terça-feira, 29 de julho de 2008

Vida profissional

Ele saía do colégio onde dava aula, onde dava aula que nem um corno, diga-se de passagem, trabalhava muito, corrigia milhões de coisas, era professor das maiores turmas e sentia-se explorado, extremamente explorado. Era para ele ter sido um grande engenheiro, um grande alguma coisa, ele era muito inteligente, ele mesmo sabia disso, sabia do seu potencial, mas resolveu fazer o que achava legal de se fazer da vida: achou realmente que alcançaria a consagração como um escritor. Balela. Se tornou um professor de ensino médio, daqueles que não gosta do que faz, que se sente mal por ser um professor do ensino médio, que não gosta do ambiente 'escola', pois lá os preconceitos se acentuam, pois os alunos são mesmo impiedosos com ele, uns com os outros, o colégio era algo que nunca tinha gostado tanto assim, mas, a vida deu voltas e voltas e voltas e ele nunca saiu do colégio. Sempre foi sozinho no colégio, até agora, quando professor. Apesar de ter constituído família, um filho muito bonito, por sinal, apesar de não ser mais aquele cara imageticamente sozinho - tinha filhos, mulher e não precisava dar satisfações a ninguém e seria razoável se ele se comportasse estranho no ambiente de trabalho, se se isolasse, pois ele tinha família, chegaria em casa e teria seu domínio e os outros não o maldiziam, ou o maldiziam a um nível não desmoralizador. E no momento em que saía, cruzou com as suas chefes: a professora de literatura e a professora de português. As duas, as duas eram coordenadoras, uma de literatura, outra de português. As duas, as duas mandavam nele, pois ele dava aulas de português e de literatura. Ora, mas que burrice do colégio, duas coordenadoras, ganhando mais e um só professor ganhando menos. Era uma dupla exploração, uma hierarquia que nenhum lugar estava acostumado a ver, duas pessoas mandando em uma. Estavam lá as duas, a de literatura fumando o seu cigarro, bem vestida, rindo com a de português, muito bem vestida. Ele passou, mal vestido, as cumprimentou rapidamente, não queria ficar olhando para elas muito tempo, elas também não lhe davam brecha para continuar ali olhando ou falando, ou ele não sentia essa brecha. Seguiu seu caminho, nutrindo o ódio que sentia por elas, a inveja que sentia delas, a vontade puramente capitalista de estar ganhando mais e de não estar menosprezado hierarquicamente. Andou mais pela rua até onde seu carro estava estacionado, girou a chave na porta, abriu-a e sentou, segurando no volante, onde ficou por uns 2 minutos olhando para frente e pensando, pensando no que fazia da sua vida, no que escreveria sobre isso, no valor que a sua escrita tinha, se deveria continuar acreditando em ser poeta. Ligou o carro e rumou ansiosamente para casa, para seu território, ver seu filho e acariciá-lo, como quem acaricia um animal de estimação muito amado, brincar com ele, conversar com a mulher sobre muitos problemas de correçaõ de prova, nunca sobre sentir-se menor que aquelas duas filhas da puta. Elas não eram nada demais, elas não sabiam tanto quanto ele, que era poeta, literato, profundo conhecedor de filosofia, artes, história, com QI acima da média. Por que razões ele era tido como menor, pensava ele inquietantemente enquanto via o balbuciar de sua mulher que falava sobre seu dia de trabalho e ele respondia no automático. Deitou, dormiu e acordou no dia seguinte, para trabalhar, onde viu a professora de literatura fumando o seu cigarro antes de entrar, essa desgraçada ainda fuma que nem uma corna, cumprimentou com o mesmo ódio sufocado de sempre, e seguiu portão adentro motivado por um enorme suspiro.

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