segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Das situações de alienação (de si próprio).

Estavam sentados em um lugar-qualquer do Jardim Botânico num silêncio tranqüilo através do qual freqüentemente se comunicavam.
- Ela é, de certo, um espírito-argumentador. - Josias, que em absoluto não conhecia filosofia, pensava coisas profundas sobre Marina, que espreguiçava-se preguiçosamente em seu colo, e se endagava sobre assuntos que considerava relevantes.
Para começar, ela olhava para a vida como quem enxerga em cada obstrução uma criativa possibilidade de drible - que era a prova irrefutável de sua vitalidade. Os argumentos eram sua chave para todas as portas: ela costumava dizer que a verdade instituída pelos rituais da moral tem inúmeras brechas e é infinitamente mais corruptível que a verdade instituída por si próprio. Isso quer dizer que quaisquer que sejam seus motivos ao longo de seu trajeto, serão sempre mais impetuosos que as represálias cometidas por entidades externas a ela. No fundo, Marina tinha pra si que o mundo existir tal qual ele existe no momento não era "mérito" dessas verdades estabelecidas, mas daqueles que tiveram bons argumentos para refutá-las.
Argumentar era a força-motriz de sua existência. Podia parecer um motivo deveras superficial, mas chave de carro e carteira assinada eram elementos dos quais corria a plenos pulmões.
- Concluí, então, que Marina não cabe. Não cabe em seu decote, nem no meio de minhas pernas. Não cabe em horários marcados para consulta, não cabe em seus hábitos, não caminha em linha reta, não cabe em cordialidades. Não cabe nos esquadros, ou entre as margens de um quadro. - Não cabe em Josias, em si, nem em silêncios tranqüilos. E não há nada mais peverso que o desejo de dominar o que existe em sentido expansivo que acometia Josias, e ele, em um insight, percebeu. Sentia-se tão irrevogavelmente preso a esse desejo, que, de dominador passara a dominado, a partir daquele dia.

Um comentário:

Antônio disse...

a razão é realmente muito burra!