sábado, 3 de maio de 2008

1 dia

Se enrolava na toalha depois do banho. Aquilo era tão mecânico como abrir a janela do box pro banheiro respirar depois de um longo banho de água quente. Era tudo tão no automático que nada lhe impedia de continuar pensando. Enquanto estava no banheiro, seu contato com o exterior - do banheiro, lógico - estava deturpado. Aquelas múltiplas informações sobre o jantar, sobre os afazeres como estudar ou lembrar de todas as coisas que teria de fazer amanhã, ainda não tinham acesso à sua mente. Muito menos a vida dos outros, as preocupações dos outros. Dentro do banheiro, a vida parecia só sua. Enroscando-se na toalha, secava o pau e o saco, secava as costas, a cabeça e continuava em seus devaneios, seus livres devaneios. Já havia pensado em chavões, em tópicos frasais para novos textos, já tinha estruturado toda a hierarquia de valores em sua vida, tinha feito pré-escolhas, escolhas de banheiro.
Em seguida, tão no automático quanto tinha pegado a toalha e aberto a janela do box, sua mão se direcionava para a maçaneta. Poucos segundos foram suficientes. A porta abriu. A luz do corredor já insidia sobre seu corpo. Saía de um quarto e entrava no outro a sua mãe, em busca de alguma coisa, sempre. Ouvia-se a televisão na sala de TV e via-se as mudanças de cor da parede pela iluminação da TV, de acordo com o take da novela. O quarto estava ali do lado do banheiro, sua câmara de transição para a realidade. Entrou rapidamente para o quarto. Deixou a toalha pendurada na porta do armário, abriu duas gavetas que não precisava abrir, como quem abre a geladeira para nada, depois abriu as que precisava, duas vezes para poder escolher melhor o que iria vestir para ficar em casa. Nem precisou sair e já vinha alguém anunciar ou pedir alguma coisa no seu quarto. Era hora do jantar, ou ia começar um programa legal, ou estavam todos conversando na cozinha sobre alguma coisa legal e queriam a sua participação.
Em menos de 1 minuto, da total reflexão, do pensamento puro e magnífico, acabou entrando num turbilhão de acontecimentos, todos necessitados de soluções, de ações, de reflexos e raciocínios. Precisava saber onde estava, o que poderia acontecer. Sua mente agora se voltava para o mundo, que se projetava em sua casa. Da porta de casa pra rua não via a mesma diferença que entre o banheiro e o corredor. Seguia para a cozinha e exerceria sua função implícita, como o combinado implícito - havia pensado isso no banheiro.

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