quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

acordar tarde

Num dia de verão, férias, chuva, Dona Maria se inquietava. Ela estava sempre inquieta, mas sempre tinha um motivo lógico e piscanalisável, porque nada na vida pode ser porque simplesmente é. E o motivo da dona era o seu filho. Pra começar, ele sempre acordava extremamente tarde nas férias e, a cada verão que passava, sua mãe tinha a impressão de que mais ele se enfurnava no quarto. Seu pai também tinha essa impressão, mas ele logo se acostumava, na terceria semana de férias. Dona Maria não.
O filho havia convidado dois amigos para dormir em casa. Quer dizer, convidado não, eles foram pra casa dele, que é dela, de noite, e acabaram ficando, coisa que ela só descobriu quando acordou no dia seguinte. Ou melhor, às 5 da madrugada, como costumava fazer. Era uma surpresa. Ninguém conseguia saber se podia ser agradável ou desagradável visita, dona Maria nunca sabia se gostava ou não dos amigos desse filho, eles se trancavam no quarto, fumavam, sei lá, coisas que até sua galera fazia nos seus tempos de jovem, tempos que ela de certa forma abominava: tudo o que ela sonhava desde cedo, mesmo quando não sabia o que sonhava para sua vida, era uma casa, com filhos e sossego. Mas ela sabia que aquilo era normal, embora, sei lá, não lhe trouxesse paz aquilo. E tudo por água abaixo por causa do filho mais novo, logo no mais novo, podia ter sido no mais velho pra eu já ter me acostumado...
Pois é, e os jovens, que a seus olhares pareciam uns aproveitadores do seu lar - ela nem sequer pensou que eles tinham sim família, casa, comida e roupa lavada, só estavam de férias e estava caindo um dilúvio na cidade, Voluntários inundada - não acordavam. 6 horas da tarde. Não havia nada pra jovens fazerem com chuva - ou seria só mais um dia que seu filho dormia que nem um porco sem perspectivas? Ela tinha uma reunião de trabalho em casa, para resolver pendências e... e como seria com um bando de jovens que dormiam descontroladamente, possivelmente fumavam maconha no quarto e circulavam do banheiro pro quarto livremente?
Ela, que sempre tentou pagar de mãe legal boazinha respeitosa moral e ética, já sabedoura do mundo das drogas e da porra-louquice e por isso compreensiva e descoladinha, embora bem sucedida e caretinha no ponto certo, não aguentou. Entrou no quarto, cutucou o filho raivosa, propositalmente para acordá-lo de supetão, chamou-o para conversar e urrou sussurando, para não ouvirem, mas ouviram:
- Chega! Como é que é? Eles não vão pra casa não? Vão ficar aí o dia inteiro dormindo?
- Eu hein mãe, que que tá acontecendo? A gente tá de férias, tá chuvendo pra caralho e não tem nada pra fazer! Parece maluca.
E ficou assim. A mãe tinha se aproveitado de uma sensação de culpa que ela sabia que o filho conservava em si mesmo, por causa das noites acordado e dos dias dormindo, por causa das merdas que já havia feito, por causa dos foras que já tinha dado nela, por causa da vida que ele levava que não condizia com alguma vida que deveria ser a dele. Sentiu vergonha do filho que tinha, que só dorme, não faz nada e tem uns amigos esquisitos que, com 20 anos na cara, dormiram na casa do amigo. Tudo muito estranho, tudo era sempre muito estranho para Dona Maria, que sempre vasculhava as coisas. Sempre acordava de madrugada para saber o que acontecia - nada - sempre abria a porta do banheiro aceso, sempre queria saber, ficava imaginando quando não perguntava e, às vezes, sua imaginação fértil, pautada em dados objetivos, lhe dava uma certeza de surto maníaco, como essa.
Mas, no final das contas, o esporrinho foi o gatilho para que eles fossem embora e a vida tranquila familiar classe-média em desenvolvimento atéia pudesse correr com suas respectivas vontades, rotinas, neuroses coisas já bem afloradas na casa dos 20 e algumas horas depois de se ter acordado...

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