz, via a sujeira da rua, empinava o nariz, via a rua mal asfaltada em frente a sua casa, empinava o nariz, via seus vizinhos, todos eles uns latinos, mal vestidos, oleosos, morrendo de calor nessa cidade quente, cumprimentando o porteiro, mais feio ainda, mais suado ainda.
Era Rio de Janeiro, e por mais que morasse na Zona Sul, era Rio de Janeiro. As ruas nao cheiravam, fediam, a favela destacava-se na paisagem, a pobreza parecia brotar dos boeiros, quando não era esgoto que brotava. Mas encontrou logo seus amigos, quem não via fazia tempo. Reclamou de tudo mas dormiu. E no dia seguinte acordou, sentia-se bem, levemente bem. Confortada, à vontade, não mais empinava tanto o nariz, só para o digno de se empinar. Já pensava novamente, por agum motivo qualquer, que era brasileira. O Rio era sujo, subdesenvolvido, feio, pobre, desorganizado, quente, suado, oleoso, menosprezável, mas até que ela gostava dele. Afinal, era o único país que podia ter passaporte, era o unico lugar em que se encaixava tal como era, apesar de não querer. Essa é a alma do brasileiro!

2 comentários:

Luiza Conde disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luiza Conde disse...

Antônio, adorei esse texto! O título tá genial e todo o tom de ironia geral está muito bem trabalhado. Acho que vc retratou com maestria uma coisa que acontece mesmo quando se retorna dos chamados "países desenvolvidos" após muito tempo. Acho também que o final, em que a personagem volta a se sentir brasileira e volta a sentir simpatia pela cidade, também está muito de acordo com a realidade. Muita gente tem mesmo essa mania de achar que aqui tudo é uma merda, mas acho que o brasileiro, mais do que outros, sente muita saudade da sua pátria quando passa muito tempo longe... Parabéns, está muito real e muito bem escrito!