sábado, 8 de setembro de 2007

Vítor e Cris

Vítor estava lá, como todos os dias, na cozinha, terminando de pôr a mesa do jantar e ajeitando os preparativos. Por último, colocou a tábua de madeira sobre a bancada da pia e cortou um pouco de cebolinha para botar, como um toque final, sabe, pra enfeitar, sobre o escalopinho de filé mignon, que fora preparado durante toda uma tarde, sob gritarias das crianças antes da escola e depois leva as crianças na escola e entregas da farmácia e da padaria e do mercado e chegou o sedex da Cris também, ih, merda, tem que buscar as crianças na escola, mas a carne ta no fogo! Ahhhhh, caralho! Deu tudo certo, agora é só terminar de picar a cebolinha e esperar pela Cris.


Cortava a cebolinha calmamente, animado e ansioso pela chegada da Cris. Mas ela podia demorar um pouquinho, para dar tempo de trocar o avental, tomar um banho e esperar por ela sentado no sofá vendo o Jornal Nacional. Tchoc, Tchoc, Tchoc, cortava a cebolinha. Dindom! Ai! Vítor cortou a ponta do dedo, ai, que dor, ih, tocou a campainha, deve ser a Cris. Que droga, ainda estava de avental, fedendo a cozinha e a Cris tinha acabado de chegar, não podia ser, mas ela é mulher dele, vai entender que demorou preparando algo especial e com certeza ia esperá-lo, sem problemas, para jantarem juntos.


Cris chegou super cansada, não agüentava mais de tanto trabalho e olhou tudo aquilo diferente do normal em cima da mesa, as coisas pareciam mais célebres quando olhou em volta. Viu Vítor saindo correndo para o quarto (percebeu depois que tinha ido somente ao banheiro, mas mesmo assim, trancou a porta da suíte) e não entendeu nada. Bateu na porta, queria entrar, deixar as coisas, trocar a roupa que tinha vindo da rua, passar uma água no rosto e, enfim, começar a jantar, depois ver TV, começar a dormir no sofá, depois ser acordado por Vítor, ou mais provavelmente por umas de suas filhas, e iria cambaleando para o quarto, deitar a cabeça como chumbo no travesseiro e, sem preparar-se, acordar e ir trabalhar no dia seguinte, quase que mecanizadamente.


Como não pôde entrar no quarto, Cris ficou de mau-humor: queria trocar o absorvente que não tinha trocado desde que saíra de casa às 9 da manhã. A comida estava posta à mesa, a televisão desligada. Cris ligou a televisão e começou a beliscar a comida, que estava deliciosa. Pegava um pedaço da carne (ainda sem cebolinha) e ia comendo na mão até chegar perto da televisão. Era o caso Rennan Calheiros, ele era um imbecil, já devia ter renunciado. E o Lula, sempre aparecia nesses seus comícios idiotas, falando sem parar, bolsa família, PAC, e tinha também o julgamento dos 40 réus – todos uns imbecis ladrões, e o dinheiro pra nossa educação? – que não saía dos jornais nunca. A carne estava realmente deliciosa. Cris então, tirou o terninho, deixou nas costas da cadeira da sala, desabotoou a blusa, levantou um pouco a saia para que pudesse sentar mais confortavelmente, e gritou para Vítor:


- Ô, meu bem, como é que é? Tô cansadona, quero trocar de roupa, quem sabe até tomar um banho, vamos logo aí prá gente jantar de uma vez!


Foi então que Vítor, um pouco sem entender por que Cris estava falando naquele tom naquele dia TÃO especial, saiu do quarto, de blazer, uma calça social, perfumado, sorridente e com todo o glamour que aquele dia merecia. Viu sentada no sofá, toda esparramada, sua mulher, Cris, acompanhando o jornal, com cara de saco-cheio, que, ao ver que Vítor tinha saído do quarto, já se levantava rapidamente como quem ia ao banheiro, trocar de roupa e etc. Cris olhou para Vítor e parou o que ia fazer, olhou-o de cima a baixo e perguntou:


- É hoje o dia de você encontrar os rapazes? Não era às quintas?


- Você realmente acha que eu me arrumaria todo desse jeito para encontrar meus amigos? Não acredito, Cris! Não posso crer! Vamos ver o que você tem a dizer, tô te dando um crédito de uma resposta, o que que será que você vai me dizer?


- Eu, hein, Vítor, não entendi o por quê desse tom arrebatador... vamos jantar logo de uma vez que eu to morrendo de fome e ainda vai passar a novela que eu quero muito ver... QUEM MATOU THAÍS!? Apostei com a Gilda no trabalho que foi a Marion.


- Eu não to acreditaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaando! Olha só, Cris, você ta esquecendo o NOSSO aniversário! Você realmente acha que eu me arrumei toda pra encontrar os meus amigos? Você acha que a mesa ta toda posta só por acaso? Você também nem me esperou pra jantar... deu pra ver que pode ser aniversário, dia comum, não importa, né, você sempre vai ser indiferente a mim, ta vendo, olha só pra isso, já saiu comendo a carne com a mão, fica aí de terno, não trouxe nem um presente... Cris, o que que ta acontecendo com você, o que que ta acontecendo com a gente, me fala, me deixa ajudar, o Mauro, do 602, me deu o contato de um pai de santo ótimo, deve ter algum encosto, e o Gilmar, aquele que estudou comigo há anos e casou com a Maria, lá da repartição da Joana, que trabalhou com você na empresa... – fica alguns segundos parado, olhando para Cris, que quase boceja ao ouvir tudo isso – é, Cris, acho que o problema não é nosso não, o problema é seu mesmo, você não liga pra mim, você só pensa no trabalho, e as crianças? Quando que você vai arruma um “tempinho” pra elas? Todo fim de semana você tem que trabalhar num projeto, ou resolver alguma coisa urgente, se não seu chefe te mata! Elas sentem sua falta, Cris! Eu também sinto a sua falta, você nunca mais esteve aqui pra mim, tenho precisado tanto de você, queria dividir com você a minha vida, divide comigo a sua! – percebe de novo que Cris olha entediado – Eu devia arrumar um emprego sabe... devia parar de ficar cobrando de você, mas aí, depois, não vai pedir pra mim pra que eu pare de trabalhar não, não vale pedir pra ficar com as crianças não....


Ainda abobada e, confessadamente, entediada, Cris tentou se desculpar:


- Pô, Vítor, é claro que eu me importo com você, mas eu não sei o que que aconteceu hoje, tive muitas coisas lá no trabalho, acabei me esquecendo, mas amanhã, eu juro, amanhã a gente sai, vai no melhor restaurante


Vítor interrompeu bruscamente:


- Você acha realmente que você me compra com restaurante caro? – Vítor começa a chorar descompensadamente – VOCÊ NÃO LIGA PARA OS MEUS SENTIMENTOS!


- Vítor, meu bem, não fica assim, olha só, tudo isso que eu te dou! Essa casa, essa vida, você sempre sai com seus amigos quando você quiser!


- Mas eu não tenho sexo, Cris, eu não tenho SE-XO! Pronto, falei, acho que é isso que ta me deixando maluco! Você ta sempre com sono, sempre dorme no sofá, chega tarde, só come e dorme, o que que ta acontecendo, você não tem mais tesão em mim? Eu to inda à academia, to assistindo GNT, fazendo a dieta da proteína... – toca o telefone de Cris, que atende e fala baixinho e desliga logo – Quem foi que ligou, ein? Quem foi, deixa eu ver quem ligou, deixa eu ver seu celular!


- Você ta louco, Vítor, não dou não, você ta ficando maluco!


- Me dá agora! Sua desgraçada, quem é o outro? Por isso que a gente não se dá mais bem, Cris... aaaaaaaaaaaaaaaahhhh hã hã hã hã hã!!!! Eu quero o divórcio!!!!!!!! Você sempre foi uma péssima mulher! O Mauro do 602 sempre me falou da mulher dele, que nunca deixou faltar nada, eles têm até empregada, você sabia? Quantas vezes você não esqueceu de deixar dinheiro pra comprar as coisas aqui, eu sempre ferrado e você aí, indo pro Chile pela empresa, o que que você faz com o dinheiro, Cristina Maria? Olha, eu não tenho que saber mais de nada, você trate agora com o meu advogado, você me entendeu? Olha que vergonha, acabar o casamento no dia do aniversário, só você mesmo pra proporcionar esse triste fim para nós! Mas quanto ao que eu tiver dinheiro, a gente conversa depois...


- Você ta maluco, Vítor!


Cris não levou a sério. Vítor entrou no quarto, fez suas coisas, arrumou as coisas das crianças, enquanto Vítor via televisão sem acreditar muito no que estava acontecendo, sempre esperando que tudo fosse se normalizar e ele iria, no dia seguinte, acordar mal humorado, ir para o trabalho mal humorado, voltar de lá mau humorado, mas não era isso que acontecia naquele momento.


Vítor foi realmente embora de casa, com os filhos. Ficou alguns dias na casa da mãe, não deixou por 2 meses que as crianças vissem a mãe. Três anos depois, ficou decidido pela justiça que Vítor ficaria com a casa, com o carro, com a casa de Teresópolis e com metade do dinheiro que Cris tinha juntado há anos com o trabalho.


É, esse movimento machista realmente deu muita moral para esses homens...

2 comentários:

Antônio disse...

ninguém mais comenta na vida

Luiza Gomes disse...

eu achei iradíssimo! o diálogo final foi exatamente como eu tinha imaginado que seria x)