terça-feira, 4 de setembro de 2007

Um Suspiro

Já estava no fim da vida. Tinha feito muitas coisas boas para si, muitas outras ruins para os outros. Tinha gastado já todo o dinheiro que tinha. Utilizara-se da sua fortuna tal qual um católico: de modo contemplativo, não se preocupara em manter a riqueza, preocupou-se apenas em contemplar as benfeitorias que tal circunstância o havia trazido. O que gostava não era da riqueza ou do dinheiro que tinha, muito pelo contrário, tinha ódio dele, gostava mesmo era do que aquilo traria para ele e por isso o gastava sempre muito rapidamente: comprava tudo o que ele podia comprar, não queria sujar suas mãos com aquilo. Mas, como havia começado a escrever, já estava no fim da vida e já não tinha mais nada também. Não que agora ele começasse a dar valor ao dinheiro, mas dava ainda mais valor ao que ele o proporcionava, e isso só trazia mais raiva do dinheiro. Talvez fosse uma raiva de si mesmo, de não ter conseguido conviver pacificamente com algo que odiasse tanto: quem sabe hoje não teria que exigir coisas dos outros ou coagi-los a darem-lhe.


Pensava que não deveria se arrepender de nada que fez. Pensava em tudo o que havia feito novamente, para não concluir precipitadamente sua falta de arrependimento. Lembrou da infância, que nem sequer sabia das coisas que amava ou que iria amar... pulou essa parte, pois nada o que poderia arrepender-lhe tinha origem nessa época. Lembrou depois das suas festas e das suas brigas com todos da família e de tudo o que conseguia daquela maldita família e de tudo o que diziam sobre ele ser o preferido dos pais e de tudo o que havia feito contra os possíveis membros da família e da mulher que amou e casou e que, quando transformado em família, também maltratou o casamento, e sua nova família. Lembrou também de tudo o que fez por fora das famílias, e de todas as famílias que fez por fora e de todos da família que indiretamente colocou pra fora das famílias. Lembrou também de tudo o que tinha feito que muitos queriam viver fazendo. Lembrou que não trabalhou, que sempre teve dinheiro, que nunca se coçou para nada e que sempre teve, mesmo não querendo, muitas coisas aos seus pés.


Concluiu, agora verdadeiramente, que não havia se arrependido realmente de nada que fez. Usou de tudo aquilo que gera as discordâncias sociais, as trapaças e nunca fez nada por isso. Estudou o que estudou somente por prazer. Fez tudo o que todos que trabalham muito para descansarem no final gostariam de fazer: foi um bon vivent. E concluiu depois de tudo, que ter sido o que foi era a maior crítica ao mundo que poderia fazer: quando o contexto internacional era bilateral, ele era alateral. Vivia por si próprio, agia para si próprio, pois a vida só o era para si próprio, e quando precisou realmente dos outros, eles, por não se libertarem de suas obrigações pessoais, acabaram por sustentá-lo, dando base à sua boemia. Ou seja, sua esbórnia não prejudicara a sustentabilidade final da vida que a todos muito preocupa. Viveu de maneira única, pois a vida é única. Não se preocupou com legados, pois legados não têm valor quando não se os vê. Não se preocupava com críticas e nem pensava sobre o que lhe diziam que deveria fazer, viveu sua vida.


E no fim da vida, pensou sobre o fim da vida. Sobre o fim de uma existência que ele mesmo achava digna, que ele mesmo julgava que era o que queria ter feito. Mas o fim não era agradável mesmo para quem se confortava com a vida que tinha. Talvez pesasse muito mais para ele o fim: soube de tudo o que se podia fazer em vida, pois o havia feito, e por isso fim pesava, nunca mais poderia ser capaz de ser. Ou de saber que era. Fechou os olhos e tentou imaginar o peso da morte sobre suas pálpebras. Chorou. Parou de pensar por alguns instantes, enquanto chorava. Pensou que não tinha ninguém que realmente amasse, a não ser a si. Entendeu que, por isso, não o amavam e o deixavam sozinho. Fechou novamente os olhos.


Olhou para frente, viu o prato de comida e não comeu. Ligou a televisão: precisava descansar a vista, a mente, a vida.

2 comentários:

Anônimo disse...

granpa's life?
it looks like.

irado. o/

Luiza Gomes disse...

tbm achei que parece. :B
descansar a viiida...

gosteisson, xoney. adoro suas histórias loucas de família.

:**