terça-feira, 10 de junho de 2008

Ela

Aquela mulher. Ela, que estava disposta a mudar os planos depois de ter terminado um namoro com um pseudo-hippie dos anos 80. Ela, ela mesma, que havia esperado só um sinal para terminar com esse peseudo-hippie fedido - ele a havia traído com outra, mas que clichê! E ela, ela estava realmente disposta a mudar. Em um mês, segundo os relatos dela mesma, estava tudo mudado: encontrara o homem que a faria mudar de vida. Como que numa gestação, digeriu a idéia da mudança e abraçou com todas as forças esse lindo bebê que havia nascido dela: um casamento diferente - não tinham se casado no papel e, pros anos 80, casar não era muito contra-cultura; era melhor dizer que não era bem um casamento.
A vida mudada, quando menos esperou, surge a idéia de um filho, e o tiveram e depois de 3 anos mais um. Nunca tinha pensado, na vida dela toda, até o momento em que esse homem mudou seus rumos, em ter filhos. Muito pelo contrário, como ela mesma me disse, tinha repugnância a essa idéia, muito por causa de sua família bizarramente desestruturada - pai drogado e canalha, mãe filha de militar, etc, etc. E o que importa é que ela teve os filhos. Ela teve família, ela construiu uma família para ela e para o homem que havia mudado sua vida. Dois filhos, homens, que se sentiram caídos de para-quedas quando, mais tarde, aos 18 anos, se deram conta de que foram postos no mundo por que seus pais achavam que seria bonito, estético, construtivo, uma experiência de vida maravilhosa, uma experiência de vida que todos os outros advogados, colegas do homem que havia mudado a vida dela, já tinham.
O homem mudou a vida dela. De tanta vontade que tinha de romantizar tudo, casou com quem queria uma família mesmo. Com quem queria imagens bem marcantes e limpadoras-de-moral, bem parecido com um Seixas mesmo, do Alencar.
E foi pra lá que ela foi, trabalhando como funcionária pública ao mesmo tempo que se dedicava aos filhos. O pai sabia que eles estavam com a mãe. E os filhos, bem, sempre com uma empregadas, nascidos, sim nascidos, acumulados.
A grande beleza de ter agora uma família se convertia, assim como os plano de vida dela que mudaram com o surgimento de um homem, em uma tarefa extremamente realizadora. Via eles crescendo, sabia como portavam-se - ela havia criado eles, ou teriam sido as empregadas? De qualquer forma, sabia mais deles do que eles próprios. E eles, que não sabiam de nada, nem por que tinham vindo ao mundo, se questionavam sobre a necessidade de ter filhos. Acúmulo. Sobre a injustiça que foi ter nascido e sobre as funções filhas-da-puta dos pais. E para terminar, a mãe confirmava que a vida era assim mesmo e que lá pelos 40 estaria tudo bem, acumule.

Um comentário:

Antônio disse...

fortemente romanceado