sábado, 16 de fevereiro de 2008

Sorria

Era aniversário da Maria. Dez anos, ela se sentia, nem sabia por que, toda ouriçada, fazia mais um aniversário, completava mais um ano, a mamãe tinha ensinado, já podia dizer a todos que completava suas duas mãos com a sua idade. A menina tinha convidado todos os amiguinhos, a mamãe tinha deixado ela escolher só quem ela queria, portanto, a Juliana e o Guilherme não tinham sido convidados. Só eles da sala. Várias outras crianças que nem sequer se importavam com a existência da Maria foram na festa, e ela fez questão de convidá-los e não aos dois rejeitados. Maria sabia que poderia suportar todo o ódio que nutri por eles ao longo do ano, pois sua mãe já lhe tinha dito desde muito antes, faria uma festança de dez anos. Enfim, era o dia da festa. Agitações na casa da família da garota, ela estava lá meio quieta, lembrando do momento em que entregou os convites, lembrando das pessoas comentando sobre os que não iam na festa, da cara de desconsolados dos seus coleguinhas excluídos, da cara de não estou entendendo nada deles. Ela só não se via. Tão ridícula, pensando sobre as maldades que tinha feito, mas não pensava nisso, a mamãe tinha deixado ela fazer isso, então era tranqüilo. Pensava nas coisas sem pensar sobre estar pensando nelas. A moral era estabelecida por duas pessoas, papai e mamãe, que representavam a moral. E aquela família, como parecia integrada! Mãe e pai tão dedicados à menina! Não saíam mais quase, de vez em quando davam umas trepadas, mas sempre atentos à chegada da filha. Já não faziam mais nada e tudo o que acontecesse na vida da Maria era um acontecimento da vida deles. Suas vidas passaram a ser regar a Maria. Mas eles, bom, eles já eram adultos. Eles já tinham suas morais estabelecidas não personificadamente. Por isso escolheram ter Maria. Só Maria, para que pudessem se dar por inteiros. Não agüentavam mais encontrar com o pessoal, nem com nenhum pessoal, nem o do trabalho, nem o da escola, nem aqueles velhos amigos, não queriam mais nada, queriam só ter o que fazer. Papai e mamãe ficaram e continuaram juntos porque descobriram que não se importavam com a presença um do outro. E compartilhavam uma ânsia de que algo existisse, compartilhavam a entrega a algo que poderiam esculpir. E por isso a festa era tão importante. Receberiam alguns amigos, a maioria deles formada pelos que tinham filhos, mostrariam Maria, como estava linda, como recebia bem os coleguinhas, mal sabiam que ela se sentia assim por ter barrado aqueles dois, e ela ria por dentro. Na verdade pouco se importavam. Estavam pouco se importando com eles, e sim com seus desejos, que eram de fazer as coisas pela menina, gostavam da desculpa da garota pra fazerem as coisas, gostavam de se iludir conscientemente que gostavam de tudo aquilo, só gostavam porque era o que podiam fazer, era algo que faziam e era algo que era louvável de ser feito. Era algo que os tirava do que eram, também. Ficavam lá, na festinha, comendo salgadinhos, não se envolvendo com os pais dos coleguinhas, apesar de que tagarelassem ininterruptamente sobre filhos durante toda a festa. Encontraram muitos pais como eles, e identificaram-se. Mas todo esse processo havia-se restringido às entrelinhas. A festa já estava rolando, as atenções eram para Maria, que não precisava mais dos pais, tinha atenção de toda a festa. Foi então que papai e mamãe viram o que tinham plantado, viram pois ela estava lá, agindo, na frente de todos, não era como era em casa, mas assim deveria ser como ela agia entre todos. O sorriso diminuiu um pouco, mas não saiu da boca, nunca! Sabiam que eram uns merdas, mas beleza. Sabiam que a haviam prendido a eles, sabiam que talvez ela ficasse daquele jeito pra sempre, sabiam que era aquilo que fizeram, pois era aquilo que devia ser feito. Não voltariam atrás, não poderiam voltar atrás. Forçaram mais a abertura do sorriso, foram para trás da mesa do bolo, Maria já estava assoprando a vela, sorriram para a foto. Click!

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