sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Mais-valia de mim

Sou pobre de espírito, mas rico de cultura. Há coisas que Meu Espírito pede para serem feitas, mas o coitado ta muito mal-parado. Como uma pessoa comum, ele teve que entrar com um pedido na Ouvidoria do Antônio. Sabe como são essas burocracias estatais, né? O Espírito ficou lá, esperando, esperando e esperando, sentado numa cadeira de madeira com hastes de ferro, que mais pareciam um lugar privilegiado nos porões dos navios negreiros: não era tão ruim assim pra situação, tinha gente pior, em pé, mas ainda assim aquela cadeira era muito ruim. Depois que conseguiu ser atendido, a atendente, pessimamente humorada, declarou-lhe, entre telefonemas e conversas paralelas e alguma risadas e algumas perfurações dolorosas de fila, que a sua vontade ainda não poderia ser feita. O Meu Espírito então, voltou a trabalhar, entregar os seus rancores (como dava trabalho fazer um rancor, puxa vida, tomava-lhe mais de um dia) à Razão, que, achando-se esperta, explorava o pobre Espírito, que produzia, explorado e a base de chantagens, os sentimentos, para a minha razão manufaturá-la e vendê-la como cultura para mim, que repasso para os outros. Enfim, o Espírito acabou que não sabe mais o que pensa e pensa só o que mandam. Espírito nunca tinha parado pra pensar nas coisas que fazia, pois antes fazia as coisas sem pensá-las. Agora tem que pensá-las, mas não para si, para a Razão, pois ela tinha chegado, e obrigava o Espírito a trabalhar. Foi então que o Espírito começou a ficar triste, apático, só tinha tempo para dormir e pensar, não mais sentia sem pensar, passou a sentir pensando e pensar sentindo. Não era mais aquele velho sentimento, suave e alegre, companheiro. Foi a Razão, tudo culpa da Razão, estragou a vida dele, institucionalizou o Estado para servi-la, que acabou fazendo com que Espírito não mais pudesse exercer suas vontades sem antes as submeter aos olhos de alguém, a mando da Razão, que produzia cultura à base de sentimento como se fossem tênis da Nike numa indústria na China, e vendia para mim e eu para todos, e aquilo tinha um valor tão absurdo – cultura, hã... – que era capaz de explorar e controlar um sujeito tão único e especial. Era mesmo uma filha da puta! Maldita exploradora! Espírito então mobilizou os outros trabalhadores. Chamou os Órgãos, o Cérebro, os Animais, a Água, o Mundo. Tentaram a greve, mas a Razão tinha espiões por toda a parte: sabotou a greve. E logo em seguida convenceu a todos os outros membros de que a Razão poderia ser para todos. Mas o que se descobriu é que nem tudo é totalmente propriedade da Razão, o Espírito, o Cérebro, a Vaca, a Água, também tinham seus terrenos e como passaram a dever à Razão, suas terras passaram a ser do Espírito e da Razão, como do Cérebro e da Razão e etc. O Espírito foi ficando individualizado, sofreu bastante, mas acostumou-se com a tristeza. Hoje vive ainda de dar à Razão sentimentos, divide a sala com Cérebro, mas quase não se falam mais: a Razão semeou a discórdia – mas isso é segredo! A Razão é mesmo incrivelmente impressionante. E dominadora.

3 comentários:

Antônio disse...

ow, véi, bando de fdp que nao comenta mais aqui nessa merrrrrrrrrrrrrrrrrda, manoooo
q briiisa, meu, di bobera

Unknown disse...

irada a sua crônica do espirito...
ainda hj nos resta a duvida:
a razão é nossa chave para a liberdade ou a sela da nossa cadeia?

Luiza Gomes disse...

a conspiração da malévola razão sobre o ingênuo :O oh espírito.
hahahaha

mas sério, achei mto foda. e mto coerente! e mto engraçado tbm.