segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Sete Epitáfios para uma Dama Branca (Que, descalça, media 1,65m e, nua, pesava 54 quilos)

"Nunca dei presentes a ela, nunca recebi nada. Não sei se sua caligrafia era redonda ou inclinada, legível ou feia, ou se ela colocava bolinhas em lugar dos pingos nas letras.
Nunca conversamos sobre religião, não sei se ela acreditava em Deus. Em reencarnação ou em horóscopo. Não sei se ela gostava de gatos ou se pensou em colecionar selos. Nunca perguntei se ela se interessava por política, futebol ou mesmo se tinha o costume de se masturbar.
O nome de seus pais, o que ela achava de homens com barba, das loiras, de armas e de tatuagens - são coisas que eu nunca vou saber. Não descobri se em alguma ocasião ela passou fome na vida. Se teve uma tia epilética...
Será que, como eu, ela achava que a felicidade é um negócio que inventaram pra enganar os pobres, feios, e os desesperançosos? Nem sei se ela teve um primo que vivia pedindo dinheiro emprestado. Não sei se tomou drogas um dia ou se era bamba em matemática no tempo da escola. Se gostava de resolver as palavras-cruzadas do jornal. Será que sabia jogar truco? Teve todas as doenças da infância? Se em algum momento humilhou alguém e se arrependeu depois. Se gostava de brócolis. Se alguma vez perdeu o sono por causa de dívidas. Se pensou em fugir. Se lembrava dos sonhos depois que acordava; Se sonhava...
Eu nunca soube o que essa mulher achava do novo papa. E de velhas que ainda usam laquê.
Compreendeu o significado da palavra "sacrifício" a tempo? Será que ela se orgulhou de algo de que deveria se envergonhar? Será que se lembra da primeira vez que viu o mar? Do primeiro beijo? Será que ela se sentiu digna em alguma oportunidade? e suja? Eu nunca soube o que ela achava do salário-mínimo. Da ioga. Das surubas. E das coisas que assustam quando pensamos nelas. De gente que tem medo de escuro. E de quem sabe que temos escuros dentro da gente. Eu não soube nada disso.
No entanto, sabia sua altura. Porque ela precisava ficar na ponta dos pés toda vez que nos beijávamos.
E sabia seu peso: ela me falou um dia, na cama, quando quis ficar por cima."


Livremente adaptado do Epitácio V., escrito por Marçal Aquino

Fonte: O Amor e Outros Objetos Pontiagudos.

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