quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

DE REPENTE ACABOU - multidão de (incon)formados pára Botafogo e Humaitá

De repente acabou. "Foi sem mais nem menos, eu não queria que acabasse assim, de uma hora pra outra", disse uma aluna da 301. "O clima era de desespero entre os alunos", foi o que relatou um inspetor. “As outras séries não conseguiram continuar as aulas, as cadeiras eram arremessadas pelas janelas, as criancinhas do outro prédio gritavam enlouquecidas, parecia que sofriam do mesmo. Eu achei que era o fim do mundo,” reportou desnorteada uma inspetora do outro prédio que foi pisoteada ao tentar conter os pequenininhos. “Era pior que americano entrando na liquidação do natal”, comentou alusivo um professor de geografia. "Me disseram que viram uma garota correndo pra dentro da sala dos professores, subindo na mesa e ameaçando cortar os pulsos", talvez tenha exagerado um aluno do 1o ano. Exasperada, Danielle Gilaberte, da 301, bufava pelos corredores “Vocês podem sentir o terror? Eu posso sentir o terror!”

Se a tragédia já era muita, os alunos de um colégio da Zona Sul do Rio de Janeiro tornaram-na pior. Movidos por ímpetos desvairados, os alunos 3o ano de 2008 do Colégio Andrews manifestaram-se esta tarde contra as decisões ditas arbitrárias do colégio ao determinar que eles agora estão formados. "Se eles tivessem nos preparado para isso, disse Marina Gorayeb, até vá lá, mas foi justamente o contrário, logo no 3o ano, o último, eles puseram mais aulas a tarde e nos confrontaram a um inimigo externo comum, o vestibular, sem contar que os melhores professores ficam para o 3o ano, aí, o que aconteceu foi que nós nos tornamos muito próximos, praticamente uma sociedade alternativa utópica. A única coisa que nós queremos é que nos dêem garantias de que não vamos sofrer nenhum tipo de conseqüência negativa, ou traumas em nossas vidas pela solidão que podemos vir a sentir daqui pra frente. Enquanto nada for esclarecido, continuaremos a nos utilizar de práticas sensacionalistas para atração da mídia". E pelo que nos foi confidenciado por um professor que preferiu não se identificar, esse método já havia sido utilizado. "É, eles são meio baderneiros. Ano passado mesmo, pra você ver, sentaram no pátio, nariz de palhaço, apito, eles pararam a escola".

Mas esse ano as demandas eram diferentes. Outra integrante do grupo, essa da comissão de imprensa organizada por eles, Olivia Tranjan, explicou para a nossa equipe de reportagem quais são as diretrizes e os motivos da manifestação. "Esse ano foi diferente do ano passado. Enquanto ano passado nos indignávamos por motivos práticos, prova disso, prova daquilo, horário daqui, horário de lá, nesse ano passamos a nos preocupar com outras coisas. Esse ano nos foi possível perceber o valor da companhia de quem te acompanha todos os dias durante 9 horas, sem contar os sábados de prova, e churrascos e festinhas, por conseqüência, inevitáveis. Esse ano aprendemos a nos aproximar de quem está próximo, aprendemos a superar as provas, os vestibulares, os sussudios beirosos e os pós-beira e sorrir o dia inteiro, ou não, muitas vezes das nossas desgraças, como foi o caso do mural da desgraça, intitulado sabiamente de "Pensando Diferente", onde expúnhamos nossos zeros para quem quisesse passar por ali e rir, ou confortar-se por não estar sozinho. O tempo que ficávamos juntos, o dia inteiro, todos os dias, nos enlouqueceu. Fomos expostos a condições nem-um-pouco-normais de temperatura e pressão, ou na linguagem não-vestibuleira, vivemos um ano atípico e intenso. Intenso pelas brigas pelo ar-condicionado, que tencionavam tanto quanto as discussões pela formatura e adjacências.” Não conseguindo continuar devido às lágrimas, a aluna foi imediatamente afagada pelos amigos e Rafael Pinheiro, companheiro de turma, continuou a declaração. “O que ficou claro para mim foi que, quanto mais passava o tempo, menos acostumados com a vida lá fora ficávamos. Conforme as provas passavam e nós só pensávamos nas próximas provas, sem contato livre desses fatos com a realidade, esquecíamos que isso iria acabar um dia, que não deveríamos talvez ter nos aproximado tanto assim dos professores, de toda a turma, que não teremos mais o convívio cotidiano. Será difícil a separação.”

As coisas não pareciam fáceis no pátio das Magueiras. Isabella Benevides, que integrava o movimento, também deu seu depoimento. “Nós estávamos preocupados com o inimigo externo das provas e dos vestibulares, nossas mentes estavam sempre voltadas pra eles e não enxergávamos um palmo além desse ano. Agora nós temos esse amor incondicional, esse medo do desconhecido, e nós nem sequer havíamos pensado nisso ao longo do ano! O que queremos dessa instituição que nos fez criar esses lindos laços com ela e com seus integrantes é que ela nos dê algum tipo de garantia, nem que seja metafísica, como um aperto de mão seguido de um tudo vai dar certo, mas nós temos que nos sentir seguros para continuar, ou vamos continuar nos utilizando de práticas sensacionalistas para atração da mídia."

E essas práticas foram muitas. Era possível ver alguns deles amarrados às mangueiras do pátio com expressões de desespero e desolação. Houve também um grupo grande deles que fechou a Visconde de Silva, com faixas escritas "Bia, eu te amo", outras com "Eu tenho que aprender circunferência ainda" e bradavam "Bom dia, seu Luiz", repetidas vezes, era o jargão. Outra prática que, corre o boato, também está sendo utilizada é a conta pendurada do almoço. Dizem que a quantia somada é incalculável, o que, especulam analistas políticos, seria uma inteligentíssima manobra para manter vínculos com o Andrews, de forma terceirizada.

Alguns alunos da série foram encarregados de redigir um manifesto. “Nós já estamos acostumados com os trâmites políticos e politiqueiros. O Manifesto explicita melhor do que qualquer coisa o que reivindicamos e o que sentimos”, esclareceu Daniel Murray. Segue aqui um trecho desse manifesto que não se diz político, se diz emocionado:

“O sol ardia do lado de fora da sala (do cubo) onde se encontrava um confinamento de pessoas uniformizadas. Na visão macro poderia-se pensar em ratos de laboratório sendo preparados para algum tipo de teste científico terrível; já a visão micro teria o seu tom de campo de concentração nazista. Às vezes a janela e a porta ficavam abertas, mas era muito: logo seriam estupidamente fechadas e o aparelho que ficava em cima (seria o que jogava o gás no confinamento?) começaria a fazer o irritante barulho, que obrigava todos aqueles que se encontravam de pé na frente, discursando durante todas aquelas manhãs, a gritarem, até perderem voz.

Seriam esses discursantes diários quem mandava ligar os aparelhos de gás? Não, os próprios ratos da sala o faziam, causando, na maior parte das vezes, um alvoroço que resultava em brigas, insultos, unhas e dentes, todos misturados em arranhões e mordidas perversas. Até mesmo simples olhares poderiam simbolizar essa luta disparada, não importa. Quanto ao gás, a sala ficou dividida entre os que o queriam - e suavam - e os que não o queriam - e se agasalhavam -, sendo que, normalmente os discursantes eram contra.

A vida naquela prisão tinha uma rotina "interessante". Tocado o sinal, os presidiários eram arrastados para dentro das grades, onde tinham que escutar o discurso de uma pessoa, que se revezava de hora em hora com outra. No terceiro sinal, era permitida meia hora de banho de sol. Logo após, voltavam para a cela por onde ficavam, com mais duas pausas, até o final da tarde. A prisão mais contraditória: os presidiários eram soltos à noite...

Parece que as experiências deixavam os ratos cada vez mais nervosos, mais gordos e mais brancos. Conforme ia passando o tempo, mais eles espumavam pela boca, tinham seus olhos amarelados e as orelhas machucadas. As mãos, caleijadas. A cabeça doía, não mais pensava, não conseguia mais. Chegava uma hora em que os ratinhos simplesmente paravam e olhavam para fora... quando isso vai acabar? Quando vamos poder respirar novamente que não seja esse gás intoxicante? Quando, quando, quando...

Eles nem perceberam quando chegou o final. Na verdade, nem sentiram direito como o tempo de confinamento passou rápido e que, daqui para frente, eles poderão ter a liberdade tão esperada naquele ano. Talvez nem exista de fato essa liberdade, pode apenas estar no campo das idéias, mas só o campo já é um alívio. Um suspiro profundo. Enchem então seus pulmõezinhos de ar e dizem, ah, acabou enfim.

No entanto, vem uma pontada no coração que a cada suspiro fica mais forte. Será todo o gás acumulado no sangue? Quanto mais pensam, menos raciocinam, e suas visões começam a ficar embaçadas. Cai uma gota no peito. Que dor no peito molhado, que dor de remorso, que dor de saudade... Remorso de ter pensado tão cruelmente da salinha, aquela salinha onde, volta e meia, tinha uma discussãozinha, mas a gente continuava a brincar de pique-parede... Aquela salinha que quando abria a janela vinha a brisa da esperança de tudo dar certo, de que tudo acabe mas que não termine. Conforme as lágrimas vão enchendo os olhos, os ratinhos vão se tornando mais humanos. É o momento que se entende que o confinamento não passou de um esforço necessário, e que as brigas foram apenas um desabafo; os discursantes eram os conselheiros, o banho de sol era o descanso e a cela era a casa.

E como eles se apegaram ao espaço, às pessoas de lá, a tudo que pertencia a esse lugar. Imaginavam-se saindo e passando pela porta qualquer dia desses, com uma lembrança da vista da sala pras mangueiras. Do barulho de qualquer possível pássaro, em geral pombos, que se instalavam sobre os aparelhos emissores de gás, ou de ar-condicionado. As cores daqueles tijolinhos das paredes de fora sempre vão lembrar escola. Nunca mais vão poder olhar pra qualquer árvore sem lembrar das enormes mangueiras do pátio do banho de sol. Todos os restaurantes onde almoçavam os ratinhos, nas redondezas. Como viverão os ratinhos sem aulas de redação com duas professoras, pequenas, mas são duas – até que com salto elas disfarçam bem. Como viverão os ratinhos, meu deus, sem os bilhetinhos que a Bia pendura na Blusa, pra não esquecer de nada – não esquece nunca da gente Bia! A vida deles, longe desse costumeiro encontro com uma professora meio louca, sim ou não gente, que todos os ratinhos amam. Muitos ratinhos não vão mais aprender matemática, mas tentar, ou não, e conseguir, ou não, aprender matemática com os professores que tiveram foi lindo demais. Além da loucura da Mônica, tínhamos a malandragem didática do Pereira, quem dera se os ratinhos conseguissem tão facilmente resolver uma questão de probabilidade. Também contaram com um professor aí chamado marcelo Rodrigues, dizem que ele dá aula bem, mas o que mais fica em evidência é o quão duvidosa pode ser a personalidade dele devido às cores que ele utiliza ao escrever no quadro. É também impossível não beirar a loucura ao se imaginar longe do Xavier, mesmo com seu microfone. Imaginem eles lá, fora do colégio, sem o Cláudio. Sem o Cláudio! Viver longe das calmarias das aulas do Rhenan, longe das indecifráveis cadeias carbônicas, que pelo menos quem dava a matéria era um cara que contava boas piadas. Longe da Ana Maria e das suas conversas looongas. Às quintas feiras, que ratinho não adorava sair de sua aula de química ou física e pensar um pouquinho em inglês com o Francisco e com a Adriana. Às quartas feiras, os ratinhos tinham uns choques de atenção, eram as aula do Márcio que intercalavam risadas, indignações com a vida, especulação e morte nos piores casos. O Faber será outro motivo de revolta de se estar longe, não é aceitável não poder comer pizza da domino’s na terça e ir conversar sobre laranja com gominhos e a sua relação com os subsídios agrícolas nos Estados Unidos. Eu duvido que um dia alguém seja feliz sem ter tido o prazer de ser um ratinho que teve aula com o Marcelo Pinheiro, porque ninguém terá rido de verdade em sua vida, só quem ouviu Umbrella por ele. E muito perdeu o ratinho que não teve aula de história com o Dezemone, oras, ele é a história. Alguns poucos ratinhos filosofavam livremente, nas quintas à tarde, sob custódia do Michell, grande maestro dos surtos de alguns deles.

Os ratinhos, por essas e outras, se viram pertencentes disso e querem fazer parte disso pra sempre. O jornal do Vicente, a anexação da Bolívia, o jeito de sentar do Rafael, os beijos do casal, a gesticulação eletrizante da Danielle, a Marina e seus textos de prova de português, a Olívia que ficava vermelha mais que eventualmente, a cabeça do Fabiano, sempre na frente do quadro, o número 23, que tanto perseguiu os ratinhos, que gritavam “aaaa” amedrontados.

Fica a pergunta no ar: como ficarão os ratinhos depois de tudo isso ter acabado? Eles estão livres, sim, mas por que não disseram que a liberdade era essa selva? Aqui, pelo menos, os ratinhos se sentiam bem, eram bem tratados: ratinhos se apegam às coisas, não se deve fazer isso com eles.”

Mesmo depois de muita confusão, o desfecho pacífico da revolta parece próximo. “A melhor saída, tanto pros alunos quanto pro Colégio, é negociar, e é por esse caminho que eles devem seguir”, opinou ponderado o Presidente Lula. E assim se encaminha para o fim a manifestação: os dois lados, tanto os alunos, quanto o colégio, se mostraram dispostos a negociações. “Nós só queremos que tudo acabe bem para todos”. Declarou um porta-voz da escola. “Nós aceitamos as negociações, só queremos ser felizes” declarou um porta-voz dos alunos. Está marcada uma reunião para o próximo dia 12.

Não dando ponto sem nó, James, servente e filósofo de banheiro incompreendido de sua época, pontuou “Eles não perdem nem os amigos nem a piada”.

Um comentário:

Faber disse...

Eu já te disse né? Nunca li um discurso mais original, divertido e emocionante ao mesmo tempo. Lembro dos momentos exatos em que sua voz e principalmente a da Gi ficaram afogadas enquanto liam. E lembro, com mais precisão ainda, dos momentos em que minha garganta doeu.